Por Jeffrey W. Hornung, publicado no Foreign Policy em 3 de maio de 2019. Tradução e adaptação de Albert Caballé Marimón |
Pela primeira vez desde 1945, o país está enviando suas forças de autodefesa a uma missão no exterior não patrocinada pela ONU.
Uma nova era pode ter surgido no Japão, mas não tem nada a ver com o próximo imperador do país. Ao invés disso, sem muito alarde, o governo deu um passo pequeno, mas significativo, na área da segurança. Em 26 de abril, em um movimento diferente de qualquer outro desde 1945, o país mobilizou suas Forças de Autodefesa (SDF, Self Defense Forces, em tradução livre) no exterior para se unir a uma força multinacional não ligada às Nações Unidas.
No início de abril, Tóquio anunciou que o reinado do novo imperador do Japão, o príncipe herdeiro Naruhito, que assumiu o trono em 1º de maio, será conhecido como a era Reiwa, traduzida como “bela harmonia”. Poucos fora do Japão prestaram muita atenção à notícia, mas dentro do país, nomes de época são importantes. Embora também use o calendário gregoriano, o nome da era é usado em formulários públicos, privados, documentos e certificados, durante cerimônias e até mesmo em calendários e em alguns jornais. “Bela harmonia”, em outras palavras, tem sido tendência no Japão.
Um dia depois de anunciar a era Reiwa, o governo aprovou o envio de dois oficiais da Força Terrestre de Autodefesa (GSDF, Ground Self Defense Force, em tradução livre) para Sharm el-Sheikh, no Egito, na Península do Sinai, para servir sob o comando da Força Multinacional e Observadores (MFO, Multinational Force & Observers, também em tradução livre). Operando desde 1982, a MFO monitora o cessar-fogo de 1979 entre Israel e o Egito, que pôs fim ao estado de guerra que existia desde a guerra árabe-israelense. Ao contrário do alarde que se seguiu à declaração da era Reiwa, este anúncio não chamou muito a atenção, nacional ou internacionalmente.
É compreensível. À primeira vista, despachar dois oficiais da GSDF para um comando não-combatente no Oriente Médio parece não ser nada. Um dos oficiais, um tenente-coronel, servirá como vice-chefe para ligação e coordenação. O outro, um capitão, vai servir como assistente de operações. Eles estarão armados com pistolas e fuzis.
Além disso, o Japão vem fornecendo apoio financeiro à MFO desde 1988, totalizando cerca de US$ 25 milhões. Isso tampouco é novidade para as operações de manutenção da paz. Trinta anos atrás, não era legalmente possível que o Japão mobilizasse suas tropas em tais operações no exterior. Mas, após a promulgação de uma lei de 1992, o país começou a enviar tropas para o exterior para atuar em operações de manutenção da paz da ONU. Isso aconteceu nove vezes.
Sua participação nessas operações impunha cinco condições: tinha que haver um cessar-fogo entre as partes do conflito armado; o país anfitrião e as partes tinham que estar de acordo com a operação da ONU e com a participação do Japão nela; a operação tinha que ser estritamente imparcial; O Japão teria que suspender ou encerrar sua participação se qualquer dos requisitos deixasse de existir; e o pessoal da SDF só poderia usar armas de autodefesa. A lei foi revisada em 2001 para que os soldados japoneses também pudessem usar armas para proteger membros não-SDF, como funcionários da ONU ou de ONGs que estivessem no local com o pessoal da SDF quando ocorresse um ataque.
Por mais de uma década, essa foi a estrutura que orientou o envolvimento japonês em operações multinacionais. Então, em 2015, o Japão aprovou uma série de novas leis de segurança que entraram em vigor em 2016. Isso acendeu uma luz verde para novas missões da SDF, incluindo proteção para refugiados internos e o resgate de funcionários da ONU e de ONGs quando necessário. Ao mesmo tempo, o uso de armas pelo pessoal da SDF foi ampliado para cobrir atividades não relacionadas à autodefesa, como a proteção conjunta dos campos de manutenção da paz.
Até o momento, o Japão não realizou nenhuma dessas atividades. Apesar de ter tropas no Sudão do Sul como parte da missão da ONU, não surgiu nenhuma situação na qual pudesse desempenhar suas novas responsabilidades antes que Tóquio abruptamente decidisse retirar suas forças, deixando apenas quatro oficiais na sede da missão da ONU. O resultado foi uma evidente ausência de forças japonesas no exterior em qualquer missão de paz da ONU.
Mas a missão do Sinai é diferente. Ele vai marcar a primeira vez que pessoal da SDF vai tirar proveito da revisão de 2015, muitas vezes esquecida, da lei que permite à SDF participar de operações de manutenção da paz no exterior, mesmo que não estejam sob controle da ONU. A diferença pode não parecer importante, mas é. Isso não apenas marca o reinício de operações da SDF no exterior desde a retirada do Sudão do Sul em 2017, mas a operação do Sinai é também uma pequena, embora visível, demonstração de que Tóquio está colocando em prática sua legislação de 2015 e mudando a forma como implementa a SDF.
Os observadores não devem esperar que este desdobramento estabeleça uma cadeia de eventos que leve a SDF repentinamente a lutar ombro a ombro com coalizões de forças em combate para derrubar regimes autoritários ou erradicar os terroristas, mas é um avanço significativo.
As políticas de segurança mudam de forma incremental no Japão. E, se essa nova implantação for bem sucedida, poderá marcar a primeira de muitas operações internacionais com números muito maiores em lugares onde se pede à SDF que contribua para a paz e a estabilidade, ao lado de forças multinacionais. Não estando mais preso à necessidade de atuar sob o controle da ONU, o Japão terá maior liberdade para implantar sua SDF no exterior num espectro mais amplo de possíveis missões. Embora possa não parecer muito agora, podemos estar testemunhando o início de um tipo diferente de nova era para o Japão.
*Foto de capa: alunos saúdam o professor após terminar o treinamento com fuzis na Escola Técnica Superior da Força Terrestre de Autodefesa do Japão em Yokosuka, em setembro de 2014 (Foto: Chris McGrath/Getty Images)
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Nova era para o país, seja com o novo Imperador, seja com a presença das SDF, aos poucos, em missões de relevância internacional. São passos firmes e planejados, com pouco alarde de fato.
Com discrição e eficiência. Grato pelo comentário!
Em paralelo tenho colegas radicados no Japão que, de maneira”sutil” também está ocorrendo, uma “valorização” das Forças de Autodefesa.
Sugiro aos especialistas prestaram atenção ao investimento, material bélico e os treinamentos das “atuais” Forças de Auto Defesa Japonesas.
Discretamente, como eles sabem ser.
Parabéns belo artigo!!!
Obrigado!