Tradução para o Português por Valter Andrade
O famoso 392º Regimento Aéreo Independente de Reconhecimento de Longo Alcance (ODRAP na sigla em Russo) da Aviação Naval da Frota Sententrional foi extinto em 1992, junto com seus legendários Tu-95 RTs (1), que acabaram cortados em chapas. Ao longo de quase trinta anos, os pilotos navais desta unidade avançada levaram a cabo os mais complexos vôos em diferentes pontos do globo terrestre a serviço do alto comando da marinha e do comando supremo de nosso país. Os oficiais de inteligência cruzaram oceanos em regiões como Golfo Pérsico, Golfo de Biscaia, Ilhas Açores, Ilhas Malvinas, Cabo da Boa Esperança e Ilhas de Cabo Verde, e executaram vôos transatlânticos a Cuba, Guiné e Angola.
Uma destas operações de reconhecimento aéreo especial do regimento foi relatada no jornal “Estrela Vermelha” pelo “navegador-franco-atirador” o tenente-coronel da reserva Pável Burmistrov. Aviador nato, filho de um soldado da frente de combate, Pável voou em missões de combate por quinze anos, com 3.500 horas no ar! Iniciou como segundo navegador e encerrou como navegador-inspetor superior de segurança aérea para a Divisão de Aviação da Frota Setentrional.
O relato de Pável Burmistrov
“Eu passei vinte três anos a serviço das Forças Armadas em interceptações do inimigo, que chamávamos de ‘adversários’ – a Marinha dos Estados Unidos – mas um vôo de reconhecimento em particular, ocorrido em 1982, marcou especialmente minha memória. No final de janeiro, nosso grupo tático (2) era composto pelo Major R. Mannánov (guia) e Major K. Zájarov (guiado). Estávamos numa base aérea cubana em San Antonio (3). Nesta época eu era o navegador do esquadrão e ao longo da missão também fiz o papel de instrutor. O grupo era comandado pelo Coronel M. Diachenko, inspetor superior e piloto da Aviação da Frota Setentrional.”
“Depois de um pequeno descanso de dois dias, inesperadamente soou o alarme. Recebemos a missão – a composição de nosso grupo tático era secreta –, e em silencio de rádio absoluto, decolamos à noite. Verificamos a região de onde se suspeitava que estavam ocorrendo os testes de mar do novo porta-aviões nuclear americano, o ‘USS Carl Vinson’. Nossa missão era encontra-lo e sobrevoa-lo. De acordo com os dados de inteligência, ele havia zarpado da base naval de Norfolk e se dirigia às ilhas Bermudas. Neste ponto eu gostaria de fazer uma pequena observação: eu voei no famoso e traiçoeiro ‘Triângulo das Bermudas’ por mais de quinze anos, e digo sem rodeios: nenhum evento sobrenatural foi presenciado nenhuma vez, nem por mim, nem por minha tripulação e nem por outra.”
“Ainda em solo nos preparamos completamente, detalhando de antemão todos os elementos do vôo secreto na região onde se suspeitava que o ‘Carl Vinson’ estivesse. Decolamos às 2h da madrugada com intervalo de dois minutos entre um avião e outro, como era normal. Em silêncio de rádio todos os equipamentos de transmissão estavam apagados. Seguimos os níveis de altitude de acordo com o plano de vôo. Logo as ilhas ficaram mais para o oriente e para trás. Na distância calculada do ponto principal, ligamos o radar ‘Uspiej’ e os operadores do RTR (Reconhecimento Técnico de Rádio) e da equipe de inteligência de rádio ficaram tensos e quietos enquanto buscavam transmissões do porta-aviões.”
“Repentinamente apareceu um ponto no alcance máximo de detecção – 410km. Mas neste lugar, poderia ser outro navio do inimigo? Felizmente, a esta distancia só um barco de grande deslocamento podia refletir um sinal de radar destas dimensões. Era o deslocamento típico de um porta-aviões como o ‘Carl Vinson’, da ordem de 89 mil toneladas*, seu comprimento ultrapassando 330m e com largura de cerca de 70m. Sabendo nossa posição e as coordenadas de longitude e latitude para a distância voada, determinamos o lugar exato do ponto detectado. Determinou-se que o suposto porta-aviões foi encontrado a menos de 300km da costa, bem fora da zona de 100km. Verificamos mais uma vez, a uma altura de 9.000m a 9.300m, e as características da costa americana não foram observadas no radar. Tínhamos as coordenadas do ponto e, sem erros de navegação, tínhamos o sinal correto e visível do radar.”
“Aproximadamente 10km depois as características da costa apareceram, fizemos as correções de posição de nosso avião, e simultaneamente determinamos a situação precisa do sinal iluminado. Estava a 162km da base de Norfolk. Verificamos e revelamos o sinal sobre a superfície que observávamos no radar. Não havia dúvida que este era o porta-aviões, mas só pudemos confirmar quando estávamos a 250km do sinal. Então os operadores informaram o comandante, Major R. Mannánov, que já estavam escutando os números do porta-aviões, os que eram usados para propósitos de navegação. Enviamos um informe via rádio para o PC (Posto de Comando) da aviação naval e para os PC’s de Havana e Moscou sobre a detecção do suposto sinal do porta-aviões ‘Carl Vinson’. A uma distância de 200km dele, o comandante perguntou se caças estavam sendo guiados até nós, vindos do porta-aviões ou de bases aéreas dos EUA.”
“Estranhamente, não havia caças. Verificamos o sinal a cada 10km, e estávamos chegando no limite de onde podíamos descer para a altura de observação, calculada entre 400 e 500m acima do navio. Começamos a descer de nosso nível de vôo, que era de 9.000m. Na tela do radar só havia um enorme sinal de um grande navio, e não havia outros ao redor. Era necessário confirmar visualmente que este era o ‘Carl Vinson’ procurado. Já havia amanhecido. Eram 8h00 hora local, porém o tempo não nos trouxe nenhuma alegria – nebulosidade a 10 pontos do limite superior do sistema de nuvens, estávamos a 8.000m.
Preservamos a formação de combate do grupo por meio da medição precisa do tempo e nos fundimos entre as nuvens. O equipamento de transmissão não funcionava bem ali. O mais importante agora era não violar as águas territoriais americanas e não entrar na zona proibida de 100km. Continuamos voando através das nuvens. Altitude entre 4.200m e 4.500m, distancia do sinal, 60km. A 20km de distância saímos das nuvens e descemos a 400m. Sem duvida, o limite mínimo do sistema de nuvens não estava muito acima, apenas a mais 100m.”
“A visibilidade era de 4km, as ondas, 2-3 pontos. Então a 10km, através de espaços abertos entre as nuvens, de repente avistamos a tão esperada silhueta do sinal sobre a superfície. Não havia dúvidas: Era o porta-aviões! Não havia navios de escolta e nem aviões ao seu redor. Formoso! Depois de mais 5km distinguimos claramente o número de identificação: ’70’. Este era o ‘Carl Vinson’! Obviamente o alto comando da Marinha dos EUA não esperava este infortúnio.”
“Não imaginavam que os russos voariam tão próximos de suas costas. E nem contavam com isto! Sugeri ao Comandante Mannánov verificarmos o porta-aviões pelas laterais de uma distancia de 2km, afim de obter fotografias mais claras, devido às condições do tempo e visibilidade estarem mudando constantemente. Porém o comandante não autorizou, pois as ordens requeriam que não ultrapassássemos 5km. Não havia nada que eu pudesse fazer, ele era o oficial superior, mas o tempo não ajudava na obtenção de fotografias de qualidade. Passamos pelo lado esquerdo do ‘Vinson’, operando câmeras de alta resolução AFA-42/100. Sem nos apressarmos, fizemos várias passagens para obter fotografias duplicadas; não havia limite de combustível nem de tempo de vôo.”
“Sobrevoamos o porta-aviões, observamos claramente que em seu convôo não havia caças, nem mesmo um helicóptero. Mesmo com o mal tempo a perfeição técnica do gigante nuclear impressionava nossos olhos, mas ele estava completamente indefeso neste dia.”
“Finalmente o trabalho terminou. A Severomorsk (base navalRussa) quebrou a comunicação de rádio: ‘Inspecionamos visualmente o porta-aviões Carl Vinson – Número 70. Latitude 35o 50′ Norte, longitude 74o 33’ Oeste. Velocidade 5 nós, rumo 45o. Tempo na região do sinal… ‘.”
“O major Mannánov e o co-piloto começaram a ascensão, rumando para Cuba. Quando estávamos a uma distancia de uns 60km do porta-aviões, as nuvens se abriram numa altitude de 6.000m e repentinamente um F-4 Phantom II da Marinha dos EUA nos interceptou. ‘Demasiado tarde, amiguito, tudo está feito. Toma uma boryomi! (4)’
Eles normalmente partiam para a interceptação em duas duplas mas, estranhamente, só havia um. E ele também violou o acordo de 1972, quando nos cercou a 30-50m ao invés dos 500m acordados. Talvez como forma de compensação perdida, o Yankee fez várias fotos de nosso ‘Bear’ e, sem maiores manifestações de agressividade, retornou a sua base aérea. Depois de mais de quatro horas fomos muito bem recebidos no aeroporto de San Antonio. A valiosa película foi imediatamente retirada de nosso avião e levada a José Martí (5) e, a bordo de um Il-62 da Aeroflot, enviada à capital.”
“Depois de um pequeno descanso partimos num vôo para Angola e a outros vôos pela costa sul-africana, então retornamos a Cuba e para a União Soviética. Isto ocorreu em 1982. Em Moscou nosso vôo era visto como algo comum, ordinário. E, na realidade, era o trabalho de combate cotidiano de nosso regimento.”
Notas:
Este texto foi enviado pelo Cel. Andrey Pochtariov, da AVMF, ao escritor e tradutor de russo Miguel Vargas-Caba, que gentilmente o cedeu a Valter Andrade para tradução ao português.
(1) Tupolev TU-95 RTs é o nome russo da versão “D” do “Bear”.
(2) Avião guia e guiado. Sistema usado pela Marinha Soviética na qual os aviões em geral voavam em duplas.
(3) Base aérea de San Antonio de los Baños, província a cerca de 20km a sudoeste de Havana.
(4) Boryomi, água mineral da República da Geórgia.
(5) José Martí é o principal aeroporto civil de Havana.
(*) Em seu relato, Burmistrov fala em 89 mil toneladas. O deslocamento real do USS Carl Vinson é da ordem de 100 mil toneladas.
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Boa Valter !
Os elogios de vocês são nossa força.