Irã, a Fênix do Oriente Médio

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Vista panorâmica de Persépolis, capital cerimonial do Império Persa, no sudoeste do Irã (Foto: Carole Raddato/Wikimedia Commons/CC BY-SA 2.0).

Vista panorâmica de Persépolis, capital cerimonial do Império Persa, no sudoeste do Irã (Foto: Carole Raddato/Wikimedia Commons/CC BY-SA 2.0).

No decorrer de sua longa história, o Irã, antigo Império Persa, foi capaz de manter sua identidade como civilização, mesmo tendo sido conquistado diversas vezes. Especialmente no Oriente Médio, conhecer a história ajuda a entender a atualidade, pois ali, o que aconteceu há séculos ainda é lembrado e vivenciado por muitos cidadãos comuns.


Quem acompanhou a política internacional de 2003 a 2014 deve ter percebido que o Irã foi constantemente demonizado na mídia mainstream, que as sanções e ofensas contra Teerã se multiplicaram tanto que muitos imaginaram que o país seria o terceiro, depois do Afeganistão e do Iraque, a ser invadido pelo exército americano.

Contudo, com o retorno da Rússia ao cenário geopolítico mundial e a ascensão da China, tanto militar como economicamente, a ameaça do Irã foi sendo gradualmente reduzida, pois, por que perder tempo com um país não-nuclear, quando dois gigantes nucleares desafiam a hegemonia americana?

Hoje o Irã é um grande player no Oriente Médio; é sabido que a mão Iraniana está ativa em quatro países árabes: Síria, Líbano, Iraque e Iêmen. O poder iraniano, apesar das sanções ocidentais, só aumentou.

Neste artigo procuro explicar a história do Irã, como este misterioso país está se transformando no maior player da região, e o que podemos aprender com este hábil, persistente e resiliente jogador.

Origem

Eu não poderia dissertar sobre um país sem antes explicar sua história, pois o presente é o reflexo do passado. No entanto, como a história do Irã é riquíssima, importantíssima e muito longa, vou me ater aos detalhes mais importantes para contextualizar o entendimento da situação contemporânea.

O Irã, antigamente conhecido como Pérsia, é uma civilização-país assim como a China e Índia, ou seja, são países que mudaram várias vezes suas fronteiras, mas sua identidade civilizacional continua viva.

A região do atual Irã era habitada por várias civilizações, sendo os elamitas o grupo mais famoso. A civilização elamita era muito avançada para a época, riquíssima em vestígios arqueológicos, com áreas urbanas e até escrita.

Interessante notar que Elam, o ancestral da nação elamita, é descrito na bíblia como sendo filho de Sem, neto de Noé, pois na antiguidade, os nomes das nações muitas vezes provinham do nome de seu ancestral (por exemplo a nação israelita, que descende do personagem bíblico Israel).

Posteriormente, povos indo-europeus vindos da Ásia Central (quem leu meu artigo sobre a Turquia, publicado no Velho General, entenderá como essa região é complicada), começaram a invadir o planalto iraniano e conquistam toda a região, espalhando-se ao sul até a Índia e a oeste para a Europa, conquistando, substituindo ou assimilando os povos conquistados, de modo que a região do Irã passou a ser dominada por tribos indo-europeias, mais especificamente “arianos”, tanto que o termo “iraniano” deriva de “ariano”, de modo que Irã significa “terra dos arianos/iranianos”.

A Pérsia de Ciro, o Grande

Das tribos iranianas/arianas, os persas e os medos se destacaram. Os medos se tornaram o poder dominante da região, até que Ciro, líder dos persas, derrotou os medos e conquistou a sua capital, Ecbátana. No entanto, muito sabiamente, Ciro incorporou os medos a seu império, não como súditos, mas como parceiros, dando origem ao Império Medo-Persa: posteriormente o termo “Medo” foi omitido.

Depois de unificar os medos-persas, Ciro venceu os babilônios, o grande império da época, e se consagrou como o novo imperador da região. Posteriormente, seu filho Cambises II conquistou o Egito, de forma que o Império Persa se tornou o líder absoluto do mundo antigo conhecido.

Ciro foi uma figura muito importante na história: era um grande guerreiro, brilhante estrategista, líder sábio e governante bondoso, respeitador da cultura e da tradição dos povos conquistados. O “Cilindro de Ciro”, uma compilação de seus decretos, é considerado por muitos como a primeira declaração de direitos humanos (apesar de alguns estudiosos e historiadores discordarem).


LIVRO RECOMENDADO

A Revolução Iraniana

• Osvaldo Coggiola (Autor)
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Vários são os elogios direcionados a Ciro pelos povos dominados; a própria bíblia, um livro judeu, menciona o nome Ciro 23 vezes, nenhuma de forma negativa. Ciro ordenou a reconstrução do segundo templo judeu e o retorno dos judeus à sua terra ancestral (2 crônicas 36:23). Até hoje Ciro é um nome muito popular no Irã, e muitos iranianos o consideram como o maior persa/iraniano da história.

Depois da morte de Ciro, seu império continuou a se expandir e fortalecer: de acordo com o Guinness Book, 44% da população mundial estava sob o Império Persa, o maior percentual de habitantes de qualquer império na história, sem mencionar que incorporava partes da Europa, África e Ásia.

Contudo, todos os grandes impérios caem, e depois de aproximadamente dois séculos surgiu outro famoso personagem que dispensa apresentações: Alexandre, também apelidado de “O Grande”, conquistou o Império Persa que, assim, chegou ao seu fim.

Império Selêucida, Império Parto e Império Sassânida

Como Alexandre morreu sem deixar herdeiros, seu Império foi dividido entre quatro generais e um deles, Seleuco I Nicátor, ficou com a região persa. Ele e seus descendentes governaram a região e estabeleceram a Dinastia Selêucida.

Posteriormente, a Dinastia Selêucida foi destruída e substituída pelo Império Parto, de origem iraniana. Os partos, apesar de raramente mencionados no “hall da fama” da História, impediram que os romanos expandissem seus domínios a leste e conquistassem a Pérsia.

Posteriormente, o Império Parto foi eliminado e substituído pelo importantíssimo Império Sassânida, que governou a Pérsia por mais de 400 anos e influenciou culturalmente até mesmo a China, a Europa e a Índia.

O Império Sassânida, assim como o Império Parto, travou violentas guerras contra Roma, nas quais nenhum dos lados saiu decisivamente vitorioso. Com a queda de Roma, o Império Bizantino, também conhecido como Império Romano Oriental, continuou a guerrear contra os sassânidas.

Conquista árabe islâmica

Enquanto os sassânidas e os bizantinos combatiam e se enfraqueciam, na Arábia um novo poder nascia, juntamente com uma nova religião. Maomé unificou as tribos árabes através de uma nova religião, o Islamismo, e planejou sua expansão militar-religiosa para além da Arábia, a famosa jihad (guerra santa).

Depois de conquistar a Arábia, os muçulmanos se encontraram diante de dois inimigos extremamente enfraquecidos: os bizantinos e os sassânidas e, logo em seguida, iniciam a conquista de suas terras.

Os Bizantinos perdem quase todo o Oriente Médio e Norte da África, mas sobreviveram na Anatólia e na Europa; os sassânidas não tiveram a mesma sorte e foram completamente dominados pelos árabes muçulmanos que os governaram através dos califados (reinos islâmicos dominados por um líder político e religioso conhecido como Califa).

Os cristãos e judeus são respeitados no Islamismo (apesar de terem que pagar impostos para praticar sua fé), todavia os persas seguiam o Zoroastrismo, uma religião considerada pagã pelo Islamismo, e com isso, sua religião foi extremamente perseguida e gradualmente eliminada; os persas não tiveram outra escolha a não ser abraçar o Islã.

Apesar de abraçar a religião islâmica, os persas preservaram seu idioma e sua identidade, diferentemente da maioria das nações conquistadas, que foram “arabizadas”. A conquista da Pérsia pelos muçulmanos contribuiu para a Era Dourada do Islã, porque os persas sempre foram famosos por sua criatividade, erudição e extrema inteligência.

Vários califados islâmicos de origem árabe dominaram o Irã: o Califado Rashidun (ou Califado Ortodoxo) conquistou a Pérsia, sendo sucedido pelo Califado Omíada, e posteriormente pelo Califado Abássida (que dependia imensamente dos burocratas persas).


LIVRO RECOMENDADO:

Uma história dos povos árabes

• Albert Hourani (Autor)
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Turcos e mongóis

O Século X presenciou uma migração em massa de tribos turcas da Ásia Central para o planalto iraniano; a cada dia mais jovens turcos serviam ao mundo islâmico como “mamelucos” (soldados ou escravos). Contudo, com o tempo se tornaram líderes e governantes do Irã e do mundo islâmico.

Vários impérios turcos, como os Império Gasnávida, Império Seljúcida e Império Corásmio, se estabeleceram e governaram o Irã. Interessante notar que, apesar de seus líderes serem turcos, eles foram imensamente assimilados pela cultura Persa.

No começo do Século XIII, surge uma nova ameaça vinda do Norte: o temível Império Mongol, que não apenas conquistou o Irã (na época governado pela Dinastia Corásmia), mas dizimam ¾ da população, deixando um imensurável rastro de morte e destruição.

Hulagu Cã, neto de Gêngis Cã (ou Genghis Khan), se tornou o novo Cã (título de líder ou chefe usado pelos mongóis) do Irã e estabeleceu seu império e sua dinastia, conhecida como Ilcanato (onde Ilca = Cã subordinado + Canato = reino ou império governado por um Cã).

Posteriormente, o líder turco-mongol Tamerlão, um dos maiores conquistadores do mundo medieval, conquistou o Irã e regiões periféricas e estabeleceu o Império e a Dinastia Timúrida, que posteriormente foram depostos pelo Império Safávida.

Império Safávida, conversão à religião xiita

O Império Safávida foi um dos mais importantes da história do Irã. As mudanças que este império e seu fundador, Ismail I, trouxeram, influenciam a geopolítica do Irã até aos dias de hoje.

Ismail I, seguidor do islamismo xiita da ordem Safávida, com ajuda de grupos militantes xiitas conhecidos como Quizilbaches (cabeças vermelhas), tomaram o poder no Irã e estabeleceram o Islamismo Xiita como religião oficial, convertendo a maioria dos habitantes persas e azeris e estabelecendo um Império Xiita na região.

A Pérsia Safávida xiita e o Império Otomano sunita se tornam arqui-inimigos; além de seguir religiões rivais, travaram inúmeras guerras pelo controle do Cáucaso e do Oriente Médio.

Depois dos safávidas, os iranianos foram governados pela dinastia Afexárida, pela dinastia Zande e pela dinastia Cajar, ambas marcadas por grandes guerras contra os Otomanos, perda de vários territórios no Cáucaso e na Ásia Central para a Rússia Imperial e pela ascensão das potências coloniais europeias.

Dinastia Pahlevi e a revolução islâmica de 1979

Em 1921, os britânicos, com ajuda de um golpe de estado, estabelecem a dinastia Pahlevi no Irã e tornam Reza Xá Pahlevi primeiro-ministro e xá (monarca em persa). Seu filho, Mohammad Reza Xá Pahlevi, foi o último monarca do Irã: em seu governo, o Irã ficou famoso pela modernização, secularização e aproximação com os Estados Unidos.

Contudo, no final da década de 1970 a situação econômica era precária. A inflação e o desemprego atingiam níveis alarmantes, gerando grande descontentamento na população e enormes manifestações. Em 1979, em meio a grandes distúrbios sociais, Reza Pahlevi deixa o Irã e Ruhollah Khomeini retorna do exílio.

As manifestações contra Reza Pahlevi se originaram em vários setores da sociedade iraniana, de liberais e democratas a conservadores-religiosos e comunistas, porém os conservadores-religiosos agiram mais rápido: tão logo Khomeini tomou o poder, perseguiu toda a oposição e estabeleceu uma teocracia xiita no Irã que perdura até hoje.

O Irã, através da revolução islâmica, se afastou tanto dos comunistas quanto dos liberais-democratas capitalistas, optando por seguir seu próprio caminho.


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Babilônia: A Mesopotâmia e o nascimento da civilização

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O passado ainda é presente

É possível que você esteja se perguntando: por que eu deveria aprender sobre todos estes impérios e períodos da história iraniana?

Em primeiro lugar, para entender como a identidade do povo persa, apesar de inúmeras conquistas e invasões, permaneceu a mesma, o que explica porque o nacionalismo é a maior força identitária do Irã.

Em segundo, o cidadão comum do Irã – e do Oriente Médio em geral –, conhece bem sua própria história e trata a nação vizinha de acordo com os acontecimentos históricos, pois o estigma da história é muito presente.

Eu estive no Irã, convivi com iranianos e ouvi muitos criticando e odiando os árabes porque, há cerca de 1.400 anos, destruíram seu Império. Ouvi muçulmanos sunitas chamando os iranianos de safávidas, ou seja, o histórico grande vilão do mundo islâmico sunita. Ouvi palestinos criticando Ciro, o Grande, porque há 2.500 anos ele permitiu que os judeus voltassem para a terra de Israel (não estou brincando).

Portanto, conhecer o passado ajuda a entender o contexto e a mentalidade desses países, porque no Oriente Médio, o que aconteceu há séculos ou milênios atrás, ainda é vivenciado e mencionado por muitos cidadãos comuns.

A guerra contra o terror e contra o Islã

Após a implosão da União Soviética e o fracasso do comunismo, a elite ocidental acreditou que o mundo agora seguiria a sua ideologia social-democrata liberal e que as ditaduras militares ou islâmicas restantes teriam que ser destruídas e substituídas por regimes social-democratas/seculares/liberais; em consequência, um regime como o iraniano se tornou alvo das pressões ocidentais que visavam derrubá-lo.

Depois dos atentados de 11 de Setembro, os Estados Unidos iniciaram seu projeto de derrubar regimes não democráticos e/ou teocráticos e implantar regimes democráticos e seculares, de modo que liquidar governos do Oriente Médio que não seguem a cartilha do ocidente, se tornou seu principal objetivo.

O Afeganistão foi o primeiro a cair diante do poderio militar americano, depois o Iraque, e tudo indicava que o Irã seria o próximo.

Interessante notar que, no Islã, a política e a religião são conectadas. O desejo dos americanos de derrubar governos teocráticos para implementar governos seculares foi considerado uma guerra contra a própria religião.

O Irã, por décadas, se tornou o maior financiador da resistência islâmica ao redor do mundo: financiava tanto grupos militantes/guerrilheiros/terroristas sunitas quanto xiitas. O importante era perturbar a permanência americana no mundo islâmico, drenando seus recursos e mantendo os americanos ocupados.

O Irã se especializou em formar milícias e exércitos irregulares para combater os americanos longe de suas fronteiras; pode-se dizer que os soldados irregulares treinados pelos iranianos estão entre os mais bem-treinados do mundo (os Houthis no Iêmen e o Hezbollah no Líbano são bons exemplos).

Tudo indicava que o Irã se tornaria o líder do mundo islâmico.


LIVRO RECOMENDADO:

O coração do mundo: Uma nova história universal a partir da rota da seda: o encontro do oriente com o ocidente

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Guerra na Síria, o divórcio dos sunitas e xiitas

A guerra na Síria mudou completa e radicalmente o cenário geopolítico mundial. Bashar al-Assad era aliado do Irã no Oriente Médio (e da Rússia), logo, deveria ser deposto. A primavera árabe, no final de 2010 e começo de 2011, abriu uma excelente oportunidade para os americanos derrubarem os últimos governos ditatoriais do mundo árabe e Assad tornou- se um grande alvo.

Os protestos contra Assad na Síria se multiplicaram, se intensificaram, e logo se transformaram em uma guerra civil. A Guerra Civil Síria foi aproveitada pelas potências ocidentais que queriam implantar uma democracia liberal no país e por grupos sunitas radicais que queriam estabelecer uma teocracia sunita, pois Assad, além de secular, é alauíta (seita islâmica xiita considerada herege pelos sunitas e pelos próprios xiitas).

Conforme a guerra se intensificava, apenas os mais fortes (grupos religiosos sunitas) permaneciam combatendo; a oposição armada secular se exauria e desaparecia, convertendo a guerra na Síria em uma guerra estritamente religiosa. Eu próprio conheci muitos sírios na faculdade e percebi que os mais religiosos iam lutar na Síria, enquanto os mais seculares e liberais apenas reclamavam de Assad nas redes sociais.

A situação de Assad era complicadíssima: jovens sunitas do mundo todo viajavam para a Turquia e Jordânia para atravessar a fronteira e lutar contra ele e tudo indicava que o Exército Sírio não sobreviveria a esta pressão, pois Assad era pressionado tanto pelo mundo islâmico sunita (Arábia Saudita, Turquia e Jordânia) como pelo mundo ocidental (Europa e Estados Unidos).

O Irã testemunhava tudo isso com espanto: não apenas um aliado seu estava em perigo, mas a própria sobrevivência das comunidades xiitas estava ameaçada, porque jovens sunitas ao redor do mundo amaldiçoavam os xiitas e se referiam aos iranianos como safávidas.

Por esses motivos, o Irã decidiu entrar na guerra da Síria e todas as milícias iranianas que estavam sendo preparadas para lutar contra os americanos e israelenses agora eram usadas para matar jovens sunitas na Síria, o que fez com que o Irã constatasse que sua influência no mundo islâmico sempre seria limitada a muçulmanos xiitas.

É importante notar que para os xiitas, os alauítas como Assad não passam de hereges, um xiita nem sequer aperta as mãos de um alauíta. Contudo, para impedir a criação de um grande califado sunita na Síria apoiado pelas potências sunitas Turquia e Arábia Saudita, eles entraram de corpo e alma na Síria para que Assad não caísse, e graças à ajuda iraniana (e russa), Assad continua de pé.

Irã, a grande potência xiita

Hoje, a influência iraniana está presente em vários países do Oriente Médio.

Na Síria, graças à intervenção iraniana (e russa), os alauítas, juntamente com os cristãos e seculares, dominam o país.

No Iraque, graças à invasão americana e subsequente deposição de Saddam Hussein, o país caiu nas mãos iranianas. A situação iraquiana é curiosa, porque, como os americanos implementaram a democracia no país e como a maioria do povo iraquiano é xiita, os políticos xiitas (que tinham ligações com o Irã) venceram as eleições e dominaram o país politicamente.

No Líbano todos sabem que a milícia xiita Hezbollah, que é financiada pelo Irã, é mais forte que o próprio exército nacional.

No Iêmen, os Houthis, um grupo militar que vem dando muita dor de cabeça para a Arábia Saudita, também são financiados pelo Irã.

Os xiitas, sendo minoria no mundo islâmico, são muito organizados; compensam a debilidade em números com disciplina e resiliência, o que permitiu ao Irã, através das comunidades xiitas, se tornar o maior player do Oriente Médio. Os sunitas, por outro lado, estão divididos, impotentes e dominados por potências estrangeiras.

Os xiitas enfrentaram os americanos, os israelenses e agora os sunitas e, até agora, não demonstraram covardia diante do inimigo. Aliás, as áreas que o Talibã mais teve dificuldade de tomar foram as regiões hazaras de maioria xiita.


LIVRO RECOMENDADO:

A história da separação entre Sunitas e Xiitas: Compreender as divisões no seio do Islão

  • Jesse Harasta (Autor)
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Irã potência regional

O Irã era o maior inimigo dos Estados Unidos e de Israel e, depois, se transformou no maior inimigo dos países sunitas (Arábia Saudita declaradamente e Turquia veladamente).

Os Estados Unidos, conforme mencionei no início do artigo, têm problemas maiores para resolver (China e Rússia), todavia, Israel ainda vê o Irã como ameaça, porque o Irã diversas vezes ameaçou, denunciou e acusou Israel (a melhor forma de aumentar sua popularidade no mundo árabe).

Ultimamente, eles têm trocado farpas; rumores de guerra entre ambos têm aumentado. Contudo, depois da guerra na Síria, os iranianos sabem que depois dos judeus, os xiitas são os maiores inimigos do mundo árabe sunita (grupo do qual os palestinos fazem parte). Creio que, nos bastidores, judeus e iranianos têm uma relação civilizada, cooperando em muitas áreas e dialogando constantemente (especulação minha).

A Arábia Saudita vê o crescimento do Irã como uma ameaça: sabe que, sem a presença militar americana, Meca estaria em mãos iranianas e xiitas. Graças à ameaça iraniana (e de certa forma turca), sauditas e israelenses se tornaram “best friends”.

A Turquia é o país mais complicado do Oriente Médio, pois apoia as causas sunitas contra os xiitas (na guerra na Síria por exemplo), coopera com o Irã para impedir o surgimento de um Curdistão no Oriente Médio (ambos têm comunidades curdas), disputa com a Arábia Saudita a liderança do mundo islâmico sunita, incrimina Israel e vitupera o regime militar secular egípcio.

Como se pode notar, graças aos erros dos seus adversários, o Irã se consolida como a maior potência da região.

Potencial iraniano, pontos positivos

O Irã conta com muitos pontos positivos, porém também tem muitas debilidades que o impedem de se tornar uma potência além de regional. Vamos começar pelos pontos positivos:

1) Vastos recursos naturais e energéticos

Possuir vastos recursos energéticos traz independência energética, crucial para o cenário geopolítico que se desenha, pois uma vez que a rivalidade entre os atores internacionais está aumentando, o país não ficará refém de algo tão essencial como energia. Além disso, energia abundante é quase sinônimo de energia barata e, quanto mais barata é a energia, mais barata é a produção.

2) População educada e investimento em tecnologia

Quem visita o Irã fica impressionado com a cultura, educação e inteligência do povo, sem mencionar que os projetos militares, científicos e tecnológicos iranianos são admiráveis para um país tão sancionado e atacado: eles inclusive lançaram seu primeiro satélite de reconhecimento militar.

As sanções internacionais forçaram o Irã a desenvolver as suas próprias indústrias (talvez uma sanção internacional fizesse bem ao Brasil?) e, surpreendentemente, o país se destacou e avançou em muitas áreas.

3) O Irã tem agenda própria

Muitos países, como o Brasil, são limitados por atores e pressões internacionais, o que impede nosso desenvolvimento e crescimento autônomos, problema que o Irã não tem, pois já se acostumou a ser atacado e demonizado; o país segue sua própria agenda econômica e política, independentemente de críticas externas.

4) O Irã é “desocidentalizado”

Muitos talvez não gostem do que escrevi, mas o Irã não tem as amarras liberais e progressistas da sociedade ocidental, o que eu considero uma grande vantagem.

O criminoso é severamente punido, a família e a religião são valorizadas, as decisões políticas nacionais são tomadas rapidamente, o governo traça objetivos de longo e curto prazo, e a polarização política é inexistente (o que pode também ser uma desvantagem).


LIVRO RECOMENDADO

Os iranianos

• Samy Adghirni (Autor)
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Pontos negativos

Aqui, abordo os pontos negativos ou debilidades que impedem o Irã de se transformar em uma potência extrarregional:

1) Demografia

O Século XXI será marcado pelas grandes demografias: um país com cerca de 80 milhões de habitantes jamais será uma superpotência, nem se comparando às populações indiana e chinesa, nem mesmo à americana.

2) Economia

O fato de possuir uma demografia mediana demonstra que o potencial econômico é significativo, mas não extraordinário, em termos internacionais. A economia iraniana tem apenas a vantagem da abundância energética e de alguns recursos naturais, e a tecnologia iraniana ainda é muito inferior à dos países desenvolvidos.

3) Não-nuclear

Quem não dispõe de armas nucleares está exposto às pressões externas. Apesar das negativas, há indicações de que os iranianos estariam próximos da capacidade de produção de armas nucleares, mas este é um assunto extenso e complexo demais para se tratar neste artigo.

4) Islã xiita

O Islã é a segunda religião mais popular do mundo. Todavia, a maioria dos muçulmanos são sunitas. O fato de o Irã ser muçulmano xiita o aliena da maioria do mundo muçulmano, assunto que já foi abordado neste artigo.

5) País multiétnico

O Irã é habitado por persas (maioria), azeris, curdos e outras pequenas etnias que coexistem em grande harmonia (eles se relacionam e até mesmo se casam, e todos admiram a cultura persa), o que não impediu, várias vezes na história, que diferentes nacionalidades e etnias que habitavam harmoniosamente um país, através de intromissão e subversão estrangeira, guerreassem entre si e se dividissem (por exemplo, a Iugoslávia). Uma divisão do Irã não seria impossível.

Política Externa

O Irã, hoje em dia, tem boas relações com a Rússia de Putin, apesar de ter uma péssima história com a Rússia Imperial e com a União Soviética. Ambos são aliados contra a hegemonia global de Washington (que está em declínio).

O Irã também tem excelentes relações com a China, tanto que a China tem investido pesadamente no país. Um grande exemplo é o acordo para cooperação estratégica por 25 anos, onde os dois buscam aproximação política e econômica.

A Índia é outro parceiro muito estimado pelos iranianos, apesar de que a Índia deixou de comprar petróleo iraniano por pressão americana. Recentemente, a Índia busca uma reaproximação com o Irã, algo que o Irã está mais do que disposto a fazer.

Os inimigos declarados do Irã são Israel e Estados Unidos; o Irã nunca abandonou a postura de confrontação e agressividade, não importa se é Trump ou Obama, os Estados Unidos sempre serão o “grande satã” e Israel o “pequeno satã”.

O Irã tem boas relações com a Turquia na área econômica e política, apesar de haver uma velada competição religiosa, pois a influência iraniana é muito forte no Oriente Médio.

A Arábia Saudita é outro inimigo mortal do Irã (conforme mencionado neste artigo), e busca incessantemente diminuir a influência iraniana na região.


LIVRO RECOMENDADO:

Portões de fogo: Um romance épico sobre Leônidas e os 300 de Esparta

  • Steven Pressfield (Autor)
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Considerações finais

Diante desse cenário, posso afirmar que o Irã sempre será um exímio player regional, o país hoje mais apto para dominar o Oriente Médio.

A economia iraniana terá um crescimento relativamente alto: quem investir no país, poderá obter lucros (dependendo da área); a indústria militar iraniana terá um crescimento modesto (comparado aos gigantes asiáticos) e a influência geopolítica iraniana deverá se fortalecer, principalmente graças à incompetência dos seus adversários.

O Irã é um país maravilhoso, recomendo a todos que o visitem, pois além de ser seguro, é exótico, não tendo passado pelo processo de excessiva globalização cultural que a maioria dos países do mundo sofreu.

Quem ama História vai amar visitar Isfahan e Xiraz, duas cidades tão ricas em monumentos, jardins e arte, que uma semana não é suficiente para conhecê-las bem.

É importante entender melhor o Irã, estudar sobre esta incrível civilização, que foi várias vezes atacada, invadida e destruída, mas, assim como uma Fênix, sempre ressurgiu das cinzas.

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3 comentários

  1. Fora sua história extraordinária, hoje o Irã não passa de exportador e financiador de terroristas.

  2. Há uns cinco anos conheci um judeu que fotografava a Igreja da Lapinha em Salvador. Ele conheceu o Irã e me falou muito bem do país. Deixou curioso.
    Tem suas mazelas, claro. E complexidades.
    Tudo de bom.

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