Afeganistão: o Cemitério de Impérios e a nova realidade geopolítica na Ásia

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Afegãos praticando Buzkashi, esporte nacional do país (Foto: Nasim Dadfar/Unsplash).

Afegãos praticando Buzkashi, esporte nacional do país (Foto: Nasim Dadfar/Unsplash).

Depois de vinte anos, os Estados Unidos estão deixando o Afeganistão, encerrando aquela que foi a guerra mais longa de sua história. Essa retirada traz implicações e altera o cenário geopolítico, com impactos não apenas locais. Também traz oportunidades que poderiam ser aproveitadas pelo Brasil.


Depois de quase 20 anos, os Estados Unidos começam a retirar suas tropas do Afeganistão, marcando o fim de uma invasão longa e de poucos resultados; o Afeganistão prova ao mundo que seu apelido, ‘’Cemitério de Impérios’’, é mais do que devido.

Mas por que os americanos decidiram invadir o Afeganistão? Qual foi sua intenção? Qual foi o motivo? Para responder a estas perguntas, precisamos voltar um pouco no tempo.

Contexto histórico

Quase todas as grandes potências passaram por estas terras montanhosas: mongóis, britânicos, soviéticos e agora americanos. Na época da guerra-fria, os Estados Unidos faziam de tudo para impedir o avanço do Comunismo ao redor do mundo e, em cada país, traçaram uma estratégia diferente.

Na Europa, ajudaram a reestruturar a economia através do plano Marshall, por crer que um país economicamente próspero rejeitaria o Comunismo/Socialismo. Nos países islâmicos, promoviam o reavivamento do Islamismo, pois acreditavam que um país religioso rejeitaria o comuno-socialismo.

Curiosamente, países ricos e seculares estão a cada dia mais votando em partidos de Esquerda, enquanto países islâmicos estão livres da ameaça comuno-socialista, provando que religião e nacionalismo são armas mais fortes para vencer Marx do que apenas crescimento econômico e prosperidade financeira.

Em 1979, a União Soviética invade o Afeganistão para ajudar o governo comunista local contra os insurgentes islâmicos conhecidos como mujahideens, financiados pelos americanos, sauditas e paquistaneses. Em 1989, depois de anos de luta armada, os mujahideens não foram derrotados e os soviéticos deixaram o Afeganistão desmoralizados e quebrados financeiramente: a aventura afegã custou vastos recursos financeiros.

Depois da saída dos soviéticos, o Afeganistão experimentou vários conflitos internos e guerras civis, até que, finalmente, o Talibã (que significa “alunos” em árabe) toma o controle do país e instaura um regime teocrático.

Acontece que os mujahideens acreditavam na Jihad, a guerra santa, a expansão islâmica pela espada (ou pela ponta do fuzil), e planejavam continuar essa guerra além das fronteiras afegãs. Assim, o país se transformou em porto seguro para terroristas islâmicos do mundo todo e em ameaça para os interesses americanos.


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Em 2001, ocorre o ataque às torres gêmeas e os EUA iniciam sua guerra ao terror: o Afeganistão é invadido com o objetivo de livrar o povo afegão da ditadura islâmica, capturar Osama bin Laden e implementar a democracia naquela nação.

Passados 20 anos, o Talibã continua vivo, a democracia não foi estabelecida no Afeganistão, os americanos estão voltando para a casa muito mais pobres, com muito mais dívidas e tendo a China e a Rússia revisionistas questionando a sua hegemonia. Resumindo: os americanos saíram do país muito mais fracos e com mais problemas do que quando entraram.

Nova realidade: A volta do Talibã ao poder

O Afeganistão tem um governo apoiado pela OTAN que controla as grandes cidades e a capital, mas os Talibãs controlam o restante do país e, ao que tudo indica, tomarão todo o território das forças governamentais, se assim o desejarem.

O Afeganistão é extremamente rico em minérios; mineradoras do mundo inteiro cobiçam as riquezas do país e, quando Bush o invadiu, ele tinha em mente, além de levar democracia, explorar os riquíssimos recursos naturais afegãos, abrindo o país para que as gigantescas mineradoras multinacionais enriquecessem.

Com a iminente saída americana, a China já iniciou negociações com o Talibã (pelo menos formalmente, todos sabiam que já o fazia antes) e, como resultado, o Talibã já deixou claro que vai proteger os investimentos chineses no país: as empresas chinesas serão de facto as donas dos minérios afegãos. A mesma China que destrói mesquitas em seu próprio território não tem nenhum problema em apertar as mãos de terroristas islâmicos, pois a China é o país mais pragmático do mundo (algo que o Brasil deveria aprender).

China e Paquistão serão os maiores ganhadores da saída americana; o Talibã não existiria sem apoio do Paquistão e, com sua volta ao poder, o Paquistão ganha um país aliado como vizinho. Os maiores perdedores serão os Estados Unidos e, principalmente, a Índia.

Os EUA, porque os americanos gastaram rios de dinheiro em seu projeto de nation-building: tentar reconstruir o país de acordo com os moldes liberal-democratas, algo em que, infelizmente, falharam miseravelmente. Enquanto os americanos gastavam tempo e dinheiro no Afeganistão, a China e a Rússia se fortaleciam para, em breve, desafiar a hegemonia global americana.

A Índia, porque os indianos investiram muito no atual governo afegão; eles não querem um Afeganistão aliado do Paquistão e da China e, com a volta do Talibã, além de ver seus investimentos perdidos, a Índia se encontra ainda mais cercada geopoliticamente.

Observando o mapa do subcontinente indiano, percebe-se que a Índia está cercada por aliados da China: Paquistão, Sri Lanka e Nepal. O único aliado que lhe restou foi Bangladesh (que também tem boas relações com a China) e, de certa forma, Mianmar.


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Mianmar é um caso à parte: os militares que hoje controlam o país meteram muita bala nos rebeldes comunistas apoiados pelo PC chinês no passado; contudo, a China tem investido pesadamente em Mianmar e, com a tomada do poder pelos militares, tem lhes dado todo o apoio político e econômico. A Índia sabe muito bem disso, razão pela qual não criticou o novo governo birmanês quando Aung San Suki foi retirada do poder pelas forças armadas.

Com a saída americana do Afeganistão, a configuração geopolítica da Ásia mudará ainda mais: a influência chinesa será aumentada e fortalecida e o acirramento da rivalidade entre China e Índia atingirá níveis mais elevados.

A Rússia é um caso à parte: tanto a presença americana no Afeganistão quanto sua saída representam riscos e oportunidades.

A presença dos EUA no Afeganistão, de certa forma, impedia que o país se transformasse em uma fortaleza islâmica que envia terroristas aos países vizinhos, começando pela Ásia Central, e futuramente ameaçando a própria Rússia; por outro lado, representa o declínio do poder global americano: os Estados Unidos estão recuando e isso é extremamente positivo para a Rússia (a despeito do fato de que os EUA terão mais recursos para focar na Europa contra a influência russa).

O acirramento das tensões entre Índia e China favorece muito a Rússia, pois tanto a um como o outro vêem na Rússia o único ator capaz de desequilibrar a balança de poder entre os dois; a Índia tem se aproximado ainda mais da Rússia para resolver o impasse afegão.

Uma nova realidade geopolítica

O cenário geopolítico está passando por transformações tectônicas: a China tem avançado, os Estados Unidos têm recuado e alguns países, como a Índia, estão percebendo que precisam se fortalecer e desenvolver seu próprio plano e objetivo nacionais, pois a PAX AMERICANA está com os dias contados. O futuro pertencerá àqueles países que desenvolvem sua própria estratégia geopolítica e não dependem dos outros.

Toda esta movimentação internacional pode servir como exemplo para nós: o Brasil precisa urgentemente desenvolver sua própria estratégia geopolítica, o domínio global dos EUA está com os dias contados, os americanos estão em decadência, e isso abre uma janela de riscos e oportunidades.

Se agirmos agora e encararmos a nova realidade geopolítica mundial como uma oportunidade, seremos senhores do nosso próprio destino. Caso contrário, nos arriscamos a continuar colonizados pela próxima potência dominante, mais provavelmente a China, permanecendo na condição de país medíocre, com um povo dominado. Nossos descendentes pagarão o preço da nossa inércia.

O trem da história está passando aceleradamente e de forma descontrolada; alguns países tomarão assento, outros o volante, e quem assumir a direção em suas próprias mãos conduzirá o restante.

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