Geopolítica aeroespacial e o papel das armas estratégicas na balança de poder: o sistema de mísseis hipersônicos da Federação Russa

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Míssil hipersônico Zircon lançado da fragata Almirante Gorshkov da Marinha russa durante teste no Mar de Barents, snapshot de vídeo de 28 de maio de 2022 (Ministério da Defesa da Rússia/Reuters).

Por Carlos Alexandre Klomfahs*

Míssil hipersônico Zircon lançado da fragata Almirante Gorshkov da Marinha russa durante teste no Mar de Barents, snapshot de vídeo de 28 de maio de 2022 (Ministério da Defesa da Rússia/Reuters).

A tecnologia hipersônica traz grande preocupação, dada a sua velocidade, eficiência e baixa probabilidade de interceptação pelos atuais sistemas de defesa; partindo do projeto 14-X, o Brasil deveria incrementar sua pesquisa, em prol da capacidade de dissuasão.


“No século 21 a Rússia deverá manter o status de liderança espacial e nuclear”.
Vladmir Putin, 2021.

O objetivo do presente artigo é debater o papel dos mísseis hipersônicos como armas estratégicas na “balança de poder” e na ameaça à segurança do Sistema Internacional (SI), precedida pela conquista dos interesses geopolíticos e aeroespaciais em jogo.

Partimos inicialmente da avaliação de que para uma eventual solução de guerra deve-se atingir, dentre outras, a estrutura de apoio ao esforço de guerra do inimigo e a quebra de sua vontade de lutar, situações alcançáveis com um sistema de armas hipersônicas.

A justificativa e a relevância do tema deriva da atual crise internacional de semblante político-estratégico, com escaladas cada vez mais arriscadas e decisões tomadas sob tensão, revelando disposição para escalar a crise em nível mundial, como se percebe das ações de contenção da OTAN frente à Rússia, China e Irã.

O referencial teórico da pesquisa provém de artigos, teses e dissertações analisadas e comparadas, referenciadas ao longo do trabalho. Pelo limite do presente trabalho, foram feitas escolhas que resultam em entendimentos parciais sobre o tema, não abarcando os diversos campos de tática e estratégia complementares.

Já os pressupostos da análise são dois. Primeiro, a publicação, em 2023, de um relatório do Pentágono sobre os desafios estratégicos para a segurança dos Estados Unidos, classificando China e Rússia como nações “desestabilizadoras” do mundo. E, segundo, a doutrina militar russa de non-first use, ou seja, não ser o primeiro a utilizar armas nucleares. Portanto, ganha destaque o papel de armas convencionais estratégicas, como os mísseis hipersônicos.

Considerando ainda o espaço exterior como o ambiente imprescindível para os modernos sistemas de armas hipersônicas, julga-se oportuna a compreensão dos interesses geopolíticos espaciais em conflito.

Segundo a doutrina americana [1], o emprego dessas armas está direcionado a missões para [2]: (…) (a) eliminar terroristas de alto valor e desestabilizar suas operações; (b) conter capacidades de Anti-acesso e Negação de Área (A2/AD) capazes de impedir o livre trânsito ou ameaçar as capacidades estadunidenses ou de seus aliados; (c) destruir ou desabilitar capacidades antissatélite (ASAT); e (d) negar a um estado hostil a capacidade de utilizar seu arsenal nuclear.

Por outro lado, a Doutrina de Defesa Nacional Russa [3] de 2014 defendia a hipótese de: “(…) uso maciço de armas e sistemas de equipamento militares, armas hipersônicas e de alta precisão, meios de guerra eletrônica, armas baseadas em novos princípios físicos comparáveis às armas nucleares em termos de eficácia, sistemas de informação e controle, bem como drones e veículos marítimos autônomos, armas e equipamentos militares robóticos guiados.”

Quanto à Geopolítica Aeroespacial, aprendeu-se durante o Curso de Introdução à Geopolítica Espacial em 2023 pela Agência Espacial Brasileira (AEB), no módulo do professor Guilherme Sandoval, como sendo a relação e a projeção de poder de um país utilizando seu conhecimento produzido e sua tecnologia de ponta na área aeroespacial, de forma que domine tanto o ciclo de lançamento de foguetes e satélites às órbitas terrestres, quanto o uso do limitado espectro eletromagnético, sendo vetorado por mísseis de propulsão hipersônica aspirados.

Países como Estados Unidos e Rússia, potências espaciais, já ocupam as órbitas geoestacionárias, regiões limitadas ao redor da linha do Equador, a 35.796 km de altitude, onde são posicionados os satélites, girando na mesma direção que a Terra sobre seu eixo de oeste para leste, e os Pontos de Lagrange, (limitadas regiões neutras denominadas L1 a L5 entre a órbita de dois corpos no espaço, em que as forças gravitacionais se anulam, em que L4 e L5 são estáveis e essenciais para o posicionamento de satélites/estações espaciais de permanência fixa), todos esses verdadeiros pontos de estrangulamento e linhas de comunicação em termos geopolíticos, culminando com a militarização e armamentização do espaço exterior.

Destaque-se que o domínio do ciclo da propulsão hipersônica aspirada precede o domínio completo dos sistemas aeroespaciais como posicionamento e constelação de satélites, sistema de guiagem e navegação, comunicação/computação quântica de preferência, contramedidas eletrônicas etc., e, para que estes sistemas funcionem, também são precedidos pela projeção de poder geopolítico na dimensão aeroespacial.

Logo, as principais consequências geopolíticas e posteriormente em um conflito militar, referem-se à projeção de poder e economia [4] ou, em outras palavras, geoeconomia e poder (interesses em minerais estratégicos para a indústria de alta tecnologia e o complexo industrial-militar, petróleo/gás, segurança alimentar e acesso à água doce) de um dado país – leia-se OTAN, capitaneada pelos Estados Unidos, projetando-se sobre o Oriente Médio, Europa, África, Oceania, Ásia e Américas, colocando em risco máximo seus ativos de projeção de poder: frota naval de porta-aviões e seus strike groups e sistemas aeroespaciais (constelação de satélites, radares, sensores, sondas, magnetômetros, sistemas de alerta antecipado, comunicação, sistemas de navegação, orientação e guiagem de armas por satélite, TERCON (Terrain Contour Matching), TERPRON (Terrain Profile Matching) ou inercial por sensores de movimento ou giroscópio.

Embora seja de senso comum que os elementos imponderáveis de uma guerra, como o moral, a disciplina, o treinamento, a rusticidade e a vontade, sejam mais importantes do que apenas a tecnologia, doutrina e armamentos militares, permanece a estratégia, a tática e a logística, somadas ao conhecimento da geografia militar, para compor o conjunto de sistemas que acrescentará êxito e sinergia aos modernos sistemas de armas hipersônicas aspiradas, dos quais avaliamos aqui seu papel na balança de poder.


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Facing the heat barrier: A history of hypersonics

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O domínio e uso da tecnologia de propulsão hipersônica aspirada tem despontado como ponto de grande preocupação, dada a sua elevada velocidade, eficiência e baixíssima probabilidade de interceptação pelos modernos sistemas de defesa aérea, ou mesmo por satélites, sensores, sonares e radares modernos de alerta antecipado (AWACS, JSTARS ou AEW) e C4ISR.

Quando são detectados devido às perturbações, ainda que mínimas, que causam na atmosfera, denunciando a sua chegada, já atingiram seu alvo. É o que ensina o professor Paulo Gilberto de Paula Toro da UFRN, o que torna inútil qualquer sistema de detecção, trazendo riscos vitais, sendo desconhecidos ainda efeitos colaterais e eventuais erros na localização do alvo por interferência eletrônica sobre alvos civis ou em ambientes urbanos.

O professor oferece um exemplo para compreensão: na natureza, o único elemento que tem velocidade hipersônica de 40.000 km/h seria um meteoro, que somente pode ser percebido ao entrar na atmosfera com uma onda de choque ionizada à frente, mas não possibilita qualquer defesa humana pelo exíguo tempo de reação, exceto, claro, por telescópios e espectroscopia, identificando-se o seu tamanho, velocidade e trajetória. Assim, ante as várias opções no âmbito da Revolução dos Assuntos Militares (RMA, Revolution in Military Affairs) faz-se necessária a escolha de qual sistema de armas priorizar, sendo contraproducente e impraticável investir em todas as áreas, havendo que se escolher se será desenvolvido um projeto no Exército, na Marinha ou na Força Aeroespacial, sendo que o projeto de armas hipersônicas foi desenvolvido nas três Forças, mais o ministério.

Com efeito, acredita-se que os EUA escolheram outros sistemas em detrimento da tecnologia de propulsão hipersônica, mais focados na projeção de poder naval e aeroespacial.

Ora, um sistema de armas hipersônicas aspiradas depende de tecnologia de combustíveis (hidrogênio ou hidrocarbonetos), ciência dos materiais (zircônio?), aerodinâmica, manobrabilidade, sistema de navegação, proteção satelital e contramedidas eletrônicas.

Ademais, um sistema de armas hipersônicas serve a um propósito defensivo de emprego das Forças Armadas A2/AD (anti-acesso: perímetro maior que 1.800 km; negação: capacidades e ações de curto alcance que limitam a liberdade de ação do oponente no teatro de operação). Ou seja, impedir que uma força oponente projete seu poder em uma dada área territorial, aeroespacial ou marítima de interesse [5].

Note-se que os EUA construíram, após 1945, todo o seu sistema industrial-militar na modalidade de emprego de suas Forças Armadas (cf. Manual do Ministério da Defesa: MD51-M-04, Doutrina Militar de Defesa) com escopo mais ofensivo e de projeção de poder, especificamente sua força expedicionária, com doutrina de alerta e prontidão operacional para atuar em qualquer ponto do globo em 48 horas.

Talvez por fatores geográficos e psicoculturais da sociedade americana, sua relativa proteção por dois grandes oceanos, sua fronteira “seca” com apenas dois países – México e Canadá – os EUA não priorizaram sistemas de armas de defesa (exceto claro, sua extensa rede de escuta ativa e passiva que vai do Ártico à Antártida, de magnetômetros e sismógrafos à satélites de radar e infravermelho), confiando em sua projeção de poder naval e aeroespacial em quase todos os oceanos, em suas bases avançadas, seus sensores de alerta antecipado, radares, sonares e satélites, que, no entanto, podem ser desafiados/neutralizados pelos mísseis hipersônicos russos, iranianos e chineses.

Ora, para alcançar esse nível de tecnologia de ponta exige-se do Estado um investimento de longo prazo em Ciência, Tecnologia & Inovação, com supervisão de políticas públicas e presença da tríplice hélice entre Estado, universidades e iniciativa privada, no fomento e formação de jovens engenheiros e cientistas, provendo uma infraestrutura mínima de software nacional e sistemas computacionais avançados.

Ademais, o domínio de tal tecnologia advém de estudos de engenharia aeroespacial, motores scramjet (estato-reator de combustão hipersônica) e ramjet (estato-reator a combustão subsônica), fluidodinâmica, combustíveis (hidrogênio e hidrocarbonetos), controle de arrasto e alta temperatura por tempo prolongado, velocidade e alcance, comunicação, guiagem do míssil e ciência de materiais.

Em resumo, os principais desafios do projeto de propulsão hipersônica aspirada são: arrasto aerodinâmico; controle da relação ar/combustível em altas velocidades; aquecimento; comunicação; navegação/orientação/guiagem; manobrabilidade; computação de alta velocidade; ciência de materiais.

Com aquecimento acima de 4.000 Kelvin ou 3.140° Fahrenheit, as moléculas perdem seus elétrons, gerando um plasma que impede a recepção de radiofrequência e a capacidade de comunicação do radar.

Geralmente é utilizada cerâmica e materiais feitos de fibra de carbono como nos ônibus espaciais, mas são materiais caros e de uso curto, como no caso de mísseis balísticos. Já os desafios do motor são manter a mistura adequada de ar-combustível na pressão, temperatura e densidade ideais. Vejamos agora alguns dos países que desenvolvem testes e pesquisas em propulsão hipersônica aspirada [6]:




Breve apontamento da tecnologia de propulsão hipersônica aspirada nos EUA

A designação de aeronaves hipersônicas abrange mísseis, espaçonaves e aviões. Dos vários projetos americanos, citamos três da USAF: o Hypersonic Conventional Strike Weapon, o Tactical Boost Glide e o Air Launched Rapid-Response Weapon.

Para o professor Paulo Toro, o governo americano, por meio do projeto X-43 da USAF, não tinha por objetivo um teste de empuxo, e sim a prova técnica de que o voo hipersônico era possível, por isso voou a MACH 7 e não saiu disso. O X-51 deveria sair de MACH 5 e ser acelerado até MACH 6, tendo falhado.

Já Ronaldo de Lima Cardoso [7] explica que o presidente Reagan iniciou o programa National Aero-Space Plane (NASP) em 1980, que consistia em uma aeronave hipersônica aspirada utilizando tecnologia waverider, deixando a DARPA supervisionando o programa, que restou cancelado por redução de custo e análise de riscos técnicos em 1995.

Todavia, os materiais utilizados eram o segredo do desenvolvimento da tecnologia, já que a elevada temperatura exige material especial, bem como a alta velocidade exige manobrabilidade para fins bélicos e os combustíveis também revelam as vantagens e desvantagens de serem líquidos ou sólidos, de hidrogênio ou de hidrocarbonetos.

Veja-se que em qualquer país do mundo o valor e as necessidades de tecnologia de ponta e mão de obra qualificada, advém de estratégias de longo prazo, exigindo que projetos aeroespaciais envolvam objetivos civis e militares, o que é conhecido como tecnologia dual.

Dificuldades americanas para o desenvolvimento

Os desafios tecnológicos [8] que devem ser superados para se colocar em campo um míssil hipersônico envolvem, entre outros, a gestão do calor extremo a que um míssil hipersônico está exposto ao viajar a altas velocidades na atmosfera durante a maior parte do voo (ao contrário de um míssil de cruzeiro, que voa na atmosfera a velocidades mais baixas, ou de um míssil balístico, que voa principalmente acima da atmosfera).

Deve-se também superar a proteção da eletrônica sensível dos mísseis hipersônicos, compreender o desempenho de vários materiais e prever a aerodinâmica em temperaturas sustentadas de até 3.000° Fahrenheit, o que exige extensos testes de voo. Testes foram realizados, mas as falhas nos últimos anos atrasaram o progresso do projeto.

Registre-se ainda que, tanto mísseis hipersônicos como balísticos são adequados para operar fora do perímetro de A2/AD ou de “manutenção” de possíveis adversários. O Departamento de Defesa americano desenvolveu uma estratégia para utilizar mísseis precisos, de longo alcance e de alta velocidade no início de um conflito para neutralizar as zonas A2/AD, que estão sendo desenvolvidas por seus potenciais adversários, como China e Rússia.

Logo, tanto os mísseis hipersônicos quanto os balísticos equipados com ogivas manobráveis, podem fornecer a combinação de velocidade, precisão, alcance e capacidade de sobrevivência (ou seja, capazes de atingir um alvo sem serem interceptados), fatores extremamente úteis em um teatro de operação/área de operação. No entanto, muitas missões não exigem ataques tão velozes. Para esses, existem alternativas aos mísseis hipersônicos e balísticos menos dispendiosas, incluindo mísseis de cruzeiro subsônicos. As armas hipersônicas seriam úteis principalmente para enfrentar ameaças bem defendidas e extremamente sensíveis ao tempo. O que, como vimos, depende da escolha de quais sistemas de armas priorizar, e se o objetivo é defensivo ou ofensivo.

Breve história da pesquisa hipersônica nos EUA

A pesquisa [9] para superar os desafios do voo hipersônico teve início na Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha desenvolveu o V-2, um míssil balístico que viajava acima de MACH 5 durante parte do seu voo. Logo após a guerra, os Estados Unidos construíram o seu primeiro túnel de vento para testes aerodinâmicos a velocidades hipersônicas e começaram a desenvolver os primeiros mísseis balísticos intercontinentais. De 1959 a 1968, os EUA testaram uma aeronave hipersônica pilotada chamada X-15, um projeto de pesquisa que contribuiu para o desenvolvimento da espaçonave pilotada da NASA.

Nessa época, os cientistas fizeram progressos suficientes no design aerodinâmico e nos materiais avançados para enfrentar os desafios do aquecimento extremo que os mísseis balísticos e as naves espaciais enfrentam brevemente ao reentrar na atmosfera da Terra. Os maiores desafios colocados pelos voos prolongados e pelas manobras através da atmosfera a velocidades hipersônicas e temperaturas extremas continuaram a ser objeto de programas de pesquisa ativos.

Ambiguidade nuclear

A ambiguidade nuclear ocorre quando um adversário não tem certeza se um míssil que se aproxima está armado com uma ogiva nuclear ou convencional. Essa incerteza pode levar o adversário a responder com armas nucleares se achar que pode estar sendo alvo de um ataque nuclear. O desejo de evitar uma resposta nuclear a um ataque convencional é um princípio significativo e amplamente aceito da política de segurança dos EUA. A Marinha americana possuía o programa de modificação convencional do Trident no início dos anos 2000, cancelado em grande parte porque os legisladores estavam preocupados que um míssil Trident armado com ogiva convencional seria indistinguível de outro armado com ogiva nuclear.

Instabilidade de crise

Independentemente da ambiguidade sobre a natureza da carga útil de um míssil, os prazos reduzidos associados ao ataque de um míssil hipersônico convencional podem ser vistos como fundamentalmente desestabilizadores em um conflito. Um míssil capaz de voar 3.000 km por apenas cerca de 15 minutos daria pouco tempo a um adversário para uma resposta bem pensada. O mesmo problema existiria com mísseis balísticos armados convencionalmente porque o tempo de viagem seria semelhante aos dos mísseis boost-glide.

Além disso, a manobrabilidade dos mísseis hipersônicos cria incerteza sobre seus alvos e, como vimos, cria um risco proibitivo de efeitos colaterais aos civis e ao meio urbano adjacente a um alvo, protegido pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados, no art. 50 do Protocolo I da Convenção de Genebra de 1977 e pelo art. 39 do Manual de San Remo de guerra marítima, especialmente a proteção da população civil, bens e patrimônio, distinguindo-os dos objetivos militares.

Por exemplo, quando um míssil balístico é lançado, apesar da velocidade extrema, seu destino geral é aproximadamente calculável – tanto porque sua trajetória elevada o torna observável por um radar terrestre poderoso, quanto porque sua capacidade de mudar de trajetória após a queima do foguete propulsor é limitada. Sendo assim, um míssil balístico equipado com um veículo de reentrada manobrável provavelmente não poderia manobrar mais do que algumas dezenas de quilômetros após reentrar na atmosfera, enquanto um míssil hipersônico de planeio poderia, teoricamente, atacar em grande parte sem ser detectado em qualquer lugar em um raio de vários milhares de quilômetros.

É provável que um míssil hipersônico boost-glide seja detectado no lançamento (se o adversário tivesse sensores infravermelhos baseados no espaço com capacidade para fazê-lo e na posição correta), todavia, as dificuldades de se rastrear o míssil boost-glide em voo à baixa altitude, combinadas com sua capacidade de mudar de direção, significa que potenciais adversários podem não saber se o alvo pretendido são eles ou outro país da região, e essa incerteza pode aumentar a probabilidade de uma resposta (acidental ou não) antes que a natureza real do ataque fosse conhecida.

Breve apontamento do sistema de armas hipersônicas da Federação Russa

Com o lançamento do satélite Sputnik pela Rússia em 4 de outubro de 1957, foi possível a realização da guerra no espaço exterior por meio de satélites, plataformas e veículos espaciais, dando origem à corrida espacial com profundos e permanentes impactos militares, científicos, econômicos e sociais.

Não sem razão, Hervé Coutau-Bégarie, em sua obra clássica Tratado de Estratégia lecionando sobre a cultura estratégica russa, afirmou que: “se é verdadeiro que os exércitos russos foram muitas vezes dotados de material insuficiente ou obsoletos, eles souberam desenvolver igualmente inovações técnicas originais (minas, torpedos, submarinos) e colocar em funcionamento procedimentos táticos originais como concentração de artilharia e combate em meio hostil”.

O sucesso no desenvolvimento de um sistema de armas hipersônicas comprova essa observação do modus faciendi russo no que concerne à capacidade de inovação em tecnologia militar de ponta.


LIVRO RECOMENDADO:

Russia’s strategic missile carrier/bomber roadmap, 2018-2040: PAK DA, Tu-160M2, Tu-95MSM & Tu-22M3M

• Hugh Harkins (Autor)
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Também o desenvolvimento de aeronaves e/ou mísseis hipersônicos está associado às resultantes das forças aerodinâmicas, gravitacionais e propulsivas.

Dentre várias razões de matiz político-estratégico, havia no início de seu desenvolvimento a consideração da vulnerabilidade dos silos russos aos mísseis de cruzeiro Tomahawk, especificamente se disparados de submarinos da classe Ohio (portador também de até 24 SLBN) posicionados dentro de 200 milhas náuticas.

Em tese e em testes, um míssil tem a missão operacional de ir de um ponto A até um ponto B, com alternativas de pontos C e D, voando na atmosfera inferior (abaixo de 30 km), aproveitando o relevo para dissimulação. É importante destacar ainda a necessidade de um baixo CEP (Circular Error Probable, Erro Circular Provável) como indicador da precisão e determinação dos prováveis danos ao alvo [10].

Segundo publicação OTAN (2013, p-2-M-8) um míssil é uma munição autopropulsada cuja trajetória é controlada durante o voo, já um míssil de cruzeiro é definido pelos EUA como um veículo de emprego de armas não-tripulado, guiado, descartável, continuamente autopropulsado e que mantém o voo através do uso de sustentação aerodinâmica (U.S. Government, 2000, p.7).

Um míssil de cruzeiro é constituído principalmente pelos seguintes sistemas: corpo ou fuselagem; sistema de propulsão; sistema de guiamento ou navegação; sistema de estabilização e controle e carga útil (payload unitário, múltiplo, sopro, fragmentação, dispersão ou penetrante), sendo imprescindível a presença de superfícies aerodinâmicas de sustentação (asas), estabilização e controle (leme).

Já a tecnologia hipersônica é aquela que viaja a uma velocidade de pelo menos cinco vezes a velocidade do som, superando os aproximadamente 6.125 km/h.

O perfil da missão de um míssil hipersônico é: lançamento; subida; cruzeiro e fase terminal com choque cinético e da carga útil sobre o alvo.

Os primeiros relatos do desenvolvimento do míssil de cruzeiro hipersônico Zircon (ou Tsirkon) datam de 2011. Na imprensa da época surgiu a informação de que o projeto russo-indiano do míssil antinavio Brahmos-2 poderia se tornar uma versão de exportação do Zircon [11].

O sistema de mísseis com o míssil de cruzeiro hipersônico Zircon com motor scramjet (de propulsão hipersônica) baseado no mar é o mais recente desenvolvimento dos projetistas russos. O Zircon é um míssil de cruzeiro hipersônico que pode voar a velocidades que se acredita serem de oito a 10 vezes a velocidade do som, ou cerca de três quilômetros por segundo. Ao mesmo tempo, pode manobrar ativamente durante todo o voo e principalmente na fase final, quando é direcionado ao alvo por meio de um cabeçote único, que garante a aquisição e posterior destruição do alvo pretendido.

Os mísseis de cruzeiro 3M-22 são projetados para destruir grandes navios inimigos com defesa aérea e defesa antimísseis bem desenvolvidas, incluindo porta-aviões. Já na primeira modificação este míssil deveria ter alcance de cerca de 1.000 km e velocidade de cerca de 2.000 km/s, e posteriormente e presumivelmente a velocidade do Zircon deveria aumentar, segundo especialistas e projetistas, para três quilômetros por segundo, e o alcance para até 2.000 km.

É necessário imaginar que nas velocidades deste míssil, oito a 10 vezes maiores do que a velocidade do som, o 3M-22 não pode ser atingido por nenhum míssil antiaéreo. Assim, o tempo de reação do sistema de mísseis de defesa aérea (SAM) e dos sistemas de defesa aérea do complexo sistema Aegis dos EUA é de cerca de oito a 10 segundos, e o míssil Zircon, viajando a uma velocidade de dois a três quilômetros por segundo, cobre uma distância de até 30 km, portanto este sistema de defesa aérea não tem tempo suficiente para atingir tal alvo. Mísseis interceptadores antiaéreos também não têm tempo de alcançar o Zircon e só podem ser usados em rota de colisão.

Além disso, o Zircon é um míssil de grupo; pode operar isoladamente ou em uma salva ou saturação, trocando dados e identificando o alvo principal em uma ordem.

Presumivelmente, os primeiros testes do Zircon a partir de um lançador marítimo datam de 2012. Em dezembro de 2015, o escritório de projetos NPO Mashinostroyenia, e depois o Ministério da Defesa russo, também anunciaram o teste de um míssil hipersônico em local de testes perto de Arkhangelsk.

Em março de 2016 ocorreu o primeiro lançamento bem-sucedido de um complexo de lançamento terrestre. A apresentação do mais novo míssil de cruzeiro russo 3M-22 ocorreu em 17 de março de 2016 e, apesar do silêncio da maior parte da mídia, não passou despercebido pela comunidade especializada e por especialistas e estruturas militares não apenas na Rússia.

Também em 2016, surgiram informações de que estavam em curso testes de mísseis e, após a conclusão em 2021, o Zircon poderia ser colocado em produção em massa já em 2022. Além disso, surgiram suposições e informações aproximadas sobre as características de desempenho fechadas (TTX) da nova ideia da indústria de defesa russa. Fontes abertas e a mídia fornecem características aproximadas de desempenho do Zircon: comprimento: cerca de oito a 10 m; peso da ogiva, aproximadamente 300-400 kg; velocidade, 2 km/s e alcance, 400 km.

Vale destacar que nos discursos do presidente da Federação Russa, em particular na reunião ampliada do Conselho do Ministério da Defesa da Federação Russa em 22 de dezembro de 2017, e no discurso anual do presidente na Assembleia Federal de 20 de fevereiro de 2019, ele observou: “… quero falar sobre o míssil hipersônico ‘Zircon’ com velocidade de voo de até MACH 9, com alcance de mais de 1.000 km, capaz de atingir alvos marítimos e terrestres. Sua utilização está prevista a partir de transportadores marítimos – navios e embarcações subaquáticas e de superfície em série, incluindo os já produzidos e os que estão sendo construídos para os sistemas de mísseis de armas de precisão Kalibr. Tudo isso será barato para nós.”

Segundo a imprensa e outros meios de comunicação, o primeiro navio de guerra russo equipado com os novos mísseis Zircon é o cruzador nuclear pesado Almirante Nakhimov. O cruzador nuclear pesado Pyotr Velikiy também é equipado com mísseis Zircon. Ambos estão planejados para serem equipados com 10 lançadores verticais 3S-14, cada lançador podendo acomodar até 10 mísseis. Isso permitirá que cada navio carregue até 80 mísseis de cruzeiro, cuja composição será mista e poderá incluir Zircon e Kalibr de longo alcance.

Segundo especialistas, o sistema de mísseis de cruzeiro hipersônico Zircon tem mais duas modificações: para aviação e para submarinos. Como já foi noticiado na imprensa especializada, o Zircon está planejado para ser instalado em submarinos nucleares de nova geração da classe Husky, bem como nos modernos submarinos nucleares da classe Yasen. Além disso, está planejado o uso de mísseis Zircon tanto para equipar a nova aeronave Tu-160M2 como no desenvolvimento do bombardeiro furtivo estratégico experimental PAK-DA.


LIVRO RECOMENDADO:

Tomahawk cruise missile

• Nigel MacKnight (Autor)
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Assim, consideradas e desenvolvidas na ciência mundial de foguetes, do ponto de vista militar, as aeronaves hipersônicas são mísseis de ataque extremamente eficazes, cuja detecção em voo pelos sistemas de radar é extremamente difícil, e a destruição de um eventual inimigo pelos modernos sistemas de defesa é quase impossível. Atualmente, não existe e nem se espera a criação de meios antiaéreos eficazes para interceptar (contra-atacar) tais mísseis.

Consequentemente, o aparecimento do míssil antinavio hipersônico Zircon em serviço na Marinha russa enfraquece drasticamente o papel dos porta-aviões americanos na guerra naval em favor dos cruzadores nucleares pesados e submarinos de mísseis russos.

Destaque-se fatores operacionais, no sentido de que, a essa velocidade de voo, uma nuvem de plasma quente se forma ao redor do foguete. As condições de temperatura são simplesmente proibitivas. Ninguém na prática mundial da ciência de foguetes foi capaz de resolver este problema técnico, exceto cientistas e projetistas russos.

Ou seja, o vórtice de plasma que se forma ao redor da cabeça do míssil Zircon, além de garantir sua penetração nas camadas densas da atmosfera, também absorve ondas de rádio e, como resultado, um míssil de cruzeiro que atingiu velocidade hipersônica é, por assim dizer, coberto por uma “capa de invisibilidade”, e portanto os radares inimigos deixam de “vê-lo” [12].

Assim, o sistema de misseis hipersônicos [13] da Rússia objetiva eliminar os sistemas de defesa aérea e alerta antecipado por meio de saturação exploratória e depois pelo uso de misseis estratégicos.

Os objetivos também são atingir alvos estratégicos como os Centros de Comando e Controle do inimigo possuidor de armas nucleares, conhecido como contraforça, bem como outros objetivos militares estratégicos.

Por isso, o risco da posse e uso de mísseis hipersônicos provém da incerteza sobre se um míssil hipersônico transporta ou não carga nuclear, o que pode colocar em xeque o princípio de “não ser o primeiro a lançar mão de armas nucleares”, como foi estabelecido pela Federação Russa.

Possível utilização do material zircônio na produção do míssil Zircon

Muitos presumem que o nome “Tsirkon” do míssil hipersônico russo está associado ao uso de materiais compósitos de zircônio [14] e berílio em seu projeto. Ainda não se sabe se há base para essa suposição. Mas o Zircon despertou interesse no metal zircônio e seu minério, a zirconita.

O zircônio é um metal, elemento químico de símbolo Zr e número atômico 40. Ele é classificado como metal de transição e pertence ao grupo 4 da Tabela Periódica. É um metal cinza prateado brilhante relativamente macio e maleável em sua forma pura.

Esse metal é utilizado na indústria nuclear, aeroespacial, tratamento químico, aplicações médicas e odontológicas, materiais cerâmicos e à prova de fogo, etc. As principais reservas são encontradas nos EUA, China, Brasil, África do Sul, Índia, Austrália e Indonésia.

Propriedades do zircônio:

Resistência à corrosão: O zircônio possui excepcional resistência à corrosão, especialmente em ambientes agressivos, ácidos fortes, álcalis e água do mar.

Alto ponto de fusão: O zircônio tem um alto ponto de fusão, de aproximadamente 1.855° C (3.371° F).

Baixa absorção de nêutrons: O zircônio tem uma seção transversal de baixa absorção de nêutrons, o que significa que permite a passagem de nêutrons sem absorção significativa.

Biocompatibilidade: O zircônio possui excelente biocompatibilidade, tornando-o adequado para aplicações médicas e odontológicas.

Leve e altamente resistente: O zircônio é um metal leve com excelente relação resistência-peso.

Estabilidade térmica: O zircônio apresenta excelente estabilidade térmica, o que significa que mantém sua integridade estrutural e propriedades mecânicas mesmo em altas temperaturas.

Não magnético: O zircônio não é magnético, o que é benéfico em algumas aplicações onde a interferência magnética precisa ser minimizada, como em alguns instrumentos médicos e científicos.

Compatibilidade com outros metais: O zircônio forma facilmente ligas com outros metais, resultando em propriedades aprimoradas, como maior resistência, resistência ao calor e resistência à corrosão.

Breve apontamento do desenvolvimento de propulsão hipersônica no Brasil

Destaca-se de início que, segundo a já citada Doutrina Militar de Defesa, o Poder Aeroespacial resulta da integração dos recursos de que a nação dispõe para a utilização do espaço aéreo e do espaço exterior, quer como instrumento de ação política e militar, quer como fator de desenvolvimento econômico e social, visando conquistar e manter os objetivos nacionais.

Assim, o 14-X é o projeto de uma aeronave de voo em velocidade hipersônica pelo Instituto de Estudos Avançados (IEAV) de 2007, concluído em 2021, resultando, para a Força Aérea Brasileira FAB, na capacidade de desenvolver um veículo hipersônico utilizando propulsão hipersônica aspirada.

Os ministérios da Defesa e da Ciência e Tecnologia, através da proposta de Diretrizes Estratégicas para a Defesa Nacional (2003), definiram como estratégia para o Brasil realizar pesquisas nas áreas de Hipervelocidade e Propulsão com ar aspirado, auxiliando no cumprimento da missão de lançamento de satélites.


LIVRO RECOMENDADO:

Soviet Cold War guided missile cruisers

• Edward Hampshire (Autor) e Paul Wright (Ilustrador)
• Em inglês
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A expertise e background para colocar um satélite em órbita é mais importante do que a construção de mísseis hipersônicos, já que são sua base. Portanto, ao dominar aquele conhecimento, a produção, teste e uso de mísseis é apenas a continuação do uso dual da tecnologia aeroespacial.

Trata-se de iniciar com motores scramjet e ramjet, sendo que a principal limitação do motor ramjet é a perda de pressão total e aumento da temperatura decorrente da onda de choque normal.

O professor doutor Paulo Toro, especialista no tema, explicou [15] que o segredo dos países que detém essa tecnologia foi se basearem também na análise de todas as publicações disponíveis sobre tecnologia hipersônica, ou seja, recorrendo à informações disponíveis na internet, de conteúdo aberto, o que levou, por exemplo, a Austrália desenvolver seu programa hipersônico derivado de toda a experiência americana, e levou os jovens pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA) a desenvolverem, em 14 anos, nossa tecnologia hipersônica aspirada.

A base do desenvolvimento do sistema de armas de propulsão hipersônica aspirada (presença de oxigênio) são as tecnologias waverider (tecnologia aerodinâmica de sustentação) e scramjet (combustão hipersônica), sendo levado à cabo pelo veículo hipersônico aeroespacial batizado de 14-X, em homenagem ao 14-Bis, pelo Instituto de Estudos Avançados iniciado em 2007, via propulsão hipersônica aspirada.

O objetivo foi colocar a aeronave em voo a uma altitude de 30 km em velocidade MACH 10.

Segundo seu site [16], desde meados da década de 1990 a FAB, por meio do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), organização militar de natureza técnico-científica pertencente ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), com sede em São José dos Campos-SP, mantém pesquisas ativas na área de tecnologias hipersônicas aspiradas.

Em 2008, como maneira de coordenar e consolidar os esforços, foi criado o Projeto de Propulsão hipersônica 14-X (PropHiper), cuja missão consiste em desenvolver uma plataforma de demonstração de duas tecnologias críticas para o domínio da hipersônica aspirada: o motor do tipo scramjet e a superfície aerodinâmica waverider. Como resultado, o veículo integrado scramjet-waverider será capaz de atingir 10 vezes a velocidade do som, cerca de 12.000 km/h, a 30 km de altitude, posicionando o Brasil ao lado de nações como EUA, Japão, Austrália, Rússia, França e China, que igualmente dispõem de pesquisa e desenvolvimento na área.

Em 14 de dezembro de 2021, a FAB, por meio do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), realizou o lançamento para viabilizar o ensaio em voo do 14-X S, primeiro demonstrador brasileiro da tecnologia hipersônica aspirada scramjet, por meio da Operação Cruzeiro, um dos Projetos Estratégicos da FAB coordenado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).

Ou seja, o Brasil ainda precisa superar os limites impostos pelo sistema imperialista em sua política externa e nas relações internacionais, bem como estabelecer alianças regionais sobre este tópico para poder desenvolver um poder militar dissuasório crível para a defesa de nossa soberania e interesses nacionais.

Conclusão

Vemos que o atual conflito internacional de semblante político-estratégico da OTAN frente à Rússia, China e Irã, seja na Ucrânia, seja no Oriente Médio, vem revelando, se não a ausência, pelo menos a ineficácia de um processo de condução de manobra de crise, externando uma clara tendência e disposição para escalar por meio de ações, reações e confrontações, sem opção para, em curto prazo, se alcançar uma distensão com saída honrosa ou um canal direto de comunicação, em que um tudo-ou-nada da OTAN pode precipitar um conflito internacional ilimitado, inclusive de índole nuclear, que ninguém sabe como terminaria.

Pois bem, ao longo deste artigo, apresentamos o conceito específico de geopolítica espacial para fundamentar o poder aeroespacial das potências espaciais como EUA e Rússia, com a ocupação das órbitas geoestacionárias, Pontos de Lagrange, trazendo militarização e armamentização do espaço exterior à margem do direito internacional, o qual, sem as infraestruturas de satélites, radares e sensores, os sistemas de armas hipersônicas, definitivamente não teriam efetividade e poder dissuasório necessário.

Abordamos o conceito de propulsão hipersônica aspirada, bem como seus desafios resolvidos com tecnologia de ponta em engenharia aeroespacial e mão-de-obra qualificada (P&D), com vasta e permanente formação de engenheiros e cientistas, bem como a necessidade premente de infraestrutura computacional e de softwares nacionais.

Pôde-se vislumbrar os usos estratégicos possíveis do míssil Zircon, tais como, contra bases nucleares, contraforça ou forças-navais, colocando em risco ativos humanos e materiais e limitando o perímetro de projeção de poder dos Estados Unidos nos continentes, oceanos e bases militares. E não menos importante, os riscos iminentes de ambiguidade nuclear e da instabilidade de crise.

Conclui-se, assim, que os riscos geopolíticos à estabilidade do sistema internacional é oriundo, de um lado, do baixo custo político dessas armas e, de outro, pelo risco de um erro de cálculo, na hipótese de uso estratégico de míssil hipersônico convencional por um dos países, o que pode desencadear uma resposta nuclear ou até mesmo um ataque nuclear preventivo. Como vimos, os mísseis hipersônicos têm efeito tanto dissuasório quanto devastador, sem tempo de reação dos sistemas de alerta antecipado, sendo ainda desconhecidos os efeitos de um possível erro de cálculo de navegação ou contramedidas eletrônicas em relação à proteção do Direito Internacional dos Conflitos Armados sobre eventuais danos colaterais à população civil, aos bens e ao patrimônio cultural.

Sustentamos que para se impor limites na escalada no Oriente Médio e na Ucrânia, deve-se antes reconhecer a ineficácia do Conselho de Segurança da ONU em cumprir suas atribuições de manter a paz e a segurança internacionais, devendo partir daqueles países, conforme o artigo 24.1 da Carta da ONU, revogar o mandato concedido, assumindo então a Assembleia o encargo de oferecer meios pacíficos de resolução de conflitos internacionais, antes que um erro de cálculo de um ou ambos os lados estabeleça um “estado de alerta nuclear”, ou DEFCON-1, em nível global.

Com efeito, conclui-se que, não somente as armas nucleares, mas também as hipersônicas, impactam na estabilidade estratégica do sistema internacional, e, por corolário, vivemos uma fase de risco iminente à paz mundial.

Por fim, vimos que o Brasil, pelo incremento da defesa de nossa soberania, deveria aumentar suas estratégias de benchmarking, desenvolvendo pesquisas em dados abertos russos sobre o uso do mineral zirconita, pois o país tem reserva desse mineral estratégico essencial à indústria aeroespacial, já que apesar de deter o domínio da propulsão hipersônica, o fez em velocidades baixas, por pouco tempo e em baixas altitude e alcance, podendo avançar pouco no desenvolvimento de sistemas hipersônicos mais efetivos e dissuasórios, à luz da adesão a tratados internacionais sobre armas nucleares e limitação de alcance de mísseis convencionais, dadas as limitações impostas pelos EUA.


*Carlos Alexandre Klomfahs é advogado em direito internacional e pós-graduando em Direito Internacional dos Conflitos Armados, egresso do curso de Geopolítica da ECEME e Estratégia Marítima da EGN/FEMAR e consultor em Inteligência Corporativa.


Notas

[1] TERRY, Nathan B.; CONE, Paige Price. Hypersonic Technology: An evolution in nuclear weapons? Disponível em: https://www.jstor.org/stable/26915278.

[2] PICCOLLI, Larlecianne. Armas Estratégicas e equilíbrio internacional: A política de defesa da Rússia para o século XXI. 2019, p.257. apud Cepik, Santos. 2017, p.14.

[3] Larlecianne, p. 311.

[4] Sobre o tema guerra econômica e geoeconomia e poder ver: Giusepe Gagliano em Guerra Econômica e competição no mundo contemporâneo. Trad. Diogo Colossi et al. Pelotas, 2018.

[5] Sobre A2/AD sugere-se a leitura de: A Polaridade sob a perspectiva dos conceitos operacionais: o caso do A2/AD e da Air-Sea Battle. Guilherme dos Santos. TCC. UFRGS, 2015.

[6] Fonte das imagens: Defesa de mestrado em engenharia e ciências aeroespaciais – propulsão hipersônica aspirada. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN). Orientador Prof. Dr. Paulo Toro. Título: Tecnologia da combustão supersônica aplicada ao segundo estágio de um veículo lançador de Cubesats. Pedro Paulo Batista de Araújo, 2021.

[7] Dissertação de mestrado. Investigação experimental da combustão supersônica induzida por choque no motor scramjet do demonstrador tecnológico scramjet 14-x waverider. Instituto de Tecnologia da Aeronáutica. 2016. Pág. 20 ss.

[8] https://www.cbo.gov/publication/58924.

[9] Texto disponível em inglês: https://www.cbo.gov/publication/58924.

[10] Veja mais em: Não proliferação de armamentos: O caso dos mísseis de cruzeiro. José Carlos Cardoso Mira. Instituto de Estudos Superiores de Lisboa. Revista de Ciência Militar, Vol. II, Nº 1, maio 2014.

[11] Texto disponível em: https://army.ric.mil.ru/Stati/item/460760/.

[12] Veja mais em: https://army.ric.mil.ru/Stati/item/460760/.

[13] Conferir em: https://dfnc.ru/katalog-vooruzhenij/morskie-raketnye-kompleksy/3k-22-tsirkon/.

[14] https://www.ftmmachinery.com/ru/blog/zirconium-and-zircon.html.

[15] Palestra: Propulsão Hipersônica Aspirada. Paulo Toro (UFRN). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V7OkrTJpfWY.

[16] Disponível em: https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/38356/.

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