Ocidente e Rússia se chocam na Ucrânia

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Outside the Beltway.

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A Ucrânia está no centro de uma crise que ameaça escalar para um confronto militar entre ucranianos e russos, com risco de transbordamento para outros países, o que seria gravíssimo para a estabilidade da Europa e do mundo.


Mais do que uma simples disputa entre ucranianos e separatistas na região de Donbass, leste da Ucrânia e fronteira com a Rússia, os acontecimentos mostram o confronto entre duas visões de mundo. De um lado, europeus ocidentais e norte-americanos, que enxergam na Ucrânia um jovem país que tenta trilhar o caminho apontado pelas democracias liberais europeias, desvencilhando-se da Rússia depois do esfacelamento da União Soviética. De outro, a Rússia, que vê a Ucrânia como um território historicamente ligado à sua própria nacionalidade, um país fundamental para sua visão geopolítica, que deve ser mantido sob sua esfera de influência sob pena de ver os adversários europeus e norte-americanos demasiadamente próximos de Moscou.

Para entender como se chegou à situação atual, é importante recapitular alguns acontecimentos.

O primeiro grande império do leste europeu foi o Principado de Kiev, atual capital da Ucrânia, surgido no século IX. Sua população era constituída por uma mistura de Vikings escandinavos, que chegavam do Norte pelos rios, e pelos eslavos orientais, nativos da própria região. A pobreza do solo logo obrigou essas populações a buscarem novas terras, expandindo o território e delineando um império. Como explica Robert Kaplan, em A Vingança da Geografia, a Rússia, como conceito geográfico e cultural, nasceu do Principado de Kiev.

Em permanente luta contra os nômades das estepes, no século XIII o principado foi devastado pelos mongóis comandados por Batu Khan, neto de Gêngis Khan. A partir daí, com o passar do tempo, a história russa foi paulatinamente se deslocando para o Norte, até ficar centrada em Moscou, já no final da Idade Média.

Após a invasão mongol, o território onde hoje está a Ucrânia foi dominado por lituanos e poloneses. Em 1648, uma grande rebelião cossaca acabou por levar à partilha do território ucraniano entre russos e poloneses. Com a partilha da Polônia, no final do século XVIII, o território ucraniano é novamente dividido, agora entre russos e austríacos.

Os colapsos dos impérios russo e austríaco, bem como a revolução russa, no início do século XX, deram espaço ao ressurgimento de movimentos nacionalistas ucranianos, que buscavam a independência. Entretanto, em 1919, a Ucrânia foi incorporada à União Soviética.

O colapso da União Soviética, em 1991 permitiu a independência da Ucrânia. No plebiscito realizado naquele ano, 90% dos ucranianos se posicionaram favoravelmente à separação, incluindo-se aí 80% da população da região de Donbass e 54% dos votantes da Crimeia, península com grande população russa.

Em 2004, a OTAN aceitou os três Estados Bálticos – Letônia, Estônia e Lituânia – como membros da Aliança. A União Europeia seguiu os passos da OTAN, estendendo sua fronteira para o leste para incluir uma série de ex-repúblicas soviéticas e aliados, incluindo os mesmos estados bálticos, República Tcheca, Hungria, Polônia, Eslováquia e Eslovênia.  Foi um choque para as lideranças russas, que esperavam que, em troca do apoio dado aos norte-americanos na invasão do Afeganistão após o 11 de Setembro, os EUA se mantivessem fora do que a Rússia considerava ser sua esfera de influência, os antigos Estados integrantes da URSS. O presidente Putin se sentiu pessoalmente afrontado.


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Os ucranianos, naquele momento, estavam em um limbo, entre o ocidente e a Rússia. No final de 2004, multidões saíram às ruas, na chamada Revolução Laranja. Os manifestantes deixavam claro que desejavam que a Ucrânia ingressasse na União Europeia.

Em 2008, a Rússia invadiu a Geórgia, demonstrando que os Russos não estavam dispostos a admitir nenhum passo a mais da União Europeia ou da OTAN em direção às suas fronteiras.

Em 2013, uma nova onda de protestos varreu a Ucrânia, em razão da recusa do então presidente, Viktor Yanukovych, de assinar um acordo de associação do país à União Europeia. A situação se agravou, com o aumento da violência até que, em fevereiro de 2014, o Congresso destituiu o presidente Yanukovych e determinou a realização de eleições, que foram vencidas pelo candidato com uma plataforma pró-europeus.

Em 1º de março de 2014, antes mesmo da realização das eleições, a Rússia invadiu a Criméia, península estratégica que mantém, em Sebastopol, a sede da armada russa na Mar Negro. Em 6 de março o parlamento da Crimeia aprovou uma decisão no sentido de entrar para a Federação Russa e, em 18 de março, tal adesão foi ratificada pelas duas partes, apesar da Assembleia Geral das Nações Unidas ter votado uma resolução se opondo a tal adesão.

Em abril, grupos pró-Rússia na província de Donbass, no leste da Ucrânia, iniciaram uma guerra civil. Embora a Rússia não reconheça, é fato hoje incontestável que o país apoiou militarmente os separatistas, em uma ação típica de guerra híbrida, com soldados e equipamentos, mas também com operações de informação e cibernéticas, o que impediu a Ucrânia de controlar a situação. Diversos países do ocidente impuseram sanções econômicas à Rússia em razão dessa interferência.

Em 2015 foram celebrados os Acordos de Minsk, proporcionando ao menos uma estrutura de diálogo entre as partes, mas a violência se manteve e mais de 13 mil vidas já foram perdidas nos combates.

Assim chegamos ao momento atual, no qual os ucranianos e norte-americanos acusam os russos de já terem concentrado na fronteira cerca de 90 mil soldados e estarem planejando uma invasão com um efetivo de cerca de 175 mil militares, com blindados, artilharia e tudo mais necessário para invadir a Ucrânia já nos primeiros meses do ano que vem.

Os russos negam a intenção ofensiva, afirmando que quem está se preparando para uma ação armada são os ucranianos, que estariam planejando atacar a região de Donbass. O presidente Putin reiterou que há “linhas vermelhas” que não devem ser cruzadas pelo Ocidente, referindo-se claramente à integração da Ucrânia à União Europeia ou à OTAN.

Em meio à crise, os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da Rússia, Vladimir Putin, marcaram uma videoconferência para a próxima terça-feira, dia 7 de dezembro, para tratar do assunto. Vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos, para ver se eles conseguirão amenizar a crise e arrefecer as tensões.

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2 comentários

  1. O texto, bastante simplificado, não considera as articulações dos Estados Unidos na Guerra Híbrida contra o presidente deposto. Ou o sábio escriba não sabe quem é Victoria Nuland? Fora as estrepolias de Biden Júnior na Ucrânia, não é mesmo?

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