A história dos F-14 Tomcat Iranianos

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Grumman F-14A Tomcat da IRIAF em maio de 2018 (Foto: Shahram Sharifi/Wikipédia/CC BY-SA 4.0).

Grumman F-14A Tomcat da IRIAF em maio de 2018 (Foto: Shahram Sharifi/Wikipédia/CC BY-SA 4.0).

Com engenhosidade e audácia, o Irã vem conseguindo manter boa parte de seus F-14 em condições de voo – em alguns casos, parece que conseguiu até melhorá-los. Os famosos caças com asas de geometria variável voaram missões em diversos conflitos, e ocasionalmente enfrentaram aviões americanos.


Em 1972, a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), buscando expandir sua influência no Oriente Médio, assinou um acordo com o Iraque pelo qual passou a fornecer equipamento militar moderno. No vizinho Irã, a notícia não foi bem recebida. O Xá Reza Pahlevi voltou-se aos EUA em busca de armas. Ex-piloto militar, o Xá queria as melhores e mais recentes aeronaves de combate dos EUA. O Xá estava especialmente interessado num caça que pudesse voar rápido o suficiente para fazer frente aos MiG-25 Foxbat de fabricação soviética da Força Aérea do Iraque que voavam missões de reconhecimento sobre o Irã a 60 mil pés e Mach 3.

Os EUA, para equilibrar o jogo de influências no Oriente Médio, concordaram, e assim o Irã se tornou o único país além dos EUA a operar o mais poderoso caça interceptador já construído até então – o Grumman F-14 Tomcat, um caça com asas de geometria variável bastante veloz e armado com o AIM-54 Phoenix, um míssil ar-ar de longo alcance.

Em fevereiro de 1979, os radicais islâmicos se revoltaram contra o governo do Xá, sequestraram 52 americanos na embaixada americana em Teerã e levaram o aiatolá Ruhollah Khomeini ao poder, transformando o Irã, de aliado americano, a um de seus mais radicais inimigos no Oriente Médio.

A partir daí, os americanos fizeram o que puderam para manter em terra os Tomcat iranianos. No entanto, com engenhosidade e audácia, o Irã conseguiu manter boa parte de seus F-14 em condições de voo – em alguns casos, parece que conseguiu até melhorá-los. Os caças de asas de geometria variável voaram missões em diversos conflitos, e ocasionalmente enfrentaram aviões americanos.

A escolha iraniana

A partir do projeto do F-111B, malsucedido como caça naval, a Grumman manteve o conceito de geometria variável, os motores TF-30, o radar AWG-9 e o míssil AIM-54 e outras características do projeto e trabalhou numa estrutura menor, mais leve e mais simples.

Esses recursos foram combinados para produzir o primeiro “super-caça” do mundo, um interceptador capaz de enfrentar a maioria das ameaças, o F-14 Tomcat. Foi também o caça mais caro e complexo construído até então.

Não demorou muito, portanto, para que surgissem controvérsias nos EUA como resultado de problemas de desenvolvimento, superação de custos (causada pela inflação desenfreada) e um debate sobre se uma aeronave tão cara era realmente necessária. Como resultado, tanto a Grumman quanto a US Navy começaram a procurar um cliente adicional para compartilhar os custos de desenvolvimento e produção.


Assista ao Vídeo 338 do CANAL ARTE DA GUERRA – F-14 Tomcat do Irã: como estão hoje em dia?


Em outubro de 1971, Grumman iniciou contatos com o governo iraniano, e no mês seguinte, o general Hassan Toufanian foi autorizado a ver informações secretas do F-14. Toufanian era assessor militar do Xá, Vice-Ministro da Guerra e diretor da Indústria de Armas e da Organização de Aquisições Militares.

De acordo com a liderança da IIAF (Imperial Iranian Air Force, o nome à época), já se sabia que o F-14 era o interceptador que procuravam, e foi enviada uma carta ao Pentágono para iniciar o processo de aquisição. No entanto os iranianos deram à McDonnell Douglas uma chance de demonstrar seu Eagle F-15A.

O piloto inicial do F-14, capitão Rassi, explica no livro Iranian F-14 Tomcat in combat, de Tom Cooper e Farzad Bishop, publicado em 2004, porque os iranianos estavam tão interessados no Tomcat:

“Vários fatores influenciaram a seleção do F-14. A fronteira norte do Irã com a URSS, e oeste e sudoeste com o Iraque, são guardadas por altas montanhas. Nosso Comando de Defesa Aérea estava construindo postos avançados de radar em muitos picos para uma melhor cobertura, mas nunca poderíamos melhorar a situação apenas com radares baseados em terra. Havia muitos ‘pontos cegos’ nessa cobertura, e as grandes cúpulas brancas de nossas estações de radar eram também excelentes alvos, visíveis a 80 quilômetros de distância. Informações de inteligência obtidas na época indicavam que seriam os primeiros alvos dos soviéticos”.

“No sul, ao longo da costa do Golfo Pérsico, tínhamos apenas os radares fornecidos pelos EUA, que não funcionavam adequadamente em condições quentes e úmidas – isto é, durante dez meses do ano – e tinham desempenho ruim, apesar de várias atualizações. Todos os radares fornecidos à IIAF como parte dos projetos do Programa de Assistência Militar estavam longe de serem topo de linha. Os americanos nos deram o que eles queriam dar, não o que nós precisávamos”.

“Por dois anos – 1973 e 1974 – um grupo de instrutores de radar iranianos, incluindo Iradj Ghaffari (o primeiro instrutor de radar tático iraniano), estudou os problemas de cobertura associados ao ‘Radar Sites Reinforcement’ (Reforço de Instalações de Radar, em tradução livre), mas não conseguiu encontrar uma solução. Eventualmente, foi decidido que um ‘radar voador’ eliminaria os problemas de mascaramento do terreno. Esse radar voador também teria que ser capaz de se defender. Não há dúvida que, durante a guerra contra o Iraque, o F-14 provou que era exatamente o que precisávamos”.

Sem saber que os iranianos já tinham identificado o F-14 como a aeronave certa para suas necessidades operacionais, a US Navy e a Grumman iniciaram uma campanha para “vender para o Xá”, enviando o Coordenador do Programa F-14 do Chefe de Operações Navais, capitão Mitchell, a Teerã duas vezes para apresentar ao Xá e aos comandantes da IIAF as capacidades do Tomcat. A campanha teve seu ápice num voo espetacular em julho de 1973, na Base Aérea Andrews, em Maryland, para o Xá e um grupo de oficiais iranianos.

Muita gente da Grumman e oficiais da US Navy acreditam que o espetáculo dos pilotos de teste influenciou a decisão final do Xá pelo F-14, mas oficiais iranianos entrevistados por Tom Cooper discordam. Um dos primeiros a pilotar o Tomcat foi o major Ali. Piloto experiente, com programas de intercâmbio com diversas forças aéreas, ele obteve mais de cinco vitórias aéreas contra o Iraque. Ali falou sobre os antecedentes do pedido iraniano:

“Tanto a IIAF quanto o Xá estudaram o F-14A e o F-15A desde o início. Em 1972, muito cedo em nossos estudos, soubemos que o F-15A com o míssil AIM-7F seria uma combinação mortal de arma de caça, mas não tão mortal quanto o F-14A com o AIM-54. Ficou claro para nós que a combinação F- 14/radar pulso-Doppler AWG-9/AIM-54 seria inigualável no mundo – o que permanece hoje (o livro foi publicado em 2004). O AWG-9 permitiu que nos engajássemos em distâncias que os pilotos do F-15 só poderiam sonhar. Poderíamos até usar AIM-7s e AIM-9s em distâncias maiores que o Eagle. No entanto, este complexo sistema de radar e armas era simples de operar. Foi preciso muita prática e muito trabalho para operar os sistemas de armas no F-15A, e a USAF ainda precisava resolver esses problemas iniciais com a interface homem-máquina – especialmente o Head-Up Display – e isso não aconteceu antes do meio 1970s”.

“Claro, ficamos muito impressionados com os dois caças. Eles tinham grande visibilidade de seus amplos cockpits, eram construídos especificamente para pilotos de caça e tinham excelente aviônica de última geração, motores potentes e excelente capacidade de manobra. Ambos ostentavam rastreamento preciso de alvos durante o combate aéreo e não tinham limites de ângulo de ataque real (AOA, Angle Of Attack), exceto em treinamento”.


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“O F-15A foi agradável de voar devido ao seu sistema de controle de voo, que foi uma grande melhoria na época. No entanto, também concluímos anteriormente que o F-15A não seria tão manobrável ou tão flexível quanto o F-14A. O Tomcat tem características de voo muito simples, mas é muito ágil. O piloto desfruta de uma capacidade de manobra a um ponto antes apenas sonhado. As asas de geometria variável do jato e as qualidades aerodinâmicas proporcionam uma grande vantagem ao manobrar. Em baixa altitude, e seja em velocidades baixas ou supersônicas, com pilotos de igual habilidade o F-14A sempre vence o F-15A. Eu sei disso, de fato – eu mesmo mais tarde pilotei F-15As com a USAF em combates simulados contra os F-14A da US Navy”.

“A capacidade do F-14A de se movimentar durante o combate aéreo era inigualável na época. Ainda hoje (mais uma lembrando que o livro foi publicado em 2004), tenho certeza de que qualquer coisa, a não ser o F/A- 18 ou o F-22, teria dificuldade em superá-lo. Depois de apenas 100 horas de treinamento, aprendi a levantar o nariz do meu F-14 a 75 graus AOA em pouco mais de um segundo, virar e travar meu oponente com o AIM-9 ou com o canhão.”

“O único ponto fraco do F-14 eram os motores TF30, que não eram confiáveis. Nós tivemos que aprender a voá-los – não o airframe. Os motores sempre foram um problema no F-14. No entanto, sob certas condições de voo, eles desenvolvem pouco mais de 20.000 libras de empuxo cada. Isso é suficiente para o F-14A ficar na sua cauda e manter uma velocidade indicada abaixo de 85 mph e 40 graus de angulo de ataque. Isso é possível devido aos seus grandes ‘estabilizadores’ – uma combinação de elevadores e estabilizadores horizontais. Dois lemes para controle direcional também fornecem controle de rolagem em AOA média e alta”.

Os estudos do IIAF indicavam essas vantagens, e mesmo o Xá – ele próprio um piloto experiente – os confirmou em briefings com oficiais da US Navy. Muito em breve, havia pouca dúvida sobre qual aeronave seria adquirida. Rassi concluiu:

“Não nos importamos com o que alguns nos EUA chamam de ‘vender’ os F- 14 ao Irã. Mas é muita ingenuidade acreditar que uma apresentação organizada para o Xá faria uma pessoa razoável e responsável decidir por gastar bilhões de dólares, treinar milhares de pessoas, gastar milhões adicionais para construir instalações de apoio e influenciar os próximos 30 anos de toda a força aérea, com base no ‘o display do F-14 foi melhor que o F-15’! De jeito nenhum. Sabíamos bem o que queríamos para sermos influenciados pelas acrobacias dos pilotos americanos”.

“Estávamos procurando não apenas por um caça superior em manobrabilidade e armamento, mas também por um interceptador de defesa de área altamente flexível. Queríamos um sistema completo, incluindo sensores superiores, armas de longo alcance e interface homem-máquina que precisasse de pouco ou nenhum apoio externo. Nós simplesmente não poderíamos ignorar o F-14. Seu desempenho durante a guerra com o Iraque confirmou nossa decisão, sem sombra de dúvida”.

Em janeiro de 1974, o Irã fez um pedido de trinta F-14A e 424 mísseis AIM-54 Phoenix. Alguns meses depois, o pedido foi ampliado para um total de oitenta Tomcat e 714 Phoenix, bem como motores, pacote de armamentos e peças de reposição e infraestrutura de suporte por 10 anos, incluindo a construção da Base Aérea de Khatami. O primeiro Tomcat chegou em janeiro de 1976, modificado apenas pela remoção de componentes aviônicos classificados, mas equipado com os motores TF-30-414. No ano seguinte, mais 12 foram entregues. Setenta e nove Tomcat foram entregues até a Revolução Islâmica, e a US Navy acabou ficando com o 80º caça.

Ao mesmo tempo, o treinamento das tripulações iranianas ocorreu nos EUA. Em agosto de 1977, uma dessas tripulações derrubou um avião-alvo BQM-34E a 50.000 pés de altitude. “Os soviéticos entenderam a dica e os voos do Foxbat foram prontamente interrompidos”, escreveu Farhad Nassirkhani, major da força aérea iraniana.

Em 16 de janeiro de 1979, com a Revolução Islâmica fora de controle, o Xá fugiu. Antes de também fugirem, alguns técnicos americanos da Hughes, a fabricante do míssil Phoenix, tentaram sabotar 16 mísseis, mas engenheiros leais ao aiatolá acabaram reparando os danos.

O novo regime islâmico suspeitava que as tripulações do F-14 mantinham simpatia pelo Xá e pelos americanos, e a polícia prendeu pelo menos um piloto de F-14; no entanto, meses depois acabaram soltando-os, quando ficou claro que realmente eram necessárias tripulações experientes para usar os novos caças.

A Guerra Irã-Iraque

Em setembro de 1980 iniciou-se a Guerra Irã-Iraque. Os MiG-25 iraquianos podiam penetrar o espaço aéreo iraniano sem serem molestados pelos F-4 e F-5 iranianos, muito mais lentos. Ao longo dos oito anos de guerra, os MiG-25 abateram mais de uma dúzia de aviões iranianos, incluindo um avião de guerra eletrônica EC-130.

O F-14 era a única aeronave iraniana capaz de fazer frente ao MiG-25, mas quando a guerra estourou, com as tripulações e técnicos dispersos e Teerã sem relações com os EUA, a maioria dos F-14 estava inoperante. Após algum tempo, a já rebatizada IRIAF (Islamic Republic of Iran Air Force, Força Aérea da República Islâmica do Irã) conseguiu 60 pilotos e 24 operadores de radar e pessoal de apoio. Canibalizando parte dos Tomcat, os técnicos conseguiram colocar uma dúzia de F-14 em condições de combate. Inicialmente, os Tomcat atuaram como plataformas de alerta antecipado e de gerenciamento de batalha, usando seus avançados radares e aviônica para direcionar outros aviões para os alvos ou alertando os pilotos iranianos sobre ataques iraquianos.

Com a intensificação da guerra, os F-14 acabaram entrando em combate. Em oito anos, pilotos de Tomcat iranianos reivindicaram cerca de 200 vitórias contra os iraquianos, 64 dos quais foram confirmadas. Um piloto de F-14 chamado Jalil Zandi registrou 11 vitórias, tornando-se o maior ás iraniano da guerra.


Assista ao Vídeo 347 do CANAL ARTE DA GUERRA – F-14 Tomcat do Irã: porque o avião foi escolhido – Parte 1


Segundo o major Nassirkhani, “O alto comando iraquiano ordenou aos pilotos que não se envolvessem com o F-14 e não se aproximarem se o F-14 estivesse operando na área”, escreveu ele, acrescentando que “geralmente a presença dos F-14 era suficiente para assustar o inimigo e mandar os iraquianos de volta.”

Inicialmente, os F-14 estavam armados apenas os canhões internos de 20mm e os mísseis Phoenix de longo alcance. Os técnicos americanos não tiveram tempo de integrar os mísseis de médio alcance Sparrow e de curto alcance Sidewinder antes de fugirem da Revolução Islâmica.

Normalmente os Phoenix deveriam ser usados contra alvos a centenas de quilômetros de distância, mas sem armamentos alternativos, os pilotos iranianos tinham que usá-los em combates mais próximos – segundo o jornalista iraniano Babak Taghvaee, certa vez um piloto o usou para atacar um avião iraquiano a apenas 12 quilômetros de distância.

O Irã perdeu oito F-14 durante a guerra com o Iraque: um abatido por acidente por um F-4 iraniano; três derrubados por Mirage F.1 do Iraque; um atingido por um MiG-21 iraquiano; dois perdidos para atacantes desconhecidos. O oitavo Tomcat perdido foi parar no Iraque e sua tripulação desertou. De acordo com Taghvaee, forças de operações especiais dos EUA se infiltraram em território iraquiano para destruir o F-14 abandonado e impedir que caísse nas mãos dos soviéticos”.

As operações foram duras para os F-14. A falta de peças de reposição agravou os problemas de manutenção. Os EUA impuseram diversas sanções e embargos ao comércio iraniano. Segundo Nassirkhani, em 1984 apenas cerca de quinze caças estavam em condições voo. Os técnicos mantiveram os quinze jatos em operação canibalizando aproximadamente outros cinquenta F-14.

A partir de 1981, como parte de um esforço para tornar o país militarmente autossuficiente, a Iranian Aircraft Industries começou a realizar revisões e atualizações nos F-14. O programa de autossuficiência contou com agentes iranianos que, com grande risco, atuavam no exterior, desviando peças de reposição para os F-14.

Embora a contragosto, os EUA acabaram ajudando por pouco tempo. Durante uma negociação para libertar reféns americanos de um grupo apoiado pelo Irã no Líbano, a administração do presidente Ronald Reagan concordou em transferir equipamentos militares ao Irã, supostamente incluindo mísseis Phoenix e bombas. Engenheiros iranianos adicionaram as bombas a quatro dos F-14 já em 1985, transformando os Tomcat em aviões de ataque terrestre. Anos depois, a US Navy modificaria seus próprios F-14 da mesma maneira.

Em 31 de agosto de 1986, um F-14A iraniano armado com pelo menos um míssil AIM-54A desertou para o Iraque. Há rumores de que um ou mais F-14A do Irã foram entregues à União Soviética em troca de assistência técnica.

Em 1988, no final da guerra, 34 F-14 tinham condições de voo. Mas apenas dois tinham radares em funcionamento, e o Irã havia gastado a remessa original de mísseis Phoenix. Mais mísseis supostamente chegaram como parte do acordo de reféns por armas com os EUA, e no pós-guerra a Iranian Aircraft Industries experimentou “novas” armas para o F-14, incluindo mísseis MIM-23 Hawk superfície-ar modificados e mísseis R-73 fornecidos pela União Soviética.

Os esforços dos EUA

As adaptações acrescentaram flexibilidade aos F-14, mas as peças sobressalentes é que mantiveram os Tomcat em condições de voo. A IRIAF rapidamente gastou as peças obtidas do acordo com reféns, mas as empresas iranianas se esforçaram para produzir peças para o Tomcat.

No final da década de 1990, a IRIAF considerou comprar novos aviões para substituir os F-14, mas na época a China seria o único país a vender caças ao Irã. Entre 1997 e 1998, pilotos iranianos avaliaram o caça F-8 chinês; mas mesmo com falta de peças de reposição e aterrados, os F-14 foram considerados uma opção melhor.

A alternativa foi buscar reposições no mercado negro, pagando enormes quantias a intermediários e contrabandistas. Autoridades americanas souberam do comércio ilegal em 1998. Naquele ano, agentes federais prenderam o iraniano Parviz Lavi em sua casa em Long Island por violar a lei de exportação ao tentar comprar peças de reposição de motores TF-30 e enviá-los ao Irã através dos Países Baixos. Lavi ficou cinco anos na prisão.

Prisões viraram uma rotina. Em 1998, um vendedor de peças de aeronaves em San Diego reportou a autoridades dos EUA que a empresa Multicore Ltd., da Califórnia, solicitou preço de vedações de entrada de ar que eram usadas apenas no F-14. Agentes federais acabaram prendendo Saeed Homayouni, da Multicore, um iraniano naturalizado canadense, e Yew Leng Fung, cidadão da Malásia.

O FBI começou a investigar 18 empresas que forneceram componentes de avião para a Multicore. Em setembro de 2003, as autoridades prenderam o iraniano Serzhik Avasappian num hotel na Flórida. Agentes mostraram a Avasappian peças do F-14 e o prenderam quando ele se ofereceu para comprá-las.

Mesmo com a repressão das autoridades americanas ao comércio ilícito de peças do F-14, o Irã persistiu. Com o fechamento da Multicore, os componentes do Tomcat da empresa foram confiscados e enviados ao escritório de peças excedentes do Departamento de Defesa. Em 2005, uma empresa, supostamente iraniana, comprou as mesmas peças.

A guerra por peças aumentou depois que a US Navy aposentou seus últimos F-14 em 2006 e o Irã permaneceu como o único operador do caça. Em 2007, agentes dos EUA apreenderam quatro F-14 ex-US Navy na Califórnia – três em museus e um pertencente à produção da série de TV JAG, com a alegação de que não foram devidamente despojados de peças que poderiam acabar em mãos iranianas.

Em 2008, o Congresso dos EUA aprovou uma lei proibindo especificamente o comércio de componentes do Tomcat com o Irã ou com qualquer outra entidade, e a lei foi sancionada pelo então presidente George W. Bush. A maioria dos cerca de 150 F-14 aposentados foram desmantelados e destruídos. Dezenas de velhos F-14 “desmilitarizados” ainda estão em exibição em museus dos EUA, mas não há nenhum no famoso cemitério de aviões do Arizona, onde o Pentágono armazena aviões aposentados para o caso de precisar deles. Ainda assim, o comércio subterrâneo de peças do Tomcat persiste, com várias empresas “suspeitas” vasculhando o planeta em busca de peças remanescentes. No início de 2014, o Departamento de Segurança Interna dos EUA investigou traficantes de armas israelenses acusados de ter tentado duas vezes enviar peças de reposição ao Irã.

Proteção contra drones

Não é à toa que Teerã continua a manter seus Tomcat operando. Os EUA intensificaram esforços de espionagem no Irã usando drones, incluindo o RQ-170 no Oriente Médio, aparentemente para vigiar instalações nucleares iranianas.

Uma das missões dos Tomcat é interceptar esses drones. No início dos anos 2000, a IRIAF iraniana posicionou um esquadrão de F-14 em Bushehr, local do primeiro reator nuclear do Irã. O esquadrão foi dissolvido quando não foi mais possível manter seus Tomcat, mas como os voos de espionagem dos EUA continuaram a observar Bushehr e outras instalações, outros esquadrões de F-14 mantiveram a vigilância.

Nesse ponto surgem algumas narrativas curiosas. Pilotos de F-14 que protegiam as instalações nucleares relataram ter visto drones cada vez mais sofisticados e bizarros, de acordo com Taghvaee: “drones de inteligência da CIA tinham características de voo surpreendentes, incluindo capacidade de voar acima da atmosfera, velocidade máxima de Mach 10 e capacidade de pairar sobre o alvo”.

Taghvaee acrescentou ainda que “os drones usavam contramedidas eletrônicas poderosas que jameavam os radares usando altos níveis de energia magnética”. Em novembro de 2004, um F-14 teria interceptado uma aeronave suspeita da CIA sobre a instalação nuclear de Arak. Os pilotos relataram que ao tentar travar o drone no radar do Tomcat, “o sinal do radar foi interrompido”, o drone ligou o pós-combustor e fugiu.

É improvável que a CIA possua drones hipersônicos capazes de usar armas de raios magnéticos que inutilizam radares. Mas Teerã é extremamente ciosa de suas instalações nucleares, e os F-14 ainda são os principais meios usados em sua proteção.


Assista  também ao Vídeo 658 do CANAL ARTE DA GUERRA – F-14 Iranianos: a Lula Contra Drones dos EUA


Hoje

Não há muitas informações disponíveis sobre os Tomcat iranianos, mas é certo que, seja produzindo peças ou adquirindo-as no mercado negro, o Irã vem conseguindo manter seus esquadrões de F-14 operacionais. Não há certeza sobre quantos seguem em operação, e as estimativas variam.

Em outubro de 2010, um comandante da força aérea iraniana afirmou que a IRIAF instalou sistemas de radar fabricados no Irã no F-14. Em 2012, o Mehrabad Overhaul Centre da IRIAF entregou um F-14 com sistemas de armas atualizados com componentes iranianos, designados F-14AM. A escassez de mísseis Phoenix levou a tentativas malsucedidas de integrar o míssil guiado por radar semiativo russo R-27.

Para substituir os AIM-7E Sparrow do F-14, foi lançado o míssil Fakour-90, que usa o sistema de guiamento do Hawk empacotado na fuselagem da Phoenix. Em 2017 foram entregues unidades de pré-produção, e em 2018 foi feito um pedido de 100 deles, agora com a designação AIM-23B.

Em janeiro de 2012, um F-14 iraniano caiu três minutos após a decolagem, matando ambos os tripulantes. Informações mais recentes dão conta de que um dos F-14 teria se acidentado em maio passado durante a aterrissagem. Em novembro de 2015, houve relatos de F-14 iranianos em escolta de bombardeiros russos Tu-95 em ataques aéreos na Síria contra o Estado Islâmico.

Em janeiro de 2013 a revista Aviation Week apresentou uma estimativa de 19 F-14 operacionais, e em outubro do mesmo ano, Taghvaee estimou que mais de 40 estavam em condição de voo. Em 2014, a Flight Global estimou que 28 estavam em serviço. Já em maio de 2019, o Aviation Geek Club estimou que 24 ainda estariam operacionais.

Em novembro de 2018, na 9ª edição do Iran International Air Show (o Kish Air Show), houve exibições de jatos militares da IRIAF e da Guarda Revolucionária Islâmica. O evento proporcionou uma oportunidade rara de assistir uma apresentação dos Tomcat em voo.

O fato é que quase cinco décadas depois, mesmo com todos os esforços dos EUA, os F-14 do Irã continuam importantes na defesa da Pérsia.


Referências: The Aviation Geek Club, The Aviationist, Cavok Brasil, Fighter Sweep, The National Interest, Wikipedia.

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11 comentários

  1. Mais uma ótima matéria Albert. Parabéns
    Eu já conhecia uma parte da história da compra do F-14 pelo Irá. Porém confesso que nunca entendi porque eles foram de f-14. Bem agora da sei.

  2. Os Persas seguem aquele adágio se a vida te der um limão faça uma limonada, fico imaginando se não houvesse embargos qual seria seu vetor para substituir esse ícone da aviação de caça.

  3. Astutos e criativos, os iranianos conseguem extrair leite de pedra com os F-14 que ainda lhe restam. E ao fabricar peças sobressalentes, vão desenvolvendo, bem ou mal, sua indústria aeronáutica local.

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