A nova aliança militar entre EUA, Reino Unido e Austrália

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Joe Biden (Jim Watson/AFP); Scott Morrison (Rohan Thomson/AFP); Boris Johnson (Christopher Furlong/Reuters).

Joe Biden (Jim Watson/AFP); Scott Morrison (Rohan Thomson/AFP); Boris Johnson (Christopher Furlong/Reuters).

Anúncio enfatiza que o sistema internacional está se reacomodando, e os movimentos das grandes potências exigem atenção dos demais países, para não verem comprometidos seus próprios interesses estratégicos.


No dia 15 de setembro, um pronunciamento feito pelo presidente Joe Biden, com a participação virtual dos primeiros-ministros britânico, Boris Johnson, e australiano, Scott Morrison, causou protestos da China e indignação na França: EUA e Reino Unido acordavam em repassar para Austrália a tecnologia necessária para a produção local de submarinos de propulsão nuclear.

Os protestos chineses são compreensíveis. Afinal, embora o nome da China não tenha sido citado em nenhum momento, é óbvio que a posse de submarinos nucleares pela Austrália tem a finalidade de conter a emergente potência asiática, detentora da maior Marinha do mundo em quantidade de meios navais e cada vez mais assertiva em suas ações no Mar do Sul da China. Aquela porção do Oceano Pacífico, que vai de Singapura a Taiwan, é o palco da disputa entre a China e os países da região, envolvendo a exploração econômica dos recursos marinhos, a posse de centenas de pequenas ilhas e o acesso ao Oceano Índico via Estreito de Malaca.

Submarinos de propulsão nuclear são armas poderosíssimas. Enquanto um submarino convencional tem sua permanência submersa limitada, necessitando subir à superfície para recarregar suas baterias, um submarino nuclear pode ficar muito mais tempo submerso. Na prática, este tempo é limitado pela capacidade física e psicológica das tripulações e pelo estoque de víveres disponível. É muito mais rápido que o convencional e incomparavelmente mais furtivo, ou seja, de detecção muito mais difícil pelo inimigo. Uma flotilha de submarinos nucleares australianos navegando sob as águas do Mar do Sul da China seria um pesadelo para os militares chineses.

Mas, se a reação chinesa podia ser esperada, a reação da França talvez tenha surpreendido norte-americanos, australianos e britânicos. O ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Yves Le Drian, qualificou o acordo como “brutal” e uma “facada nas costas”. O presidente francês, Emmanuel Macron, determinou que os embaixadores franceses nos EUA e na Austrália fossem à França, “para consultas”. Como se sabe, essa é uma forma de expressar um profundo descontentamento. As razões francesas são predominantemente comerciais. O país havia firmado um acordo com os australianos para a venda de submarinos convencionais, no valor de US$ 66 bilhões. Agora, o acordo foi desfeito. Um enorme prejuízo. Mas esta não é a única causa de descontentamento. A França é uma aliada histórica dos EUA. Aliás, foi o primeiro país com quem os norte-americanos firmaram uma aliança militar, em 1778, quando os franceses com eles ombrearam contra os ingleses na guerra pela independência. Hoje, é um importante membro da OTAN. Ao serem surpreendidos pelo acordo, os franceses se sentiram traídos.


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O movimento de norte-americanos e britânicos, ocorrido imediatamente depois da completa e traumática retirada dos EUA e aliados do Afeganistão, emite sinais claros para toda a comunidade internacional. Os EUA mostram que o seu foco prioritário passa a ser a China e que o país não medirá esforços para conter aquele que considera ser o seu maior adversário geopolítico neste século XXI. O Reino Unido, por sua vez, depois do BREXIT, demonstra seu alinhamento prioritário com os EUA e reforça sua intenção de se manter relevante do ponto de vista geopolítico. Trata-se de uma ação dentro da Estratégia Global Britain, lançada por Boris Johnson, que vê o Reino Unido desvencilhado da Europa, como uma das mais influentes nações do planeta.

É interessante notar que a aliança entre EUA, Reino Unido e Austrália foi anunciada ao mesmo tempo que o Japão faz seu maior exercício militar em 30 anos, empregando cerca de 100 mil militares, em meio a um aumento das tensões com a China em torno da posse das ilhas Senkaku, que os chineses consideram suas e chamam de Diaoyu Dao. Note-se, também, que o Japão acaba de anunciar um acordo militar com o Vietnã, que envolve a realização de exercícios militares conjuntos entre os dois países e exportações de materiais de emprego militar dos japoneses para os vietnamitas.

Ao mesmo tempo que os EUA e seus maiores aliados no Indo-pacífico adotam atitudes cada vez mais assertivas no sentido de conter a China, esta se movimenta na direção contrária, projetando seu poder em direção ao Ocidente. Isso fica claro, por exemplo, quando China e Rússia aceitam o Irã como membro pleno da Organização para Cooperação de Xangai ou na assertividade com que o país se comporta em relação ao Afeganistão, ocupando o vácuo deixado por EUA e seus aliados.

“Na briga entre o mar e o rochedo, é o marisco que apanha”, diz o dito popular. O sistema internacional passa por um momento de reacomodação, no qual os movimentos de chineses e norte-americanos exigirão muita atenção dos demais países, que devem estar atentos para não verem comprometidos seus próprios interesses estratégicos. Ninguém está a salvo deste embate, nem mesmo o Brasil, na (distante) América do Sul.

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