Gengis Khan e a “Batalha Ar-Terra” do Século XIII

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Artigo publicado originalmente na revista Military Review de julho de 1986.


Exército mongol cruzando um rio (Imagem: Pinterest).

Há um grande debate sobre qual indivíduo ou organização militar primeiro desenvolveu e empregou a guerra de manobras. Este artigo aponta mais um candidato e afirma que Gengis Khan e seu exército mongol do século XIII foram os primeiros praticantes bem-sucedidos do que hoje é conhecido como “Batalha Ar-Terra”[1].


O conceito operacional de um exército é o cerne de sua doutrina. É a forma como luta suas batalhas e campanhas, incluindo táticas, procedimentos e organizações. Ele deve ser amplo o suficiente para descrever as operações em todas as circunstâncias previstas. No entanto, deve permitir liberdade suficiente para variações táticas em qualquer situação. Também deve ser conhecido e compreendido de maneira uniforme[2].

A blitzkrieg alemã da Segunda Guerra Mundial é frequentemente observada como o protótipo de grande parte da doutrina atual do exército dos EUA – “Batalha Ar-Terra”. A blitzkrieg alemã, embora aparentemente revolucionária no início, não era uma novidade. Seus fundamentos de manobra de guerra foram seguidos mais de 700 anos antes por Gengis Khan e suas hordas mongóis. Gengis Khan e seus exércitos realizaram feitos que seriam difíceis, senão impossíveis, para os exércitos modernos replicarem.

Os exércitos mongóis, como o número de tanques nas divisões panzer do general Heinz Guderian na Segunda Guerra Mundial, na verdade eram modestas em comparação com os objetivos alcançados e as histórias contadas por suas vítimas. Não apenas as hordas mongóis eram frequentemente em menor número, mas, homem a homem, o inimigo do soldado mongol era geralmente maior e mais forte e era considerado mais bem armado.

A ameaça potencial de ser enfrentado por um inimigo numericamente superior foi uma das principais razões por trás do desenvolvimento da doutrina Batalha Ar-Terra do Exército dos EUA – uma doutrina projetada para guerra móvel em qualquer parte do mundo.


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A doutrina Batalha Ar-Terra ensina que, tanto no nível tático quanto no operacional, o sucesso no campo de batalha moderno dependerá de quatro conceitos: iniciativa, profundidade, agilidade e sincronização. Sendo uma doutrina, a Batalha Ar-Terra é um guia. Um dos seus objetivos é proporcionar a base para uma conduta rápida e harmoniosa dos comandantes subordinados de acordo com as intenções do comandante sênior. A doutrina se desenvolve a partir de princípios. No caso da Batalha Ar-Terra, esses princípios são os “princípios da guerra” extraídos do trabalho do major-general britânico J. F. C. Fuller.

Gengis Khan e seus sucessores imediatos usaram todos os quatro conceitos operacionais da “Batalha Ar-Terra” com habilidade fenomenal. Ao contrário da maioria dos outros grandes capitães da história, Gengis Khan não teve uma educação formal. Ele era analfabeto. Aos nove anos, perdeu o pai e foi abandonado por todos, exceto seus familiares imediatos. Ele nunca leu um livro, nunca foi aluno de nenhum senhor da guerra, nunca foi ensinado por acadêmicos. Mas os conceitos operacionais, desenvolvidos a partir da experiência e bom senso militar, foram aplicados por Gengis Khan e os comandantes mongóis em todas as campanhas. Assim agindo, eles forjaram um império que se espalhou da Coreia à Pérsia. Posteriormente, se estendeu para a Europa Oriental por seus descendentes e pelo general mongol Subotai, usando os conceitos operacionais desenvolvidos pelo Grande Khan.

O emprego da iniciativa por Gengis Khan é lendário. Nenhum outro comandante na história foi mais contundentemente consciente da importância fundamental de tomar e manter a iniciativa de sempre atacar, mesmo quando a missão estratégica era defensiva[3]. Os mongóis procuravam conservar a iniciativa mantendo seus inimigos constantemente desequilibrados.

Antes do início de uma invasão, espiões e batedores eram despachados para o país alvo. Os espiões tentariam semear a dissensão, enquanto os batedores vigiavam o inimigo. Os batedores também examinavam os movimentos do exército mongol. À medida que se aproximava a hora da invasão, os espiões e batedores criavam uma verdadeira “guerra de nervos” entre o inimigo. Eles apareciam como pequenos grupos de homens armados em diferentes entradas do país e dentro do país, causando consternação e confusão.


FIGURA 1: pintura em seda de Gengis Khan (Imagem: Museu do Palácio Nacional, Taipé, Taiwan).

No início de cada invasão, o principal exército mongol, de normalmente três a cinco tumans (o tuman era uma força do tamanho de uma divisão com cerca de 10.000 homens), avançava rapidamente atrás de uma cortina de cavaleiros leves em várias colunas quase paralelas em uma ampla frente. O contato era mantido constantemente por meio de mensageiros montados e um sistema de sinalização. Essa formação permitia flexibilidade, principalmente se o inimigo fosse mais forte do que os mongóis ou se sua localização exata fosse desconhecida. Ao encontrar as forças inimigas, uma coluna engajaria ou se retiraria, dependendo da situação.

Enquanto isso, o restante do exército continuava a avançar, ocupando os flancos ou áreas de retaguarda inimiga. Isso o forçaria a recuar para proteger suas linhas de comunicação. Os mongóis então se aproximavam rapidamente para tirar vantagem de qualquer confusão ou desordem durante a retirada do inimigo. Isso geralmente era rapidamente seguido por um cerco, uma perseguição impiedosa e a destruição total do inimigo. A rapidez dos movimentos mongóis invariavelmente deu a eles superioridade de força no ponto decisivo – o objetivo final da guerra móvel. Ao assumir agressivamente a iniciativa, os comandantes mongóis, ao invés de seus inimigos, quase sempre selecionavam o ponto decisivo.

Os mongóis usavam engenhosamente os elementos de profundidade – tempo, espaço e recursos – para fazer com que as forças inimigas desperdiçassem desnecessariamente seu poder de combate. Assim, eles preparavam o inimigo para a derrota antes do início do ataque principal. Os mongóis seguiam o conselho do grande teórico da guerra Sun Tzu:

“Na guerra, o estrategista de sucesso só busca a batalha depois que a vitória foi conquistada, enquanto aquele que está destinado à derrota luta primeiro e depois procura a vitória[4].”

Para um general mongol, evitar batalha não era uma desgraça. Vergonha para um general mongol era se envolver em uma batalha que custasse “muitas vidas mongóis”, mesmo vencendo, se uma vitória semelhante pudesse ser conseguida a um custo menor[5].

Os mongóis foram muito bem-sucedidos no uso da profundidade para evitar batalhas dispendiosas. Seu conhecimento do tempo necessário para mover as forças – tanto as suas quanto as do inimigo – os ajudou a estar consistentemente um passo à frente de seus inimigos.

Seu uso da mobilidade mantinha as forças inimigas em movimento, para frente ou para trás. Eles sabiam por experiência que um exército civilizado corajoso e intacto quase sempre avançaria contra eles, e um exército derrotado buscaria segurança para fugir deles. Sua manobra antes do engajamento geral tinha o objetivo específico de evitar a batalha decisiva. Esse era um objetivo interessante, para dizer o mínimo.


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Os exércitos mais bem-sucedidos da história, como os de Napoleão Bonaparte, manobravam suas forças antes de um combate para buscar a batalha decisiva. Os mongóis usavam toda a profundidade do campo de batalha para impedir que as tropas inimigas ganhassem força para tomar posição em um terreno favorável. Quando os exércitos inimigos se reuniam com força suficiente, os mongóis normalmente se recusavam a enfrentá-los diretamente. Eles usavam o ataque em profundidade apenas para fixar a força inimiga com um tuman e usavam o grosso do exército mongol para aterrorizar os centros da população civil e destruir forças não engajadas e estruturas de apoio do inimigo.

Os mongóis também empregavam muitos recursos para evitar que forças inimigas os enfrentassem de forma decisiva. Os europeus eram, homem a homem, muito maiores e melhor armados para o combate corpo-a-corpo do que o soldado mongol. Os mongóis, portanto, usavam suas flechas como armas de longo alcance que aumentavam a profundidade e normalmente infligiam baixas desastrosas aos inimigos.

Os mongóis costumavam usar prisioneiros inimigos para cobrir seus avanços – forçando impiedosamente as forças inimigas a matar seus próprios compatriotas se quisessem enfrentar os mongóis em combate corpo-a-corpo. Eles aumentavam a confusão, continuamente disparando flechas por trás dos escudos humanos. Além das flechas de longo alcance, os mongóis usavam diferentes sistemas de armas, tais como catapultas, balistas, artilharia rudimentar e até foguetes para destruir ou confundir seus inimigos. No cerco, o corpo de engenheiros de Gengis Khan era pelo menos tão eficiente quanto os de Alexandre o Grande e Júlio César[6]. Todos esses recursos combinados davam a um comandante mongol mais profundidade e flexibilidade.

A agilidade, que engloba a necessidade de realizar as tarefas necessárias rapidamente e reagir com rapidez às mudanças na situação, está intimamente ligada à mobilidade. Os mongóis eram mestres da mobilidade. Eles percebiam instintivamente que “a força é o produto da massa e do quadrado da velocidade”[7]. Os exércitos mongóis consistiam quase que inteiramente em cavalaria, e cada soldado tinha um ou mais cavalos sobressalentes. Assim equipado, o exército de Gengis Khan, em sua perseguição a Mohammed Shah em 1221, cobriu 210 km em dois dias. Em 1241, o exército de Subotai viajou 290 km em três dias através de neve profunda e frio intenso de inverno para atacar os principados russos. Essa mobilidade extraordinária deu origem às histórias dos mongóis usando um grande número de homens.

Na verdade, porém, o exército mongol era geralmente muito menor que o de seus principais oponentes. A maior força que Gengis Khan já reuniu foi aquela com a qual conquistou o Império Corásmio (Pérsia): menos de 240.000 homens. Os exércitos mongóis que conquistaram a Rússia e toda a Europa Central e Oriental nunca excederam 150.000 homens[8]. Qualidade e não quantidade, e simplicidade na organização, eram a chave para a agilidade superior do exército mongol.

A organização era baseada no sistema decimal. A maior unidade independente era o tuman. Três tumans normalmente constituíam um exército ou corpo de exército comandado por um orlok (marechal-de-campo mongol). O tuman, por sua vez, era composto por dez regimentos de 1.000 homens, cada um comandado por um noyan (barão mongol). Um regimento consistia em dez esquadrões, cada um compreendendo dez grupos de dez homens. Quarenta por cento de um exército mongol típico consistia em cavalaria blindada pesada que era usada para ação de choque. Os 60 por cento restantes consistiam em cavalaria leve carregando flechas, usada para reconhecimento, triagem, apoio à cavalaria pesada, operações de limpeza e perseguição[9].


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Planejamento detalhado e criativo era parte integrante da agilidade superior dos mongóis. Eles não elaboravam um plano de operação antes que tivessem uma imagem clara do território inimigo, seu armamento, rotas de comunicação e provável local de mobilização. Mas conseguiam manter seus próprios preparativos bem protegidos. A rede de inteligência mongol se espalhou por todo o mundo conhecido da época. Após uma cuidadosa avaliação dos relatórios de inteligência, eles traçavam os objetivos específicos ao longo de eixos gerais de avanço para cada tuman. Os comandantes subordinados tinham considerável liberdade para cumprir suas missões. Antes de um combate geral e dentro do contexto do plano geral, um comandante de tuman tinha liberdade para manobrar e enfrentar o inimigo a seu critério.

Quando uma força inimiga era encontrada, se transformava no objetivo de todas as unidades mongóis próximas. Informações completas sobre a localização e força do inimigo e sua direção era enviada imediatamente para a sede central. A sincronização de esforços ocorria rapidamente. Uma vez que suas forças estivessem concentradas, o comandante do exército mongol coordenava seus vários sistemas de armas preparando intensivamente seu poder de fogo que, na pior das hipóteses, abalava os nervos do inimigo e, na melhor das hipóteses, fazia com que ele se dispersasse sem necessidade de ataque. Uma vez que o inimigo estivesse suficientemente confuso, a cavalaria pesada recebia sinais sincronizados e atacava. Além de combinar fogo e movimento, os mongóis alcançaram a sincronização enfatizando a coordenação em todos os níveis táticos e em todas as fases do combate.

Dentro do contexto geral de seus conceitos operacionais, os mongóis usaram táticas sólidas e inovadoras. Uma tática favorita era a tulughma, ou varredura padrão, na qual o flanco inimigo era desviado e o golpe principal era desferido no seu lado ou na retaguarda. Outra tática favorita era a fingir retirada para, depois do tempo adequado, realizar um forte contra-ataque. O inimigo que perseguia a força “em retirada” se veria confrontado num dos flancos pelos demais elementos mongóis. Se o inimigo lutasse bem em tal situação, os mongóis permitiriam que ele se retirasse. Eles então atacariam a força inimiga em marcha, superando e destruindo facilmente suas forças esgotadas.

Saber do desejo de seus oponentes pela obtenção de butim foi o ímpeto por trás de outra tática favorita dos mongóis. Eles às vezes simulavam abandonar seus comboios de bagagem como isca. Enquanto o inimigo saqueava a bagagem, os mongóis atacavam de volta e o destruíam.

O generalato dos mongóis certamente desempenhou um papel importante em seu domínio militar do século XIII. Eles foram abençoados com uma série de líderes absolutamente brilhantes. Em primeiro lugar, é claro, estão Gengis Khan e seu grande subordinado Subotai. De acordo com o teórico de guerra britânico B. H. Liddell Hart, “a habilidade estratégica desses dois líderes é comparada na história apenas à de Napoleão”[10]. Os grandes comandantes de campo – Makhuli, que esmagou o norte da China; Batu Khan, conquistador da Rússia; Jebe Noyan, conquistador de Kara Khitai; e Bayan, que rompeu o poder do Império Sung no sul da China – eram quase iguais a Gengis Khan e Subotai como estrategistas.


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As escolas de liderança militar do Grande Khan eram os extensos campos de batalha de seus exércitos. Nas fileiras mongóis nunca faltaram líderes subordinados capazes. O sistema de promoção era baseado estritamente no mérito, e alguns dos orloks eram bastante jovens. Subotai e Jebe alcançaram posições elevadas antes de completarem 25 anos.

Gengis Khan fazia questão de recompensar generosamente e elogiar publicamente seus subordinados quando eles se saíam bem. Por outro lado, deixar de cumprir ordens era um dos caminhos mais rápidos para um líder cometer suicídio[11].

Todos os comandantes do exército mongol, no entanto, tinham dois traços significativos em comum – eles lideravam corajosamente pelo exemplo e todos tinham uma compreensão uniforme dos conceitos operacionais. Este último ponto permitia que eles agissem de forma independente, mas sempre em conformidade com o planejamento geral.

Embora quase todas as operações militares mongóis bem-sucedidas possam ser usadas para mostrar sua aderência geral à atual doutrina de Batalha Ar-Terra, uma em particular vem à mente. A invasão de Gengis Khan do Império Corásmio, de 1218 a 1224, ilustra o uso dos conceitos operacionais da Batalha Ar-Terra no teatro de operações.

Em 1218, após os maus-tratos aos embaixadores mongóis por Mohammed Shah, governante do Império Corásmio, Gengis Khan mobilizou seu exército. O Império Corásmio espalhava-se pelo Turquestão, Pérsia e norte da Índia. Como todas as campanhas mongóis, a invasão foi precedida por um esforço considerável da rede de inteligência. Enquanto reunia informações e fazia preparativos detalhados para a invasão, Gengis Khan concentrou suas forças principais a leste do Lago Balkhash no rio Irtish em 1219.

No verão de 1219, para encobrir suas intenções e preparações, Gengis Khan enviou um de seus filhos, Juji, com uma força de três tumans através do rio Chu entre o deserto de Ak-Kum e as montanhas Kara Tau-Ala Tau em direção às partes mais baixas do rio Syr Darya. O plano era fazer com que Juji destruísse tudo em sua área. Ele fez isso com eficiência feroz.

Mohammed Shah respondeu enviando seu filho, Jalal-ad-Din, e 200.000 homens para repelir a suposta invasão. Quando Jalal-ad-Din chegou, Juji já havia cumprido sua missão. Os mongóis mandaram de volta todos os cavalos e suprimentos de que precisavam e se retiraram. Jalal-ad-Din contra-atacou, mas os mongóis se desvencilharam rapidamente, ateando fogo na planície e desaparecendo atrás da fumaça. Nenhum esforço foi feito para persegui-los.


FIGURA 2: mapa da campanha mongol do Império Corásmio, 1219-1220.

Por vários meses, Gengis Khan não fez mais nenhum movimento. Mohammed Shah, tendo reunido uma força de mais de 400.000 soldados turcos/muçulmanos endurecidos, sentiu-se razoavelmente seguro de que poderia deter rapidamente qualquer invasão mongol. Mas, como os oponentes de Napoleão no século XIX, ele adotou o fatal sistema de defesa em cordão ao longo da linha de um rio largo, o Syr Darya, voltado para o norte. Uma cadeia de cidades muradas fortalecia essa linha defensiva. Atrás dele ficavam Samarkand e Bukhara, dois centros de poder corásmio, situados a oeste e ao sul da cabeceira do rio Syr Darya.

Em julho de 1219, Gengis Khan e o corpo principal do exército mongol deixaram o rio Irtish. Ele dividiu sua força em quatro exércitos separados de quatro ou cinco tumans cada. Dois desses exércitos, comandados por Juji e Jebe, foram enviados ao sul, na parte superior do rio Amu Darya. O terceiro exército, comandado pelos dois filhos do Grande Khan, Ogadai e Jagatai, deveria marchar para o oeste em direção à cidade fortificada de Otrar. O quarto exército, liderado pelo próprio Gengis Khan e Subotai, faria um amplo arco para o oeste e avançaria contra Bukhara pelo oeste. Gengis Khan esperava confundir e surpreender os corásmios conduzindo ataques generalizados de quatro direções diferentes.

No outono de 1219, enquanto Ogadai e Jagatai atacavam Otrar, Gengis Khan e Subotai viraram para o norte e desapareceram. No sul, Jebe e Juji dividiram suas forças. Jebe liderou 20.000 homens em Khorasan, abaixo do rio Amu Darya, com ordens de retirar qualquer força importante que pudesse estar na reserva e avançar para Transoxiana pelo sul. Juji cavalgou para o oeste, com ordens de operar ao longo de uma frente de 640 km, junto com Ogadai e Jagatai no norte, para destruir as grandes fortificações e manter o resto do cordão ocupado. Gengis Khan e Jebe abriram caminho em torno de cada flanco.

Conforme planejado, após tomar Otrar, Ogadai e Jagatai viraram para o sul para começar a limpar a linha do rio Syr Darya. Depois de capturar Khujand (Leninabad), o exército de Juji se voltou para o norte. As duas forças trabalharam uma em direção à outra, reduzindo os pontos fortes de Mohammed Shah ao longo do rio Syr Darya. O xá estava em Bukhara quando soube que Khujand havia caído e que outro exército (liderado por Jebe) avançava para a Transoxiana vindo do sul. Mudando-se para sua capital, Samarkand, ele reuniu suas últimas 50.000 reservas para deter Jebe. O exército mongol de Jebe derrotou completamente o muito maior exército corásmio.

Mohammed Shah entrou em pânico. Ele não podia flanquear e enfrentar o avanço de Jebe, já que toda a sua frente, o cordão ao longo de Syr Darya, estava preso e desmoronando sob a mobilidade de Juji. As fortalezas em ambas as extremidades já haviam caído. Ele também não poderia comprometer mais homens sem deixar a capital indefesa. Seus oficiais o aconselharam a evacuar completamente a Transoxiana quando chegou a notícia de que Gengis Khan e Subotai haviam aparecido do lado de fora dos portões de Bukhara, quase 640 km atrás das linhas corásmias! Gengis Khan alcançou Bukhara cruzando o deserto Kyzyl Kum, que os corásmios acreditavam ser impenetrável. A surpresa foi completa. A linha de Mohammed Shah foi cercada e suas linhas de comunicação completamente interrompidas. Ele fugiu, deixando a guarnição de Bukhara para os mongóis.


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Em 11 de abril de 1220, o Grande Khan conquistou Bukhara e voltou para o leste em direção a Samarkand. Enquanto isso, os exércitos de Ogadai e Jagatai convergiram em Samarkand pelo norte, Juji por leste e Jebe vindo do sul. Pega por essas pinças esmagadoras, Samarkand, a última fortaleza de Mohammed Shah, foi conquistada.

No breve espaço de cinco meses, Gengis Khan exterminou um exército de 400.000 homens, derrubou o poderoso Império Corásmio e abriu as portas para o oeste em direção à Europa[12]. Ele fez isso por meio do uso magistral dos conceitos operacionais da Batalha Ar-Terra.

Cada movimento havia sido feito em uma sequência calculada e ordenada em direção do objetivo final. A sondagem inicial de Juji descendo o vale de Ak-Kum no norte até o rio Syr Darya ganhou a iniciativa, evitou o perigo de uma ofensiva inimiga inicial enquanto Gengis Khan encenava e colocou Mohammed Shah na defensiva. Gengis Khan manteve a iniciativa ao fixar os corásmios com os dois exércitos mongóis no rio Syr Darya, enquanto seu exército no norte e o exército de Jebe no sul manobravam em torno dos flancos.

A distância percorrida revela o uso da profundidade de todo o campo de batalha para atacar Mohammed Shah e evitar que os corásmios concentrassem suas forças. O uso do ataque em profundidade por Gengis Khan movendo-se 640 km atrás das linhas inimigas através do deserto Kyzyl Kum permitiu-lhe realizar uma manobra que Liddell Hart descreve como “uma das surpresas mais dramáticas na história da guerra”[13].

A agilidade exibida pelos dois exércitos mongóis operando ao longo da linha do rio Syr Darya foi notável. Sua fluidez fez os corásmios acreditarem que estavam enfrentando um exército mongol duas vezes maior do que o seu. O planejamento detalhado e criativo também desempenhou um importante papel na agilidade superior dos mongóis. As rotas iniciais de marcha e eixos de avanço dos quatro exércitos mongóis eram muito específicas. No entanto, assim que fizeram contato com o inimigo, os comandantes do exército mongol tiveram uma amplitude considerável para cumprir suas missões.

Talvez o mais notável seja a sincronização entre os exércitos. Em vez de avançar para Samarkand, imediatamente após tomar Khujend, Juji dirigiu seu exército para o norte para apoiar e se conectar com Ogadai e Jagatai, a fim de sincronizar seu avanço para a capital corásmia. A convergência dos quatro exércitos, que cercaram completamente Samarkand, é uma demonstração inequívoca de excelente sincronização. Essa foi a última grande campanha de Gengis Khan. O Grande Khan morreu a caminho da Mongólia em 1227. No entanto, seu método de guerra foi executado com extraordinária habilidade por seus sucessores.

Infelizmente, lacunas e distorções mancharam a rica história militar do exército mongol do século XIII. A maioria das páginas foi escrita por seus inimigos, e dificilmente se poderia esperar que os inimigos dos mongóis mantivessem a objetividade ao descrever a onda de fúria devastadora que os atingiu. Mas páginas suficientes ficaram intactas contendo lições importantes ao longo dos séculos. As campanhas do exército mongol só foram reexaminadas quando a guerra se tornou profissão e soldados profissionais começaram a extrair princípios da guerra das experiências da história. Suas táticas e conceitos operacionais orientados por manobras foram estudados por Gustavus Adolphus e Napoleão e ainda eram ensinados a oficiais de cavalaria russos no início do século XX[14]. O exército mongol de mentalidade móvel demonstrou conclusivamente que uma força militar poderia consistentemente vencer batalhas decisivas, apesar de inferioridade numérica e, por falar nisso, apesar da inferioridade homem-a-homem. A chave foi encontrada na aplicação bem-sucedida dos conceitos operacionais orientados a manobra. Juntamente com táticas sólidas, boa organização e habilidade militar superior, esses conceitos operacionais compensavam a disparidade de números, estatísticas qualitativas e relações de força completamente confusas.

Em 1927, Liddell Hart escreveu que “o tanque e o avião eram os herdeiros naturais e sucessores dos cavaleiros mongóis”[15]. Com o moderno conceito de envolvimento por via aérea ou por tropas aerotransportadas, outra dimensão foi adicionada ao método de guerra dos mongóis.

É fácil perceber como o método mongol se relaciona ao campo de batalha moderno. A necessidade de mobilidade, a concentração rápida e coordenada para um ataque violento e uma rápida dispersão são bem entendidas. O emprego de forças que se movem rapidamente, flanqueiam ou penetram profundamente também é bem aceito. Dois dos principais expoentes da guerra móvel na Segunda Guerra Mundial – o marechal-de-campo alemão Erwin Rommel e o general americano George S. Patton – eram estudiosos dedicados e admiradores do grande comandante mongol Subotai.

Arcos e flechas, bandeiras de sinalização, cavalos e cavaleiros mongóis pertencem a outro século. Mas os conceitos operacionais – iniciativa, profundidade, agilidade e sincronização – são qualidades eternas. A superioridade no uso desses conceitos operacionais permitiu ao exército mongol do século XIII de Gengis Khan derrotar todas as nações em seu caminho. Assim agindo, tornou-se o primeiro executor bem-sucedido da moderna doutrina de Batalha Ar-Terra.

Notas

[1] “Batalha Ar-Terra” é o nome dado à doutrina de emprego das forças norte-americanas, criada na década de 1980. Enfatiza o emprego das armas combinadas, da força de superfície e da força aérea. O melhor exemplo de emprego dessa doutrina foi na Primeira Guerra do Golfo (colaboração: coronel Paulo Filho, Exército Brasileiro).

[2] Field Manual 100-5, Operations, Department of the Army, Washington, D.C., 20 de agosto de 1982, p. 2-1.

[3] DUPUY, Trevor N. Military Lives – Alexander the Great to Winston Churchill. Harper & Row Publishers, N.Y., 1972, p. 34.

[4] HARDWICK, G. A. Riders of the Whirlwind: Genghis Khan and His Mongol Army, U.S. Naval Institute Proceedings, setembro de 1957, p. 981.

[5] Ibid.

[6] DUPUY, op. cit., p. 342.

[7] BELLAMY, Chris. Heirs of Genghis Khan: The influence of the Tartar-Mongols on the Imperial Russian and Soviet Armies, Journal of the Royal United Services Institute for Defense Studies, março de 1983, p. 54.

[8] CHAMBERS, James. The Devil’s Horsemen, Atheneum Publishers, N.Y., 1979, p. 96.

[9] DUPUY, op. cit., p. 21.

[10] LIDDELL HART, Basil H. Great Captains Unveiled, Little, Brown & Co., Boston, Mass., 1927, p. 3.

[11] CONNER, Judson J. Genghis Khan: Emperor of Men, Master of Mobility, Armor, março-abril de 1964, p. 47.

[12] LIDDEL HART, op. cit., p. 16.

[13] Ibidem, p. 15.

[14] CHAMBERS, op. cit., p. 66.

[15] LIDDELL HART, op. cit., p. 33.

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4 comentários

  1. Apesar de cruel o que não esta em estudo aqui…Militarmente Gengis Khan foi para mim o melhor General da Historia… Napoleão e Alexandre o Grande tinham tutores e prefessores
    o que não foi o caso do poderoso Khan sem estudo criou um Imperio poderoso e morreu
    no auge do poder. Por favor me corrija, se eu estiver errado!
    A Proposito bela marteria parabéns!

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