Formas irrefutáveis de totalitarismo: a perfeita sintonia existente entre o Nazismo e o Comunismo

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Por Reis Friede*


Montagem com imagens de domínio público (Wikimedia Commons).

O nazismo, baseado numa suposta superioridade racial e o comunismo, apoiado no conceito da luta de classes, são, em essência, ideologias totalitárias. Ambos os regimes são caracterizados pelo forte uso de propaganda estatal, pela perseguição a opositores ideológicos e pelos extermínios em massa.


A gênese do nazismo remonta, sobretudo, às ideias do movimento conhecido por polilogismo, cujo maior expoente foi LUDWIG VON MISES (1881-1973), aluno e crítico de KARL MARX (1818-1883)1.

Não é por outra razão, portanto, que a inspiração do movimento de extrema-direita (curiosamente) possui nítida e reconhecida inspiração nas ideias totalitárias do marxismo e na própria visão funcional-instrumentalista do Estado, ainda que, neste último tópico, orientada de forma um pouco mais distante das propostas por MARX e ENGELS e mais aproximada das ideias (fundamentais) de HOBBES2.

É importante assinalar que MARX e ENGELS foram os (mais autênticos) predecessores do totalitarismo, ao escreverem, em 1849 e 1851, após a chamada Primavera dos Povos (1848), suas teses sobre a necessidade de extermínio das sociedades primitivas (bascos, bretões, escoceses, sérvios, etc.) que, por encontrarem-se (em seus particulares pontos-de-vista) dois períodos atrasados na luta histórica pela revolução, constituíam-se, na ótica (sobretudo) de MARX, no “lixo racial” europeu.

A propósito, segundo MARX, “as classes e as raças, muito fracas para enfrentar as novas condições sociais, devem (simplesmente) retirar-se” (KARL MARX; Marx People’s Paper, 16 abr. 1851), razão pela qual “elas devem perecer no Holocausto Revolucionário” (cf. Journal of The History of Ideas, vol. 42, nº 1, 1981).

A partir das doutrinas de MARX e ENGELS, LÊNIN estabeleceu as bases ideológicas do primeiro país comunista do mundo, premissas que, pela relativa identidade concepcional, acabaram por inspirar ADOLF HITLER, cuja comparação com LÊNIN foi feita (nada mais, nada menos do que) pelo próprio Ministro da Propaganda do III Reich, JOSEPH GOEBBELS, que, à época, teria expressamente afirmado que LÊNIN seria o mais ilustre dos homens, atrás apenas do próprio HITLER.

KARL POPPER (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Belo Horizonte, Itatiaia, 1987, ps. 69-88) leciona, com mérita propriedade (e de forma bastante incisiva), que STALIN teria sido “gerado” por MARX. Na quadra atual, tal afirmação encontra (reconhecido) eco em PIERRE RIGOULOT, Diretor do Instituto de História Social, Paris, França, o qual, em artigo (O Totalitarismo Estava em Germe na Obra de MARX) publicado no Le Figaro, edição de 14 de janeiro de 2016, textualmente afirma que o pensamento de MARX pode ser entendido como a gênese verdadeira (e ampla) do totalitarismo, independentemente de suas pertinentes variantes. Para tanto, RIGOULOT, analisando o livro de ANDRÉ SENIK, (O Manifesto do Partido Comunista aos Olhos da História), em síntese, anota o elemento primaz e originário do totalitarismo, verbis:

“A obra de MARX, de fato, preconiza conceder o monopólio do poder político ao Partido Comunista, detentor de um conhecimento absoluto sobre a história e conferir ao Estado todos os meios coercitivos necessários para fazer triunfar suas ideias e controlar todas as atividades econômicas, aspectos que SENIK entende como sendo ‘os elementos necessários para o estabelecimento de um Estado totalitário’.”

Dentro desse contexto, resta cediço não somente reconhecer, mas, acima de tudo (interessante), registrar a perfeita sintonia existente entre nazismo e comunismo, formas irrefutáveis de totalitarismo, assim retratadas por JOSÉ JOÃO NEVES BARBOSA VICENTE (Totalitarismo, Educação e Justiça: uma Abordagem Filosófica, Bahia, UFRB Editora, 2012):

“Nazismo e comunismo são classificados em Origens do Totalitarismo como as duas versões de um mesmo fenômeno: o totalitarismo. […].

[…] o Comunismo não foi diferente do Nazismo que, logo de início, fez questão de tirar a máscara. Os dois regimes compartilharam, com efeito, o mesmo modo de funcionamento totalitário: sozinhos, dominaram o Estado, a sociedade civil, as igrejas, o sistema econômico, a vida social, e tomaram o cidadão como indivíduo fundido na massa que comunga coletivamente no culto ao Chefe e na obediência e sem reservas ao partido. […].

O Comunismo não escravizava, não deportava e nem executava em nome da força e da raça, mas, escravizava, deportava e executava em nome do conceito e da classe. Portanto, […], não havia diferença entre esse regime e o regime nazista. Repousou sobre uma necessidade: arrancar todas as raízes da ordem existente destruir-lhe os fundamentos.

Para o comunismo era necessário arrasar todos os sustentáculos do mundo antigo, para construir o novo. A morte rondava na revolução marxista a partir do momento em que sua filosofia da vida transferiu toda a energia e toda a astúcia da razão para o lado da destruição a fim de chegar ao seu objetivo supremo: uma humanidade reconciliada abstratamente consigo mesma sobre os cadáveres dos homens reais carregados com indiferença pelo curso da História.”

A identidade acima pode ser corroborada a partir de outros dados, tais como: forte propaganda estatal, implacável perseguição aos opositores do regime, extermínio em massa, detenção em campos de concentração e xenofobia. Além disso, tanto o marxismo quanto o nazismo pretendiam criar o homem perfeito, conforme explica a professora de História Contemporânea da Universidade de Paris-Sorbonne, FRANÇOISE THOM, para quem ambas as ideologias pretenderam conceber um novo homem, travando, para tanto, uma guerra com a própria natureza humana: “os nazistas têm uma ideologia baseada numa falsa biologia, e o comunismo é fundamentado numa falsa sociologia, mas ambos os sistemas têm a ambição de serem científicos, apoiados em bases científicas”3.

STALIN, fruto do marxismo e um dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, é sabidamente um dos maiores criminosos da história. Entre tantas atrocidades cometidas por ele, cabe mencionar o evento que ficou conhecido como Holodomor (Fome na Ucrânia), ocorrido, sobretudo, em 1933, quando cerca de 7 milhões de pessoas (correspondentes a 25% da população local) morreram em decorrência de fome, fuzilamento, tortura, imigração forçada, entre outros eficientes e macabros métodos de extermínio (JANE SPRINGER; Genocide: a Groundwork Guides, Toronto, Berkeley, 2006, ps. 120-125), sendo certo que os mais recentes documentos russos, tornados públicos (cf. A Verdadeira História Soviética) contabilizam os seguintes números adicionais de mortes na Ucrânia: 1929 (538.700), 1930 (538.100), 1931 (514.700), 1932 (668.200) e 1934 (483.000) que, adicionadas às sete milhões em 1933, totalizam a estratosférica quantidade de quase 10 milhões de mortes.

Tal dado nos permite afirmar que o Holodomor foi um dos maiores programas de extermínio em massa da história mundial, embora o elenco de barbáries cometidas por STALIN (e reveladas por NIKITA KHRUSHCHEV, no famoso Discurso Secreto, realizado no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956) seja repleto de outras atrocidades, tais como o Grande Expurgo (1937-1938), extermínio em massa que causou a morte de milhões de vítimas (criminosos, membros de comunidades religiosas, kulaks, opositores do regime, etc.). Em A Verdade sobre STALIN (2013), JO PIRES-O’BRIEN traça o seguinte panorama a respeito do totalitarismo stalinista:

“STALIN introduziu um regime de repressão sem precedência, caracterizado pela proibição religiosa, prisões arbitrárias, julgamentos de fachada, execuções em massa e campos de trabalhos forçados. O exílio de TROTSKY, em 1929, foi o primeiro sinal que os ocidentais receberam de que as coisas na União Soviética não estavam indo conforme o esperado. Refugiados russos que chegavam às dezenas na França trouxeram informações frescas sobre as atrocidades de STALIN. Alguns intelectuais resolveram ir à União Soviética para checar por si próprios a situação, como o francês ANDRE GIDE e o americano EDMUND WILSON. Quando retornaram, GIDE informou que STALIN havia violado todas as regras da revolução socialista e WILSON admitiu que, em termos de democracia, a situação na União Soviética era pior do que na época do Czar.”

Nota-se, portanto, que o nacional-socialismo (ou capitalismo nacional intervencionista, segundo alguns autores) e o socialismo soviético (comunismo) possuem muito em comum, mormente quanto à base ideológica (o marxismo), além de terem, ambos, sucumbido (enquanto modelo) e deixado (um inacreditável rastro de) milhões de vítimas nos anais da história mundial.

“A ideologia totalitária do comunismo serviu de base ao nacional-socialismo, como confessou HITLER diversas vezes, unidos pelo retorno ao primitivismo da natureza, ao estado de barbárie e de animalidade, como enfatizaram MARX, ENGELS e HEIDEGGER.” (JOÃO RICARDO MODERNO; Universidade Pública e Barbárie, O Globo, 09/05/2018, p. 15)

Ainda assim, resta incontestável que o fundador primaz do nazismo foi ALFRED ROSENBERG, um dos fundadores do partido alemão dos Trabalhadores em que ADOLF HITLER se infiltrou quando ainda veterano cabo do exército alemão, durante a Primeira Guerra Mundial.

ALFRED ROSENBERG (1893-1946) nasceu na Estônia e foi educado em Moscou, e era alemão apenas por parte de mãe, tendo sido refugiado da Revolução Russa de 1917, compartilhando, desta feita, ao lado de seus novos amigos alemães, o ódio pelos judeus e pelos bolcheviques.

O próprio ADOLF HITLER sempre considerou ROSENBERG como o pai do nacional-socialismo e autor dos conceitos de Lebensraum (O Espaço Vital)4 e da supremacia da raça ariana, e irradiador do ódio à arte moderna, aos homossexuais e aos judeus, reproduzindo, em grande medida, o próprio antissemitismo que já era (simplesmente) virulento no leste europeu.

O Tribunal de Nuremberg reconheceu (inclusive, a seu tempo) sua importância e ROSENBERG foi executado em 1946. Seu livro, O Mito do Século XX (inclusive, a seu tempo) e Minha Luta, de HITLER, figuram lado a lado como os tomos sagrados do nazismo. Os diários de ROSENBERG, encontrados em 2013, permitiram que dois livros a respeito do pensador nazista fossem lançados, iluminando, ainda mais, as origens e a própria síntese do momento em questão: a biografia O Diário do Diabo, dos americanos ROBERT K. WTTMAN e DAVID KINNEY e Os Diários de Alfred Rosenberg, organizado pelos acadêmicos alemães JÜRGEN MATTHAUS, diretor do Holocaust Memorial Museum, em Washington, e FRANK BAHJOR, diretor do Centro de Estudos do Holocausto do Instituto de História Contemporânea, em Munique.

Curioso observar que um dos principais contrapontos à “obra ideológica” do nazismo (ainda que historicamente anterior na cronologia temporal), ou seja, o Estado liberal (concebendo o ideário do “Estado mínimo” ou, em outros termos, a noção da “mínima ingerência do Estado na vida privada do cidadão”), defendido, sobretudo, por ALEXIS DE TOCQUEVILLE (1805-1859), teórico celebrado em razão de sua clássica obra, Da Democracia na América (1835), – em que preconizava, em linhas gerais, ser esse modelo de Estado o apogeu da democracia: “Democracia é como a maré alta; recua apenas para retornar com mais vigor e logo se torna evidente que, apesar de todas as flutuações, a maré sempre ganha terreno” (ALEXIS DE TOCQUEVILLE apud BARRY M. MEUSE; After the Bicentennial: The End of an Era?, Air University Review, Jul-Aug 1976, vol. XXVII, n. 5, p. 2) –, acabou por forjar uma imagem que nos conduziu a pensar que a democracia, apesar de eventuais percalços autoritários, tocaria os indivíduos organizados em um Estado, na medida em que o ideário da liberdade (como na analogia aludida na citação em destaque), espalhar-se-ia, sem pedir licença, atraída por uma espécie de ponto gravitacional, alcançando a todos os que estão cingidos ao seu raio. Daí, exatamente, sua conclusão de que a democracia, assim como a maré, apesar das (inerentes) flutuações, conquista (vitoriosamente) sempre terreno.

Nesse sentido, vale lembrar que RAYMOND ARON (Les Étapes de La Pensée Sociologique, Paris, Gallimard, 1967, p. 18), a propósito do pensamento liberal de TOCQUEVILLE, consignou expressamente que o estudioso “não foi cooptado nem pela direita, nem pela esquerda”, permanecendo (sempre e coerentemente) imparcial. A democracia, conforme já mencionado, apresentava-se para ele como algo irreversível, em razão da igualdade, sobretudo, em relação à efetiva possibilidade de se organizar (isonômicas e justas) condições materiais.

Os estudos de TOCQUEVILLE diferem da obra de KARL MARX, fundamentalmente por privilegiar o fator político (democracia) sobre os de natureza econômica e social. Sua grande conclusão, fruto de suas constantes indagações, resumiu-se em afirmar (e tentar explicar) porque é que na América a sociedade democrática é de reconhecido e aplaudido cunho liberal e porque, ao reverso, a França, outro bastião da democracia, tem (e teve historicamente) tanta dificuldade em manter um regime político de liberdade.

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Mas o relativo insucesso econômico do Estado liberal em prover, em contraposição, de forma mais imediata, os consideráveis e urgentes anseios das classes menos favorecidas, acabou por tornar sensivelmente sedutoras as esdrúxulas teses político-totalitárias que, no contexto econômico, sinalizavam no sentido de permitir um rápido (e amplamente desejável, ainda que utópico) desenvolvimento social, com vigorosa ampliação das bases econômicas por meio de um rígido controle estatal de cunho participativo (comunismo) ou intervencionista (nazifascismo).

Sob este viés, as mais sedutoras teses políticas foram concebidas (sobretudo em termos práticos e efetivos), permitindo a implantação das mais brutais ditaduras políticas no início do século XX, notadamente ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1918), na Rússia Soviética (1917-1922) e, posteriormente, na Itália e na Alemanha (respectivamente nos inícios das décadas de 20 e 30), ensejando, em grande parte, os acontecimentos históricos que desencadearam a Segunda Grande Guerra (1939-1945).

Embora o segundo grande conflito mundial tenha, ao final (e em grande medida), consagrado a vitória da concepção do Estado liberal, ainda que com uma nova feição Keynesiana (ou neoliberal), capitaneada pelas forças anglo-americanas, a concepção ideológico-totalitária de matiz comunista foi, em grande parte, reafirmada como (artificialmente) legítima, ancorada pelo efetivo poder militar da potência soviética e também pelo próprio desastre econômico ensejado pelo mais importante confronto bélico mundial. Tal conflito, – o mais importante acontecimento global da história da humanidade –, ceifou a vida de aproximadamente 70 milhões de pessoas e atingiu, direta ou indiretamente, mais de 200 milhões de indivíduos, envolvendo (objetivamente) mais de 30 países (e, colateralmente, mais de 60 nações), sendo que os principais contendores colocaram toda sua capacidade científica, econômica e industrial voltada para o esforço de guerra, apagando pela primeira vez, em grande escala, as diferenças entre recursos civis e militares.

Não obstante a relativa unipolaridade (ou, segundo alguns, monopolaridade) estadunidense, nascida das cinzas da Segunda Grande Guerra, – em que os EUA despontaram com 53% do PIB mundial e o monopólio dos arsenais nucleares –, um despreparado presidente, HARRY S. TRUMAN (1945-1953), permitiu, em grande medida, o surgimento de um novo conflito global, de nova natureza, conhecido como Guerra Fria, que representou, no campo político, uma nova confrontação, com feições de diferentes (e inéditos) espectros bipolares, entre o Estado liberal (ou neoliberal) e o Estado totalitário de feição comunista, que muito contribuíram para o ressurgimento de contrapontos (ainda que secundários) autoritários de feição direitista, muitas vezes incentivada e patrocinada pelo Estado liberal democrático norte-americano, como uma forma mais imediata (e viável) de reação à expansão totalitária de feição comunista-internacionalista.

Neste período posterior à Segunda Guerra Mundial, não mais surgiram no mundo Estados totalitários de direita, a exemplo da Alemanha Nazista e da Itália Fascista, mas, sim, Estados autoritários de direita, por questões de inequívoca (e necessária) conveniência e oportunidade histórica, sendo implantados e/ou apoiados pelos interesses liberais norte-americanos, que, paradoxalmente, repudiam (pelo menos, em tese) toda e qualquer concepção político-ideológica de feição totalitária (e mesmo autoritária), ou seja, de natureza não liberal.

A contribuição de MAX WEBER (1864-1920), – que, em linhas gerais, defendia uma visão aristocrática da democracia, concebida, neste sentido, apenas e tão somente como um sistema de escolha da classe política dirigente, sem qualquer viés participativo nos rumos do Estado –, também não pode ser esquecida (e muito menos negligenciada) na formação (e, sobretudo, afirmação existencial) do nazismo. Contextualizando o momento em que WEBER desenvolveu tal arcabouço teórico, RICARDO BORGES GAMA NETO (Minimalismo Schumpeteriano, Teoria Econômica da Democracia e Escolha Racional, Revista Sociologia Política, 2011) aduz que:

“A partir da I Guerra Mundial instalou-se um forte ceticismo em relação à política democrática. MAX WEBER foi o pensador social cuja obra melhor identificou esse sentimento, tornando-se o principal referencial das teorias que criticam a ideia da democracia como forma de deliberação da vontade popular.”

Nesse diapasão analítico, segundo a ótica do pensador alemão, a participação popular deveria se restringir (única e exclusivamente) ao sufrágio universal: a eleição do governante. Este, uma vez eleito, não estaria obrigado (necessariamente) a permitir qualquer participação popular na condução da coisa pública.

O processo eleitoral weberiano, nas palavras de PATRÍCIA CASTRO MATTOS (Direito e Política: As Visões de WEBER e HABERMAS, 2000, p. 84), nada mais seria do que uma forma de “aclamação periódica que confirma o carisma do líder escolhido”, ou seja, “a participação das massas é importante na escolha dos líderes enquanto mais um fator de seleção de homens hábeis para conduzir a nação”. Com efeito, do modelo elitista de democracia concebido por WEBER é possível extrair a seguinte característica fundamental que, com grande peso, reforçou as teses totalitárias do nazismo: o conceito de soberania popular encontra-se umbilicalmente limitado ao momento do pleito eleitoral.

Conforme explica RAYMOND ARON (As Etapas do Pensamento Sociológico, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 501), MAX WEBER “foi um nacional-liberal, mas não propriamente um liberal no sentido norte-americano”. Para WEBER, segundo ARON, acima de tudo estavam a grandeza da nação e o poder do Estado, vertentes idearias que também abasteceram o arcabouço ideológico do nazismo.

Consoante anota MANOEL ADAM LACAYO VALENTE (Democracia em Max Weber, 2004, p. 150):

“A perspectiva weberiana de democracia contemplava a valorização do parlamento como o celeiro natural de lideranças políticas e a necessidade da existência de um líder governamental carismático que, contrapondo-se ao poder da burocracia estatal, controlando-a, seria o condutor das (verdadeiras e genéricas) aspirações nacionais.”

É nítida, portanto, a relação existente entre as premissas elitistas/carismáticas de WEBER e a influência por ele exercida sobre HITLER e as bases do nazismo.

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Segundo afirma IAN KERSHAW (HITLER, um Perfil do Poder, 1993, p. 18), “uma chave para a compreensão da expansão gradativa do poder de HITLER pode ser encontrada em outro conceito de MAX WEBER: o de dominação carismática”. E prossegue KERSHAW, aduzindo que “embora MAX WEBER tenha escrito antes do aparecimento de HITLER no cenário político”, tal conceito “tem implicações (incontestáveis) relativas às origens e ao exercício do poder de HITLER”.

Finalmente, para uma completa compreensão da gênese do nazismo, também se faz necessário registrar uma síntese do pensamento de ROBERT MICHELS (1876-1936), um brilhante discípulo e amigo pessoal de MAX WEBER. Na obra Sociologia dos Partidos Políticos, editada pela primeira vez em 1911, o sociólogo alemão, a partir do estudo do Partido Social Democrata Alemão, analisa a relação existente entre democracia e organização partidária. MICHELS concebe a denominada Lei de Ferro da Oligarquia, nela defendendo que os partidos políticos, da mesma forma como acontece com outras organizações, possuem uma tendência inevitável para a oligarquia, a burocracia e o autoritarismo.

Com efeito, quanto mais determinada organização se desenvolve e se burocratiza, maior é a concentração de poder nas mãos de um reduzido número de pessoas dotadas de posição de destaque (os dirigentes). Em suma, na concepção de MICHELS, os partidos políticos, mesmo os de feição (originária) democrática, acabam por se transformar em organizações oligárquicas, nas quais se observa o monopólio das decisões por um pequeno grupo de pessoas; ou seja, o poder decisório deixa de estar nas mãos das massas, passando a ficar cada vez mais concentrado nas dos dirigentes.

Tal fenômeno é explicado da seguinte forma por PEDRO FLORIANO RIBEIRO:

“Uma reduzida elite dirigente tende a concentrar os poderes dentro da organização, confiscando a iniciativa e a participação dos militantes e autonomizando-se em relação ao estante do organismo partidário. Essa autonomia será tanto maior quanto mais os chefes consigam desenvolver aquele que é o maior recurso do poder elitista: a centralização burocrática, ou seja, a concentração da estrutura decisória nas mãos de poucos funcionários e dirigentes remunerados pela máquina. A remuneração de dirigentes e funcionários com dedicação exclusiva é a principal estratégia para essa centralização burocrática, e a elite terá mais força e autonomia internas quanto mais a máquina partidária se expanda e se complexifique.” (ROBERT MICHELS e a Oligarquia do Partido dos Trabalhadores, 2009, p. 124)

A partir das características gerais apresentadas por MICHELS quanto à Lei de Ferro da Oligarquia, extrai-se que os partidos políticos, uma vez alcançado o poder, focam-se no crescimento do próprio aparelho partidário, de modo que a organização passa a ser um fim em si mesmo.

Por conseguinte, segundo MARIA DO SOCORRO SOUSA BRAGA, Professora da Universidade de São Paulo:

“De acordo com as reflexões de MICHELS acerca dos partidos políticos iniciais, emergentes na virada do século XX, a ausência de democracia interna nesses organismos teria sérias implicações sobre a própria existência do regime democrático.” (Democracia e Organização nos Partidos Políticos: Revisitando os Microfundamentos de MICHELS, Revista de Sociologia e Política, 2012, p. 94)

PEDRO FLORIANO RIBEIRO (Realismo e Utopia em ROBERT MICHELS, Revista Sociologia Política, 2012, p. 45) explica, desta feita, como o pensador alemão acabou, com suas concepções, legitimando o fascismo e, de certa forma, o próprio nazismo:

“A conclusão central de Sociologia dos Partidos Políticos é bastante pessimista: a democracia, enquanto capacidade de concretização efetiva da vontade popular nas decisões coletivas, é um fenômeno irrealizável. Além de ROUSSEAU, MICHELS…] evoca, nas páginas finais do livro, MOSCA e PARETO para afirmar que, em última instância, continua válido o princípio segundo o qual a maioria é sempre governada por uma minoria reduzida. No entanto, centelhas de otimismo também despontam ali, quando afirma (a partir de ROUSSEAU e CONSIDÉRANT) que a educação política das massas pode aliviar as tendências à oligarquização, ao fornecer instrumentos para um controle mais efetivo sobre os representantes […], e quando sustenta que, ainda que impossível, a democracia deve ser incessantemente buscada: ‘A tarefa de cada indivíduo terá que ser então a do homem que escava à procura de um tesouro que o pai, no leito de morte, lhe indicou. O tesouro, na verdade, não pode ser achado, mas o trabalho que o filho coloca na busca torna o terreno mais fértil. São apenas esses os frutos que dará a busca da democracia. […] Não se podem iludir as desvantagens imanentes da democracia. E, contudo, no plano formal, a democracia é o mal menor’ […]. Em sua busca pessoal pelo tesouro democrático, no entanto, MICHELS escolheria tomar um atalho, que o levaria ao totalitarismo fascista.”

A relação de MICHELS com o fascismo de MUSSOLINI5 é bem resumida por ANTÓNIO DE ARAÚJO (MICHELS revisitado: a Propósito de Dois Livros Recentes, Análise Social, 2003, ps. 1275-1276):

“Ao contrário do que sucede com outros intelectuais (HEIDEGGER, SCHMITT, PARETO), não existe propriamente um «caso MICHELS»: o seu compromisso com o fascismo é de tal forma profundo que ninguém se atreve a negar a sua existência. ROBERT MICHELS aderiu ao Partido Nacional Fascista em 1923 e, cinco anos mais tarde, aceitou o cargo de professor de Ciência Política na Universidade de Perugia, uma das três universidades criadas por MUSSOLINI para combater a falta de estudos políticos em Itália (mas que, na realidade, se destinavam à formação de quadros fascistas). Exaltou o fascismo em diversos escritos e viu no duce a encarnação do modelo weberiano do líder carismático. É indubitável que a sua teoria das elites contribuiu para legitimar o domínio de MUSSOLINI.”

Vale, por fim, registrar que ROBERT MICHELS foi um dos principais expoentes do movimento positivo denominado “Elitistas” que, em relativo contraponto a um certo “pessimismo” de WEBER, – mas, ao mesmo tempo, complementando em determinada medida, as concepções ideológicas weberianas –, consagrou a tese da viabilidade prática de um suposto regime democrático, através da eleição popular de um verdadeiro líder carismático, o que permitiu, – na concepção hitleriana (até mesmo mais do que no regime de MUSSOLINI ao qual efetivamente serviu) – a pretensa ideia de se tratar de uma autêntica forma democrática de regime político.

Por efeito conclusivo, vale, em epílogo, destacar que não se deve em nenhuma hipótese (e sob a égide que qualquer linha afirmativa minimamente válida) subestimar a complexidade da origem do nazismo (e, consequentemente, do necessário aprofundamento do estudo relativo a esta importantíssima variante do totalitarismo), sob pena de se incorrer na sempre condenável preponderância das análises (exclusivamente) históricas que, invariavelmente, conduzem a conclusões não somente inexatas e imprecisas, mas, acima de tudo, a inferências absolutamente incorretas, que, em última análise, permitem equívocos que conduzem, por seu turno, a efetivos prejuízos na construção do futuro da humanidade e da correspondente superioridade dos valores (supremos) da dignidade do gênero humano.

Notas complementares

1. Karl Marx

Segundo KARL MARX (1818-1883), pensador alemão, o desenvolvimento da sociedade dá-se por meio da denominada luta de classes, marcada por um conflito envolvendo a classe detentora dos chamados meios de produção (classe dominante) e a que fornece a mão de obra indispensável para tal sistema (classe trabalhadora). Assim, para MARX, é justamente através da sociedade que seria possível compreender o aparecimento do Estado. Este, sendo criação daquela, atuaria como uma ferramenta destinada a assegurar as bases nas quais a sociedade civil encontra-se fundada. No Manifesto Comunista (1848), escrita por MARX e FRIEDERICH ENGELS, está dito: “Em sentido próprio, o poder político é poder organizado de uma classe para opressão de outra”.

Com efeito, segundo tal visão, o denominado Estado Burguês teria a função de assegurar o domínio do capital sobre o trabalho. Assim, na concepção marxista, o Estado seria, simultaneamente, parte integrante das relações capitalistas de produção e seu respectivo mecanismo de tutela.

Para MARX, o Estado integra a (por ele) denominada superestrutura destinada a regular a sociedade, sendo ele mesmo (o Estado) fruto da luta de classes, quando, na verdade, deveria estar acima de tal conflito. MARX afirma, ainda, que o Estado, enquanto instrumento da classe dirigente, cumpriria o propósito de garantir a hegemonia desta sobre as demais.

A respeito de tal característica conferida por MARX ao Estado, discorre TERRY EAGLETON:

“MARX nem sempre adotou um ponto de vista tão vigorosamente instrumentalista do Estado em suas análises detalhadas de conflitos de classe; mas estava convencido de que sua verdade, por assim dizer, está fora de si mesma, e além do mais o vê por si só uma forma de alienação. Cada cidadão individual alienou ao Estado parte de seus poderes individuais, que assumem então uma força determinante sobre a existência social e econômica cotidiana, que MARX chama ‘sociedade civil’. A genuína democracia socialista, em contraste, reuniria estas partes gerais e individuais de nós mesmos, permitindo-nos participar de processos políticos gerais como indivíduos concretamente particulares, no local de trabalho, assim como na comunidade local, por exemplo, em vez de cidadãos abstratos da democracia representativa liberal. A visão final de MARX parece assim algo anarquista: a de uma comunidade cooperativa formada pelo que denomina ‘associações livres’ de trabalhadores, que estenderiam a democracia à esfera econômica enquanto fazem dela uma realidade na esfera política.” (TERRY EAGLETON; Marx e a Liberdade, São Paulo, UNESP, 1999, p. 52).

Nota-se que MARX confere ao Estado um viés instrumental, arquitetando-o como uma ferramenta à disposição da classe dominante, da qual esta se serviria para a concretização de seus próprios interesses (e não do interesse público).

Vale destacar que, a título de comparação com o pensamento de HOBBES, o advento do Estado, na concepção de MARX, não pôs fim ao estado de guerra (luta de todos contra todos) característico da sociedade natural daquele pensador inglês, mas, ao reverso, perpetua tal condição, tornando-a permanente.

2. Thomas Hobbes

THOMAS HOBBES (1588-1679), pensador inglês e integrante da corrente contratualista, afirmava que a condição humana seria, por natureza, agressiva e egoísta, asseverando, ainda, que o homem, sem um poder forte o suficiente para lhe impor limites, atuaria como “lobo do próprio homem”, prevalecendo, neste estado de guerra, a insegurança. Os mais fortes, por sua vez, tenderiam a subjugar os mais fracos. Para evitar que isto ocorresse, haveria a necessidade da figura de um soberano, a quem se conferiria um poder ilimitado.

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HOBBES, então, concebe o denominado pacto social como a única alternativa que permitiria que os indivíduos saíssem do estado de guerra (de todos contra todos) no qual, segundo a visão hobbesiana, naturalmente se encontram. Através de tal pacto haveria a transferência do direito de agir ao soberano, possibilitando, na visão de HOBBES, a preservação do homem.

Diante desse quadro, a função do soberano seria justamente assegurar o cumprimento do pacto social, garantindo paz e segurança aos indivíduos. Para tanto, HOBBES defende que o mesmo não deve estar subordinado a quem quer que seja, pois só assim seria capaz de conter os interesses particulares em prol do interesse geral.

Conforme assevera REINALDO DIAS (Ciência Política, São Paulo, Atlas, 2010, p. 68), “a submissão absoluta é o preço que devem pagar os súditos ao soberano por lhes haver salvado de seu destrutivo estado em que se encontravam”.

O pensamento político de THOMAS HOBBES, como se observa nitidamente, buscava fundamentar o poder absoluto do rei. Vale dizer, o resultado institucional do aludido pacto social seria o Estado Absolutista.

3. A concepção nazista e comunista de “guerra contra a natureza humana”

A base do chamado totalitarismo, – sistema político ou forma de governo cujas principais características são a proibição de existência de partidos opositores, a restrição à oposição pessoal ao Estado e o exercício de elevados controle e vigilância sobre as vidas pública e privada de seus cidadãos, sendo considerado por muitos estudiosos como a forma mais abrangente de autoritarismo –, bem como de sua concepção ideológica originária, transcende as nítidas diferenças entre os regimes políticos antagônicos que a humanidade testemunhou; ou seja, o comunismo (no convencionado espectro da extrema-esquerda) e o nazismo (no convencionado espectro da extrema-direita).

Em comum, ambos (reconhecidamente) não concordavam com a natureza humana (particularmente, como ela foi concebida pelo CRIADOR e/ou se apresenta no contexto da realidade da “diversidade” étnica e de sociabilização, dentre outros aspectos) e, – ainda que de formas distintas –, apregoavam, por consequência, a edificação de um “novo homem” (que viesse a pensar, aparentar e se comportar de modo diferente), declarando, nesta medida, uma autêntica “guerra contra a natureza humana”.

Sem qualquer sombra de dúvida, essa é (insofismavelmente) a essência da raiz de qualquer totalitarismo, – não obstante outras considerações conceituais apresentadas em trabalhos acadêmicos de grande valor, como os de CARL JOACHIM FRIEDRICH (RADU CINPOES; Nationalism and Identity in Romania: A History of Extreme Politics from the Birth of the State, p. 70), CARL SCHMIT (The Concept of the Political; University of Chicago Press, 1996, p. 22), ZBIGNIEW BRZEZINSKI (Entre Duas Eras: América, Laboratório do Mundo, Rio de Janeiro, Artenova, 1971) e HANNAH ARENDT (As Origens do Totalitarismo, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, original de 1949) –, e, consequentemente, o elemento primordial de (surpreendente) convergência entre os dois diferentes (e supostamente contraceptivos) sistemas políticos, ainda que, – em suas respectivas fontes de pensamento –, os nazistas baseassem sua ideologia em uma “falsa biologia”, enquanto que os comunistas sustentassem a sua ideologia em uma “falsa sociologia”.

LIVRO RECOMENDADO

Os diários de Alfred Rosenberg 1934-1944

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Nesse diapasão analítico, cabe salientar que ZBIGNIEW BRZEZINSKI, em colaboração com o cientista político e constitucionalista CARL JOACHIM FRIEDRICH, também trabalhou sobre o conceito de totalitarismo visando principalmente caracterizar as ações soviéticas de 1956 (ZBIGNIEW BRZEZINSKI e CARL JOACHIM FRIEDRICH; Totalitarian Dictatorship and Autocracy, Cambridge, Harvard University Press, 1956). O livro foi, juntamente com As Origens do Totalitarismo, de HANNAH ARENDT, um marco na difusão do conceito de totalitarismo no contexto da Guerra Fria (1947-91), um debate que obteve considerável ressonância na Europa e nos Estados Unidos. Segundo o historiador MICHAEL SCOTT CHRISTOFFERSON, com a primeira fase distensiva (conhecida porcoexistência pacífica”), em que a União Soviética, – após uma muito bem executada política de contensão conduzida por EISENHOWER (1953-61), e que previa uma “resposta nuclear total” (em um momento histórico de nítida superioridade militar estadunidense) –, foi obrigada a paralisar seus esforços expansionistas, FRIEDRICH, na edição de 1965, passou a revisar sua definição de totalitarismo, enquanto BRZEZINSKI passou a redefinir e prover menos ênfase ao conceito (MICHAEL SCOTT CHRISTOFFERSON; French Intellectuals Against the Left: the Antitotalitarian Moment of the 1970’s, Nova York, Berghahn Books, 2004. ps. 5/8).

“É no contexto da Guerra Fria que, em colaboração com o cientista político e constitucionalista alemão CARL J. FRIEDRICH (1901-84), BRZEZINSKI passou um tempo desenvolvendo o conceito de totalitarismo, visando principalmente caracterizar as ações soviéticas de 1956, o que resultou no livro Totalitarian Dictatorship and Autocracy, publicado no mesmo ano (BRZEZINSKI; FRIEDRICH, 1956). O livro foi, juntamente com As Origens do Totalitarismo, de HANNAH ARENDT, de 1949, um marco na difusão do conceito de totalitarismo no contexto do início da Guerra Fria, um debate que ganhou repercussão grande na Europa e nos EUA.

Com fortes laços familiares nos EUA, C. J. FRIEDRICH se refugiou naquele país quando da ascensão de HITLER, tornando-se professor de Government em Harvard em 1936. Sua obra é marcada por uma profunda repulsa a movimentos de massa e a instrumentos de democracia direta como plebiscitos, argumentando que eles conduzem invariavelmente ao totalitarismo, utilizando sempre como exemplo o caso alemão. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou no Council for Democracy, entidade que tinha por objetivo conscientizar os americanos da necessidade de combater o ‘totalitarismo’. Entre 1946 e 1948, trabalhou como conselheiro para Assuntos de Estado para o Governador Militar da Alemanha, General LUCIUS D. CLAY, participando na elaboração da nova Constituição e na chamada ‘desnazificação’ (JOHN GIMBEL; The American Occupation of Germany: Politics and the Military, 1945-1949, Stanford, CA, Stanford University Press, 1968).

Segundo o pesquisador MICHAEL SCOTT CHRISTOFFERSON, embora haja diferenças significativas entre as apreensões de BRZEZINSKI/FRIEDRICH e ARENDT (como por exemplo, uma abordagem mais filosófica da segunda, e mais fenomenológica e monolítica, dos primeiros), as duas análises seriam ‘significativamente convergentes’, especialmente se comparadas a outras análises pré-Guerra Fria. Ambas consideram o totalitarismo como regimes sui generis, focando suas análises na Alemanha nazista e na URSS sob STALIN, dando pouca atenção ao fascismo italiano, sendo as diferenças entre os regimes stalinista e nazista bem diminutas em vista de suas aparentes similaridades; e ambas também localizam a importância da ideologia nesses regimes como sendo resultado de um esforço de fazer história conforme uma ‘ideologia utópica’. CHRISTOFFERSON anota que, com a primeira deténte – quando fica claro que a URSS congelou seus esforços expansionistas – FRIEDRICH, na edição de 1965 de Totalitarian Dictatorship and Autocracy, passa a revisar sua definição de totalitarismo, enquanto BRZEZINSKI passa a abandonar a ênfase no conceito (MICHAEL SCOTT CHRISTOFFERSON; French Intellectuals Against the Left: the Antitotalitarian Moment of the 1970’s, New York, Berghahn Books, 2004). Como também notaram DOMENICO LOSURDO (Para uma Crítica da Categoria de Totalitarismo, in Crítica Marxista, São Paulo, Ed. Revan, v.1, n.17, 2003), ARNO MAYER (Dinâmica da Contrarrevolução na Europa, 1870-1955, São Paulo, Paz e Terra, 1977) e ENZO TRAVERSO (El Totalitarismo: Usos y Abusos de un Concepto, in FEIERSTEIN, Genocidio: La Administración de la Muerte en la Modernidad, Buenos Aires, Eduntref, 2005), o conceito de totalitarismo serviu como uma arma ideológica da Guerra Fria, sendo por muitos convenientemente descartado quando não mais interessava.” (REJANE CAROLINA HOEVELER; Dominação e Resistência dos Estados Unidos dos Anos 1960: Zbigniew Brzezinski entre Duas Eras, Revista Mosaico, V. 9, nº 1, jan/jun 2016, ps. 8/23)

Já em relação ao outro marco sobre o assunto, a obra As Origens do Totalitarismo, escrita pela teórica política teuto-americana HANNAH ARENDT, foi amplamente reconhecida como um dos primeiros trabalhos de referência sobre o tema, sendo vista como um clássico da filosofia política. O livro, composto de ensaios, – assim como várias outras obras de HANNAH ARENDT –, primeiramente descreve as inúmeras precondições e a posterior ascensão do antissemitismo no continente europeu, desde o início até meados do século XIX. Logo a seguir, a autora se debruça sobre o neoimperialismo (de 1884 até o começo da Primeira Guerra Mundial – 1914/18), examinando a ascensão do racismo como ideologia e sua moderna aplicação como uma “arma ideológica do imperialismo” pelos bôeres durante a Grande Jornada (ou Great Trek), ocorrida entre 1835 e 1854. Por fim, ARENDT analisa o totalitarismo como uma “nova forma de governo”, “diferindo essencialmente de outras formas de opressão política que conhecemos, como o despotismo, a tirania e a ditadura”, na medida em que faz uso do terror para subjugar grandes massas populacionais e não apenas adversários políticos (Ideology and Terror: A Novel Form of Government, The Review of Politics, 15-3, ps. 303-327; ENDRE SZÉCSÉNYI; The Hungarian Revolution in the “Reflections” by Hannah Arendt. Europe or the Globe? Eastern European Trajectories in Times of Integration and Globalization, Viena, IWM, Contemporary Thinkers. The Foundation for Constitutional Government, 2018). Ainda segundo a autora, a perseguição aos judeus teria sido um pretexto para conquistar as massas, algo visto como um interessante recurso de demagogia, uma espécie de procuração muito conveniente. A seu ver, o totalitarismo na Alemanha tinha, afinal, relação com terror e coerência, e não apenas com a erradicação dos judeus (DAVID RIESMAN; comentário sobre a obra As Origens do Totalitarismo, 1º de abril de 1951). Por derradeiro, cabe também ressaltar o conceito-chave surgido no livro referente ao uso da expressão “mal radical”, do filósofo IMMANUEL KANT (JOAN COPJEC; Radical Evil, Verso Books, 1996), que ARENDT aplicou aos tiranos totalitaristas e à representação de suas vítimas como simples “povos supérfluos” (CORNELIS VAN HATTEM, KEES VAN HATTEM; Superfluous people: a reflection on Hannah Arendt and evil. University Press of America, 2005; ANNE CONOVER HELLER; Hannah Arendt: A Life in Dark Times, Houghton Mifflin Harcourt, 2015).

Voltando à questão da natureza humana, vale destacar, – dentre as várias similaridades entre o comunismo e o nazismo –, que ambas concepções ideológicas nutriam a (indisfarçável) convicção de serem (rigorosamente) científicas, apoiando suas respectivas teses em uma pretensa “ciência humana” (ateísta no que concerne ao comunismo, e laica no que alude ao nazismo).

Sob o ponto de vista retrospectivo, é possível apontar que o principal “cientista” do nazismo foi ALFRED ROSENBERG, que confessou, durante o seu julgamento no tribunal de Nuremberg, “que apenas desejava criar uma sociedade superior, mais saudável, sem pessoas deficientes ou composta de raças inferiores”, e, muito embora não se possa indicar, em um contraponto, um único ou principal mentor intelectual da visão científica do comunismo (uma vez que os escritos de KARL MARX e FRIEDRICH ENGELS foram leitura obrigatória para ambos e LÊNIN foi, publicamente, em 1923, comparado a HITLER por GOEBELLS), não há qualquer dúvida de que os dois distintos regimes deixaram em comum uma horrenda herança histórica muito assemelhada: milhares de mortos enterrados em valas improvisadas, além de milhões de pessoas assassinadas pelos mais diferentes métodos, oficializando (e pretensamente legitimando), na prática, uma ostensiva política de genocídio (cf. FRANCOISE THOM, Professora de História Moderna, Sorbonne, Paris; Le jour se lève: l’héritage du totalitarisme en Europe, 1953-2005, 2006).

4. O conceito de Espaço Vital (Lebensraum) em suas vertentes ampla e estrita

O tema concernente ao denominado Lebensraum (espaço vital), de forma diversa da simplicidade com a qual é frequentemente abordado, revela uma certa complexidade conceitual, uma vez que pode ser classificado em duas diferentes categorias. Nessa perspectiva, é possível conferir ao termo em questão um sentido amplo (relativo à expansão territorial deflagrada por ADOLF HITLER, quer sobre territórios outrora pertencentes à Alemanha, e habitados por pessoas de nacionalidade germânica, quer sobre regiões que jamais pertenceram à nação alemã e/ou foram, no passado, habitadas por seus nacionais), bem como um sentido estrito (alusivo especificamente à reanexação de territórios pertencentes à Alemanha, mormente em ocasiões pretéritas à Primeira Guerra Mundial, e ocupados por integrantes de seu povo, em sua esmagadora maioria).

Destarte, interessante registrar, por oportuno, alguns momentos anteriores da política externa nazista, especificamente quanto ao período compreendido entre 1933 a 1938, quando o Terceiro Reich deflagrou uma política que restou conhecida por seu aspecto revisionista, e na qual o objetivo declarado era a superação de diversas restrições impostas pelo Tratado de Versalhes (1919) à Alemanha derrotada na Primeira Guerra Mundial, e, particularmente, a reanexação de territórios outrora pertencentes à Alemanha e povoados por habitantes germânicos. A propósito, um dos exemplos mais incipientes e emblemáticos desse período histórico foi a remilitarização do território da Renânia, episódio ocorrido em 7 de março de 1936, evento este que, embora não tivesse o propósito direto de promover uma política de obtenção de espaço vital em seu sentido estrito, pode ser perfeitamente inserido na vertente ampla do conceito de Lebensraum, como uma espécie de embrião de uma política externa alemã voltada para este futuro objetivo.

Nesse sentido, era um tanto evidente que o Chanceler nazista não se contentaria com singelas revisões a serem empreendidas, com ou sem o acordo das potências ocidentais, no Tratado de Versalhes. De fato, os objetivos de HITLER eram muito maiores, uma vez que ele acreditava solenemente que a criação de um Estado dotado de grandes dimensões territoriais, e que unificasse todos os alemães sob o mesmo teto nacional, era fundamental para o povo alemão e para forjar a Grande Alemanha, o que se iniciaria com a noção de Lebensraum em seu sentido estrito.

Porém, muito além desse objetivo inicial, a ideia preponderante na liderança nazista era que a raça ariana, tendo em vista sua suposta superioridade, demandava e merecia um espaço territorial ainda mais amplo, condizente, pois, com a sua autoproclamada grandeza, mormente no que se refere ao necessário e correspondente abastecimento de matérias-primas e de alimentos. Era fundamental, dizia HITLER, garantir a segurança e a sobrevivência do Terceiro Reich, cuja longevidade, na ótica hitleriana, duraria mil anos (o propalado “Reich de Mil Anos”), mas que durou apenas doze, isto é, de 1933 a 1945, dentro de um contexto de Lebensraum, notadamente em seu aspecto conceitual mais dilatado.

“‘O objetivo da política alemã’, [disse HITLER], ‘é tornar firme e preservar a comunidade racial e engrandecê-la. Trata-se, por conseguinte, de uma questão de espaço (Lebensraum)’. Os alemães, [expôs HITLER], tinham ‘o direito de um maior espaço vital que os demais povos (…). O futuro da Alemanha achava-se, portanto, inteiramente condicionado à solução do problema da necessidade de espaço’”. (WILLIAM L. SHIRER; Ascensão e Queda do Terceiro Reich: Triunfo e Consolidação (1933-1939), vol. I., Rio de Janeiro, Agir, 2010, p. 409)

Conforme amplamente relatado pelos historiadores, HITLER, no contexto de sua doutrina de “supremacia racial” e de sua política externa, entendia que, segundo as leis da natureza, os povos considerados mais “fortes” (o que incluía, obviamente, a raça dita por ele “superior”, isto é, os arianos) deveriam subjugar aqueles rotulados como “fracos”, tese que, a toda evidência, trazia no seu bojo um suposto “direito” de lutar pelo denominado Lebensraum, expressão que, considerada em sua tradução mais elástica, “era um elemento importante da ideologia imperialista alemã desde a década de 1890” (IAN KERSHAW; Hitler, São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 186), muito anterior, portanto, à própria edificação do Terceiro Reich, mas da qual HITLER, de imediato, se apropriou.

Tal expressão, originalmente formulada pelo geógrafo político alemão FRIEDRICH RATZEL (1844-1904), autor da obra Politische Geographie (Munique, Leipzig, 1897), e considerado o fundador da geografia humana, bem como o responsável pelo estabelecimento da geografia política como disciplina, foi posteriormente encampada pelo também geógrafo político e general alemão KARL ERNST HAUSHOFER (1869-1946), para quem a designação em tela traduziria um pretenso “direito”, inerente à uma determinada nação, de buscar e anexar os territórios considerados imprescindíveis para a satisfação das demandas de seu contingente populacional, independente do pertencimento territorial por razões históricas ou étnicas e, portanto, muito diferente (posto que interpretadas através de uma visão ampliada de concepção originária) dos argumentos iniciais que foram usados por HITLER para a ocupação (ou reanexação) da Áustria, dos Sudetos, do restante da Tchecoslováquia e de parte do território polonês, no início da Segunda Guerra Mundial.

Segundo relata a literatura (IAN KERSHAW; Hitler, São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 132 e 651), a aproximação, pelo mesmo no campo das ideias, entre HAUSHOFFER e HITLER ocorrera por intermédio de RUDOLF HESS, que estudou geopolítica com o aludido geógrafo. Não obstante a influência exercida por KARL HAUSHOFER, no que concerne à política expansionista do Reich Nazista, ainda ser objeto de controvérsia, IAN KERSHAW a reconhece como algo provável.

“HITLER dificilmente deixou de ler os escritos imperialistas e geopolíticos em circulação sobre ‘espaço vital’. Entre eles, parece altamente provável que as obras de KARL HAUSHOFER, o maior expoente da ‘geopolítica’, tenham sido uma fonte significativa para sua noção (ampla) de Lebensraum, lidas em primeira mão ou de forma resumida. Por intermédio de RUDOLF HESS, HITLER já conhecia KARL HAUSHOFER antes de 1922. A influência desse autor foi provavelmente maior do que esse então professor de Munique se dispôs a reconhecer mais tarde. Se não conhecia suas obras antes, é certo que HITLER teve tempo de lê-las na prisão [de Landsberg, quando lá esteve pelo fato de ter sido condenado em decorrência do fracassado golpe de Estado perpetrado por ele e outras lideranças do Partido Nazista, episódio ocorrido em 9 de novembro de 1923], bem como as de FRIEDRICH RATZEL, o outro teórico importante da geopolítica”. (IAN KERSHAW; Hitler, São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 187).

FRIEDRICH RATZEL, na seção 1, capítulo 2, do referido texto de 1897, assevera que “a forma correta de entender o Estado é considerá-lo como um organismo, que se encontra enraizado ao solo”, prenunciando, de certa maneira, o consagrado conceito contemporâneo de Estado, concepção que, segundo o entendimento amplamente majoritário na Teoria Geral do Estado, encontra-se fundada na tríade estrutural abrangente dos elementos povo, território e soberania. Tal frase expressa, portanto, uma certa unidade orgânica entre o homem e a sua pátria (Heimat), cuja definição, consoante assevera JEFF MALPAS [Geografia, Biologia e Política: Heidegger Sobre Lugar e Mundo, Natureza Humana, vol. 11, nº 1, jan./jun. 2009, ps. 171-200], “está ligada às ideias do lugar de origem de alguém, o lugar ao qual se pertence, não somente no sentido da região de onde se vem e onde ainda se poderia morar; mas também no sentido de lar da infância de alguém”. Nesse sentido, a ideia de espaço vital ainda resta adstrita a condicionantes de pertencimento por razões históricas, étnicas ou culturais e, portanto, ainda não pode ser considerada em sua vertente ampliada.

Tal conexão (entre o homem e a sua pátria) permite compreender o porquê de as ideias de RATZEL terem sido apropriadas por HITLER para dar cabo à sua política não propriamente expansionista, mas de recuperação territorial, deflagrada em março de 1938 (quando se deu o chamado Anschluss, vocábulo alemão que significa anexação, mas que ilustra, na prática, a reanexação político-militar da Áustria por parte da Alemanha Nazista), cujo objetivo era retomar antigos territórios ocupados por alemães étnicos.

Todavia, a noção de Lebensraum não foi somente apropriada por HITLER. A bem da verdade, dito em sua linguagem mais objetiva, o conceito em questão foi ampliado em sua hermenêutica originária, de modo que ele pudesse abarcar também a ocupação (mediante anexação por invasão) de outras terras, mormente as habitadas por aqueles que os nazistas pejorativamente denominavam de Untermensch (“sub-humano”), tais como os judeus e os eslavos, cujo destino, na ótica de HITLER e de seus sectários, deveria ser a escravização, a expulsão ou o extermínio. Percebe-se, portanto, a simbiose programática entre o pensamento geopolítico alemão daquela quadra (e sua duplicidade interpretativa) e a doutrina de guerra desenvolvida pela Alemanha a partir da chegada de HITLER à Chancelaria do Reich, em 1933.

Nessa linha de raciocínio, HITLER, convencido de que a noção de Lebensraum instrumentalizava, com perfeição, a política externa nacional-socialista, visão de mundo evidenciada nas programáticas (e, paradoxalmente, tão desconsideradas) páginas de Mein Kampf (Minha Luta), livro escrito por ele durante sua permanência no cárcere, e publicado em 1925, começa a aplicar tal conceito a fim de amparar um dos propósitos do Estado Nazista. Com efeito, HITLER, empregando o termo em questão, e pretendendo muito mais do que a simples reanexação de territórios que supostamente pertenciam ao povo alemão (e que eram habitados por germânicos), põe em prática seus indisfarçados objetivos expansionistas, seja no que se refere ao aspecto econômico (busca e incorporação de terras ricas em matérias-primas e dotadas de solos férteis, que viabilizassem, assim, o cultivo de alimentos necessários à sobrevivência e ao desenvolvimento da “superior” nação alemã), seja no sentido biológico-demográfico (busca e incorporação de espaços necessários para a fixação geográfica do contingente populacional de origem germânica).

Pensando economicamente, HITLER explanou que os problemas econômicos da Alemanha somente poderiam ser “resolvidos pela obtenção de maior Lebensraum na Europa”, o que seria “impossível sem invadir outros países ou atacar as possessões de outros povos” [WILLIAM L. SHIRER; Ascensão e Queda do Terceiro Reich: Triunfo e Consolidação (1933-1939), vol. I., Rio de Janeiro, Agir, 2010, p. 638]. Tendo em vista esse propósito, HITLER, então, passa a calibrar a máquina nazista de guerra para a obtenção de terras ricas em recursos que, a seu ver, garantiriam a sobrevivência do Estado alemão. E em seus inúmeros discursos, o Führer sinalizava claramente que a Alemanha intencionava se expandir exclusivamente para a Europa Oriental, em especial à custa da Rússia. Para tanto, ADOLF adicionou às suas razões uma motivação ideológica anticomunista, pelo que ele esperava, se não o apoio das potências europeias ocidentais (Reino Unido e França), que elas ao menos se mantivessem indiferentes quanto ao seu declarado antibolchevismo.

A concepção a respeito do denominado Lebensraum, por essa razão, e em nome de um maior rigor acadêmico, necessita de uma impositiva análise classificatória quanto à amplitude terminológica. Nessa perspectiva, conforme delineado, é imprescindível conferir ao termo em questão um sentido amplo, de modo a abarcar a disputa por territórios ocupados por povos germânicos ou não-germânicos, tal como o que HITLER pretendia fazer, neste último caso, ao invadir a Rússia, dando início à Operação Barbarossa, em 1941. Nesta derradeira hipótese, após a conquista territorial, o próximo passo seria promover o deslocamento forçado (ou até mesmo o aniquilamento) das populações não-germânicas que ali se encontravam. Simultaneamente, ao marchar para o Leste e travar uma guerra com a Rússia, HITLER tinha, conforme frisado, como um dos propósitos basilares destruir o bolchevismo (o comunismo), evidenciando, de certa forma, o embate ideológico que tão bem caracterizou a Segunda Guerra Mundial.

Por outro prisma, o aludido vocábulo também admite um sentido estrito, de maneira a abranger somente a retomada de regiões historicamente ocupadas por alemães étnicos, os quais, por diversas razões históricas, viviam fora das fronteiras da Alemanha, tais como a Áustria, os Sudetos e a Cidade Livre de Danzig.

“Por mil anos [disse HITLER em sua proclamação ao protetorado da Boêmia e da Morávia] as províncias da Boêmia e da Morávia fizeram parte do Lebensraum do povo alemão (…). A Tchecoslováquia demonstrou sua incapacidade inerente para sobreviver, e caiu, portanto, vítima, agora, de verdadeira dissolução. O Reich alemão não pode tolerar contínuos distúrbios nessas regiões (…). Por conseguinte, o Reich alemão, mantendo a lei da autopreservação, está agora decidido a intervir firmemente para reconstruir as bases de uma ordem razoável na Europa Central. Por milhões de anos de sua história, já provou que, graças à grandeza e às qualidades do povo alemão, é o único destinado a empreender essa tarefa”. [WILLIAM L. SHIRER; Ascensão e Queda do Terceiro Reich: Triunfo e Consolidação (1933-1939), vol. I., Rio de Janeiro, Agir, 2010, p. 591].

5. Benito Mussolini

Consoante lições de CARLOS LORCH (Revista da Força Aérea, nº 107, Editora Action, Rio de Janeiro, ago. 2017, ps. 66/67), “BENITO AMILCARE ANDREA MUSSOLINI nasceu em Dovia di Predappio, um pequeno vilarejo na província de Forli, na região conhecida como Romagna, em 29 de julho de 1883. Seu pai, ALESSANDRO, era um pedreiro com forte convicção socialista, e sua mãe, ROSA, uma professora ardentemente católica. BENITO, o mais velho de três filhos, acabou iniciando a vida como professor, em 1901. Dez anos mais tarde, seguindo os passos do pai, passou a ser um importante membro do Partido Socialista Italiano, onde militou com entusiasmo até a chegada da Primeira Guerra Mundial, quando, desiludido pela postura do partido de não apoiar a entrada da Itália no conflito, foi dele expulso, mudando radicalmente suas convicções políticas, até que, em 1914, fundou o Partido Fascista Italiano, de ideias diametralmente opostas.

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A Doutrina do Fascismo

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Durante a Guerra, serviu no Real Exército Italiano chegando a ser ferido por estilhaços de uma granada, e mais tarde, por um obus que explodiu dentro de sua trincheira. Em março de 1919, reorganizou o partido fascista, que inicialmente contava com apenas 200 membros. Mas, já na noite de 27 de outubro de 1922, mais de 30.000 ‘camisas negras’, como eram chamados por seus uniformes característicos, realizaram uma Marcha Sobre Roma para pedir o fim do governo da ocasião, bem como a ascensão de um novo governo fascista ao poder. Na manhã seguinte à marcha, o rei VITOR EMMANUEL III pediu a MUSSOLINI que formasse um novo governo. Como primeiro-ministro escolhido pelo rei, MUSSOLINI foi aos poucos transformando a Itália num Estado totalitário sobre o qual governava soberano sob a alcunha de IL DUCE (o líder supremo). Diversas aventuras militares contra a Grécia e a Albânia e no norte e no nordeste da África se provaram sucessos militares, nem que para lográ-los a Itália tenha praticamente imposto um genocídio na Líbia, campos de trabalho forçados na Cirenaica/Líbia, entre outras barbáries contra as populações daqueles países. Em casa, MUSSOLINI acabou com praticamente todas as liberdades civis, eliminando um a um os seus rivais políticos e tornando-se o dono absoluto do país.

No final dos anos 1930, e com a situação geopolítica se deteriorando rapidamente na Europa, MUSSOLINI fez tudo o que pôde para retardar uma guerra generalizada até pelo menos o ano de 1942, uma vez que tinha absoluta convicção de que a Itália não se encontrava preparada para enfrentar os outros poderes do continente. Isto não significa que não manteve o país ativo militarmente tanto nas colônias africanas como em apoio ao General FRANCISCO FRANCO na Guerra Civil Espanhola. Mas as coisas se precipitaram quando, em 1º de setembro de 1939, tropas alemãs invadiram a Polônia, o que resultou numa declaração de guerra da França e da Grã-Bretanha a HITLER. Em 10 de junho do ano seguinte, temendo perder a oportunidade de anexar territórios franceses à Itália, uma vez que aquele país estava praticamente aniquilado pela moderna força do Blitzkrieg alemão, MUSSOLINI entrou no conflito ao lado da Alemanha Nazista. Sua estratégia era a de se concentrar no continente africano, onde seu país possuía expressiva superioridade numérica frente aos britânicos seus súditos das colônias de além-mar. Três meses mais tarde, mesmo após reveses no norte da África, tropas italianas cruzaram a fronteira entre a Líbia e o Egito abrindo a Campanha do Deserto Ocidental, um avanço inicialmente produtivo até que as forças de combate tiveram que parar o ataque e esperar a chegada de seus suprimentos no oásis de Sidi Barrani. Em outubro de 1940, um Corpo Expedicionário Aéreo foi enviado para bases na Bélgica, de onde a Regia Aeronautica lançou missões contra a Inglaterra, na campanha que viria a ser chamada de Batalha da Grã-Bretanha. Em outubro de 1941, forças italianas atacaram a Grécia, inicialmente com sucesso, mas em seguida vendo aquela expedição se transformar num enorme desastre, que resultaria na perda de um quarto da Albânia anteriormente conquistada. No verão daquele mesmo ano, tropas italianas apoiaram os alemães na invasão à Rússia, e assim como acabou ocorrendo com aquele país aliado, a campanha foi um enorme fracasso. O ataque japonês a Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, acabaria também por instaurar o estado de beligerância entre a Itália de MUSSOLINI e os Estados Unidos. Uma nova realidade que traria grandes preocupações ao Eixo.

No início do ano seguinte, a situação do ditador italiano já se mostrava insustentável. Depois da derrota em El Alamein, no Egito, em outubro e novembro de 1942, as forças do Eixo no Deserto Ocidental foram paulatinamente empurradas pelos ingleses na direção da Tunísia, onde seriam finalmente derrotadas no início de 1943. O crescente número de baixas italianas na campanha da Rússia tornara-a também enormemente impopular. Finalmente, com os desembarques da Operação Husky, na Sicília, levada a cabo entre julho e agosto de 1943, não restavam mais dúvidas de que a bota italiana em breve seria invadida pelos Aliados.

A superioridade aérea sobre a Itália já há muito fora tomada pelo inimigo, que bombardeava fábricas, concentrações de tropas, usinas de energia e de refino de petróleo, entroncamentos rodoviários e ferroviários e outros alvos estratégicos, causando o desaparecimento de matérias-primas fundamentais como o carvão, o petróleo e os alimentos. Nascia nas ruas um poderoso mercado negro e a máquina de propaganda fascista não conseguia mais convencer os italianos dos benefícios do regime. Greves de trabalhadores se seguiram e logo qualquer apoio popular ao DUCE se esvaía. A forte presença de tropas alemãs na Itália tampouco ajudava, pois à medida que os italianos comuns voltavam suas esperanças para a chegada dos Aliados, aumentavam as represálias contra eles.

Quando as forças anglo-americanas desembarcaram na Sicília, foram recebidas como heróis, e, em 24 de julho de 1943, MUSSOLINI resolveu reunir o Grande Conselho Fascista para tentar estancar a crescente revolta que já imperava entre seus membros. Quando ele anunciou que os alemães estavam considerando remover as suas tropas do sul do país, o conselho votou por sua renúncia e a retomada do poder pelo rei VITOR EMMANUEL por 19 votos a sete. No dia seguinte, o rei recebeu-o no palácio e logo que terminou o encontro, ordenou sua prisão, que foi levada a cabo por tropas Carabinieri, agora leais ao Marechal PIETRO BADOGLIO, escolhido pelo monarca para ser o novo chefe do governo italiano. Três horas após sua prisão, o soberano anunciou através do rádio que MUSSOLINI não era mais o primeiro-ministro italiano. Assim que foi informado do ocorrido, ADOLF HITLER ficou furioso. E uma semana mais tarde, ordenou que seu amigo fosse resgatado e trazido para a Alemanha.” (CARLOS LORCH; ob. cit., ps. 66/67)

Em uma operação, – batizada de EICHE (CARVALHO), conduzida dia 12 de setembro de 1943 e considerada “como uma das mais icônicas de forças especiais da história” (ibidem) –, MUSSOLINI, “em apenas 11 dias após a exitosa missão, tornou-se líder da nova República Socialista Italiana (um governo apoiado pela Alemanha com sede no norte da Itália)” (ibidem), porém com uma nova imagem, profundamente desgastada, de “marionete” dos alemães, acabou não conseguindo se restabelecer como líder do povo italiano (que acabou se dividindo entre um acordo de paz com os Aliados e a manutenção da aliança com a Alemanha), obrigando, com os gradativos avanços aliados sobre o território italiano e do Eixo, após o desembarque na Sicília, a se refugiar em Gargano, e, posteriormente, com a proximidade do fim da guerra, “resolveu escapar e negociou um acordo com o governo de FRANCISCO FRANCO, que se mostrou disposto a lhe conceder um asilo na Espanha, tendo rumado para a fronteira suíça em 26 de abril de 1945, quando dois dias mais tarde seu comboio foi parado, nas margens do Lago de Como, por partisans comunistas e, identificado, foi imediatamente capturado e levado para GIULINO DI MEZZEGRA” (ibidem), sendo o próprio e sua comitiva executados e seus corpos levados para serem expostos em Milão, pendendo de cabeça para baixo.


*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. E-mail: reisfriede@hotmail.com.

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2 comentários

  1. Artigo denso, pesado, como o assunto acerca do qual versa assim o é. Aprendemos muito ao ler material de tamanha riqueza. Posso não concordar com todo seu conteúdo, mas sou irresistivelmente convidado a estudar mais e mais, para tentar discutir e refletir ainda mais. Obrigado por trazer essa oportunidade a seus assinantes, VG!

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