O Hurricane P.3175 e a Batalha da Inglaterra

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O Hawker Hurricane Mk.1 R4118 G-HUPW, o último Hurricane Mk.1 que participou da Batalha da Inglaterra ainda em condições de voo. (Foto: John Dibbs/Flying Legends).

O Hawker Hurricane Mk.1 série P.3175 foi um dos mais de mil caças perdidos pela Royal Air Force durante a Batalha da Inglaterra. Seus restos estão hoje no Museu da Batalha da Grã-Bretanha em Hendon; o oficial que o pilotava, o P/O Maffett, está sepultado em Windsor Road. Este é um pequeno recorte que sintetiza a história dessa grande batalha.


Após a derrota da França, o Reino Unido era a única força a se opor aos nazistas. Hitler havia ordenado os preparativos para a invasão da Inglaterra, mas para que o plano tivesse sucesso a Luftwaffe precisava do domínio aéreo sobre o Canal da Mancha e sul da Inglaterra. Assim, naquele momento, a RAF (Royal Air Force, Real Força Aérea), em especial o Comando de Caças (Fighter Command), se transformou no único instrumento da Inglaterra para evitar a invasão e continuar a luta contra o nazismo.

Então, entre julho e outubro de 1940 a RAF e a Luftwaffe travaram um intenso combate pelo controle dos céus da Bretanha, no episódio conhecido como Batalha da Inglaterra. Ao longo da batalha, os ingleses tiveram seus recursos materiais e, principalmente, humanos, exigidos ao limite, com o Comando de Caça rechaçando os contínuos ataques alemães. “Estávamos constantemente patrulhando e interceptando”, recorda Norman Hancock, piloto de caça da RAF (IWM SR 101119).


FIGURA 01: mapa do Alto Comando alemão com os planos de invasão da Inglaterra, a Operação Leão Marinho (Fonte: IWM Documents 11929).

A história do P.3175 não difere da de outros aviões que participaram da batalha, mas através de sua ficha de registro podemos fazer um pequeno recorte que sintetiza a história da Batalha da Inglaterra. A necessidade de proteger os comboios marítimos que traziam os suprimentos necessários para a sobrevivência dos ingleses, os constantes ataques da Luftwaffe e os acionamentos de emergência (Scramble), o esforço das tripulações e pessoal de terra para cumprirem suas missões e o sacrifício dos jovens pilotos.

As origens do P.3175

O Hurricane foi projetado por Sydney Camm no início dos anos 1930 a partir do Hawker PV.3, criado para atender à especificação F.7/30, mas como a Hawker não obteve o financiamento, o projeto continuou como um empreendimento privado. Camm revisou o projeto e instalou nele um motor Rolls-Royce Merlin PV-12, conseguindo o financiamento em setembro de 1934.

Em janeiro de 1935 o Ministério do Ar emitiu a especificação F.36/34, tendo como base o projeto de Camm e prevendo a instalação de oito metralhadoras calibre .303. Após o término dos testes, em junho de 1936, o ministério encomendou seiscentos aviões.

O P.3175 fazia parte de um lote de 40 aeronaves construídas pela Gloster Aircraft Company Ltd., recebendo o número de construtor GO/89296. Foi o primeiro lote de Hurricanes produzidos pela Gloster, referente ao contrato nº 962371/38/C.23a para 500 aeronaves, entregue a partir de novembro de 1939, serializado de P.2535 a P.3264, que incluía o lote série P.3140-P.3179.


FIGURA 02: O protótipo do Hurricane (K5083) durante seu primeiro voo, em 6 de novembro de 1935 (Foto: Bae Systems Heritage).

Em 29 de junho de 1940, o P.3175 foi enviado para a Unidade de Manutenção (UM, Maintenance Unit) nº 10 da base RAF Hullavington, para armazenamento até ser destacado para o Esquadrão Nº 257 e codificado DT-S, chegando à base RAF Northolt em 9 de agosto de 1940.


FIGURA 03: emblema do Esquadrão Nº 257 (Fonte: IWM CH 12314).

O esquadrão Nº 257 havia sido formado em 17 de maio de 1940 na base RAF Hendon e equipado com Spitfires, mas tornou-se operacional na base RAF Northolt equipado com Hurricanes. Durante a Batalha da Inglaterra fez parte do Nº 11 RAF Group. Em março o Nº 257 começou a participar de missões de varredura sobre a França, e durante a Batalha da Inglaterra estava baseado no sudeste da Inglaterra.

Apesar do Spitfire ser mais lembrado, foi o Hurricane que suportou o maior peso das operações durante as batalhas da França e Inglaterra, sendo responsável por 60% dos abates de aeronaves da Luftwaffe durante a Batalha da Inglaterra. O Hurricane não possuía a mesma velocidade e taxa de subida do Spitfire, mas tinha uma estrutura robusta, resistente a danos e era mais fácil de pilotar.

Conforme Geoffrey Page, um dos poucos que pilotou ambas as aeronaves durante a Batalha da Inglaterra, “Ambas eram adoráveis, mas de maneiras diferentes. Eram aviões encantadores. Eu tendo a dar um exemplo do bulldog e do greyhound, o Hurricane sendo o bulldog e o greyhound sendo o Spitfire. Um é uma espécie de animal de trabalho resistente e o outro um cão rápido e elegante” (IWM SR 11103).


FIGURA 04: formação de Hurricanes do esquadrão Nº 85 em outubro de 1940 (Foto: IWM CH 1510).

Durante a batalha da Inglaterra, devido as características de ambas aeronaves, os Spitfires ficariam encarregados dos caças, enquanto os Hurricanes ficariam com os bombardeiros. Mas, como lembra Geoffrey Page, “nos estágios iniciais descobri que nos envolveríamos tanto com bombardeiros quanto com os caças, quando estávamos voando Hurricanes” (IWM SR 11103).

Em Serviço

Em 12 de agosto de 1940 a Batalha da Inglaterra já estava em seu 34º dia, e o P.3175 partiu em sua primeira missão entre as 10h20 pilotado pelo Sgt Hulbert (não existe outro nome no registro do avião) para um voo de reconhecimento no setor de Northolt, retornando às 10h50.

Às 13h50 partiu para o campo de pouso de Tangmere, pilotado pelo F/O Mitchell (Flight Officer, equivalente a segundo-tenente), chegando às 14h20. Às 16h00, Mitchell (não existe outro nome no registro do avião) e o P.3175 foram enviados em patrulha à área de Portsmouth, onde entraram em combate. Após quarenta minutos, retornou a Tangmere. Às 20h00 ambos partem em retorno à Northolt, chegando vinte e cinco minutos depois.

Nesse dia os alemães haviam concentrado seus esforços sobre as estações de radar e campos de pouso na região de Dover e arredores. Muitos campos de pouso foram inutilizados, mas, apesar dos danos sofridos, o sistema de radar deixou de funcionar por muito pouco tempo.


FIGURA 05: piloto do esquadrão Nº 19 realizando o debriefing da missão logo após o pouso, como era costume (Foto: IWM CH 1457).

13 de agosto era o dia para o qual os alemães haviam planejado seu esforço supremo para eliminar a RAF, o Dia da Águia (Adler Tag). Para isso estavam há semanas preparando-se e esperando o dia propício. Nesse dia o tempo estava limpo, e logo no início da manhã bombardeios Do-17 decolaram para bombardear a estação da RAF em Surrey, base do Comando Costeiro erroneamente identificada como sendo do Comando de Caças.

Porém, o comandante da Luftwaffe, Herman Goering, foi informado de que o tempo não estava tão bom sobre o Canal da Mancha e decidiu cancelar a operação. As ordens chegaram às unidades de caça, mas não a todas as unidades de bombardeios. Em consequência, muitas formações de bombardeios efetuaram ataques sem escolta, transformando o dia em um desastre para a Luftwaffe.

Às 06h20 o Nº 257 foi acionado (Scramble), e o F/O Mitchell e o P.3175 partiram em direção ao sul de Tangmere, onde entraram em contato com os alemães. Às 07h35min Mitchell pousou em Tangmere reivindicando a destruição de um Ju-88. Às 16h25 partiram em patrulha para proteger comboios de navios e foram redirecionados para interceptar aeronaves alemães, retornando às 17h55. Às 19h05 partiram de volta para sua base em Northolt, onde chegaram 30 minutos depois.


FIGURA 06: “Scramble!!!”. Pilotos acionados para interceptar bombardeiros alemães correm para seus Hurricanes (Foto: IWM HU 49253).

O dia 14 de agosto começou nublado, prenunciando um dia de pouca atividade. Próximo ao meio dia o tempo começou a limpar e uma grande formação da Luftwaffe atacou os campos de aviação de Dover e Kent, e o campo de Middle Wallop foi atacado por pequenos grupos da Luftflotte 3.

Nesse dia Mitchell e o P.3175 foram enviados ao campo de pouso de North Weald, partindo às 11h55 e chegando ao destino às 13h40. Às 17h25 partiram de volta para Northolt, onde chegaram às 17h50.


FIGURA 07: estação de radar de Bawdse, em Suffolk. Dezenas de estações semelhantes formavam a rede “Chain Home” (Foto: IWM CH 15377).

Tal como no dia anterior, o dia 15 de agosto amanheceu nublado e começou a melhorar perto do meio dia. Aproveitando o mau tempo, Goering se reuniu com seu alto-comando exigindo explicações para os resultados negativos que a Luftwaffe vinha apresentando. E à tarde o alto-comando alemão reiniciou os bombardeios, levando o Comando de Caças da RAF ao seu limite.

Como de costume os ataques se iniciaram na região de Dover, partindo de aeródromos do norte da França. As estações de radar de Dover, Rye e Foreness foram duramente atingidas pelos Ju-87 e tiveram que ser fechadas. As pistas de pouso de Lympne e Martlesham Heath sofreram danos consideráveis, ficando fora de ação por dois dias. Mas ao norte, os ataques da Luftflotte 5 partindo de bases na Noruega e Dinamarca foram neutralizados pela RAF.


FIGURA 08: uma das estações de monitoramento de radar (Foto: acervo pessoal do autor).

FIGURA 09: Sala de Operações do Comando de Caças (Foto: acervo pessoal do autor).

Às 06h30, assim como no dia anterior, Mitchell e o P.3175 partiram para North Weald, chegando ao destino trinta minutos depois. Às 10h00 decolaram para uma missão de patrulha dos comboios marítimos, retornando à Northolt às 11h40. À tarde o esquadrão Nº 257 se deslocou para Debden. O F/O Mitchell fez seu último voo no P.3175, decolando de Northolt às 17h00 e pousando em Debden vinte minutos depois. Devido à transferência, o esquadrão não operou no dia seguinte.

No dia 17 de agosto de 1940, apesar do tempo bom, os alemães não realizaram nada mais que alguns voos de reconhecimento ao longo do dia. Estavam se recuperando do esforço dos dias anteriores e se organizando para o dia seguinte. Os ingleses aproveitaram para remanejar tripulações de outros comandos para preencher esquadrões e reparar suas bases e aeronaves. À noite, Liverpool e Coventry foram bombardeadas, causando a morte de civis.

A partir desse dia o P.3175 passou a ser pilotado pelo P/O Gerald Hamilton Maffett (Pilot Officer, equivalente a aspirante na FAB). Ele nasceu em Murree, na Índia (atual Paquistão), em 11 de junho de 1916. Estudou no Imperial Service College, em Windsor, do qual saiu em 1934, indo trabalhar no Daily Mail, em Londres.


FIGURA 10: Pilot Officer Gerald Hamilton Maffett (Foto: Battle of Britain Memorial).

Em 1938 juntou-se ao Royal Air Force Volunteer Reserve (RAFVR), sendo convocado dia 1º de setembro de 1939 quando a guerra começou. Após terminar o treinamento e a conversão operacional para o Hurricane, juntou-se ao Nº 257 em julho de 1940.

No dia 17 de agosto, Maffett realizou suas duas primeiras missões no P.3175 para reconhecimento no setor de Debden. A primeira das 10h30 às 11h30, e a segunda das 14h30 às 15h30.

No dia 18, como na maior parte dos dias, devido a questões meteorológicas, os ataques começaram no final da manhã. Até agora os ataques da Luftwaffe haviam se concentrado em reides com pequenas formações contra bases e campos de pouso menores, mas esse dia foi diferente.

Às 12h10 Maffett decolou de Debden no P.3175 para patrulhar o canal. Às 12h25 a estação de radar de Dover começa a detectar intensa atividade aérea na área de Calais, exageradamente estimada em 350 aviões. Às 12h35 Maffett retornou da patrulha, ao mesmo tempo em que o Corpo de Observadores (Observer Corps) começou a passar informes mais realistas, mas ainda imprecisos, da situação. O Comando de Caças iniciou a mobilização e disposição dos esquadrões do Grupo 11 em suas áreas de patrulha.


FIGURA 11: aeronaves inglesas e alemãs combatendo a alta altitude, formando trilhas de condensação. Era uma vista comum para os britânicos durante a Batalha da Inglaterra (Foto: IWM H 4219).

Às 13h05 a RAF havia iniciado os primeiros engajamentos quando confirmam as intenções dos alemães: as bases de Biggin Hill e Kenley, ao sul de Londres, que eram os postos chave do Comando de Caças. Como alguns esquadrões foram dispostos mais ao sul, não tiveram condições de interceptar os ataques, que combinaram aeronaves a alta e baixa altitude.


FIGURA 12: jornaleiro acompanhando os combates aéreos (Foto: IWM HU 810).

O resultado foi devastador. Vários prédios, hangares e aeronaves foram destruídos, com o centro de comando de Kenley, a mais atingida das duas bases, tendo que ser transferido às pressas para um açougue nas proximidades. Os ataques à baixa altitude foram particularmente mais destruidores, com os alemães sendo vistos somente quando já estavam em sua aproximação final de ataque.

 Às 13h53 chegou a última onda de ataque de alto nível sobre Biggin Hill, composta por bombardeiros He-111 e Ju-88, apenas três minutos após a passagem de alguns Do-17 a baixa altitude. Mas estes se preocuparam mais em se livrar dos caças dos esquadrões Nº 32 e Nº 610 do que em acertar seus alvos.

Final da tarde os alemães voltaram para uma série de ataques menores. Croydon e Manston foram duramente atingidas. O esquadrão Nº 257 foi acionado, e Maffett decolou com o P.3175 de Debden às 17h00. Por volta das 17h50 o esquadrão interceptou uma formação mista de 50 bombardeiros Heinkel He-111 e Dornier Do-17/215 sobre o estuário do Tâmisa. Maffett e o P.3175 retornaram a Debden às 18h00, sendo creditada a Maffett a derrubada de um Dornier.


FIGURA 13: Formação de bombardeiros Heinkel He-111 sendo atacada por um Spitfire do Esquadrão Nº 609, em 25 de setembro de 1940 (Foto: IWM CH 1823).

O dia 19 de agosto foi um relativamente calmo, com alguns ataques aleatórios à tarde e a noite, com ambos os lados dedicando-se a avaliar o andamento da batalha. Às 10h00 Maffett decolou de Debden com destino à Martlesham Heath, chegando trinta minutos depois. Após vinte minutos, decolou de volta à Debden, onde chegou às 11h10. Às 12h45 todo esquadrão se deslocou para Martlesham Heath. Ainda naquele dia, Maffett e o P.3175 participaram de duas patrulhas de comboios, uma das 15h00 às 16h05 e a outra das 19h15 às 19h55.

Após a mudança para Martlesham o registro de voo do P.3175 passou a ser feito de forma ainda mais resumida, provavelmente devido à mudança de pessoal. Antes dessa data ele já não apresentava detalhes, mas a partir do dia 20 de agosto passou a se resumir em horário, origem, destino, piloto e tipo de missão. Algumas abreviaturas foram usadas para se referir a bases da RAF.

O dia 20 de agosto amanheceu com tempo ruim, o que restringiu as atividades. Porém houve ataques em Oxford, Southwould, Manston, Eastchurch e nas instalações de petróleo de Pembroke. O Grupo 11, do qual o esquadrão Nº 257 fazia parte, teve problemas para realizar as interceptações devido ao mau tempo. Nesse dia, Maffett e o P.3175 foram acionados (Scramble) três vezes para interceptar bombardeiros, das 09h20 às 10h30, das 15h00 às 15h50 e das 18h25 às 19h15.


FIGURA 14: um Hurricane do Esquadrão Nº 85 sendo remuniciado na base RAF Debden, em 25 de julho de 1940 (Foto: IWM HU 54510).

O tempo piorou no dia 21 de agosto, e a Luftwaffe usou táticas de assédio usando grupos pequenos de aeronaves. Maffett e o P.3175 foram acionados às 09h20, retornando a Martlesham Heath às 10h40. À tarde foram novamente acionados, entre 14h30 e 15h30.

No dia 22 de agosto o P.3175 foi enviado à Debden para manutenção, partindo de Martlesham às 10h10 pilotado pelo sargento Robinson (O registro do avião não contém outro nome), que retornou a Martlesham pilotando o P.3620. A prática da troca de aeronaves (“machine exchange”) era a forma como a RAF buscava realizar a manutenção das aeronaves sem desfalcar os esquadrões. Dia 25 de agosto o P.3175 retornou à Martlesham.


LIVRO RECOMENDADO

One Hurricane, One Raid

  • G.H. Rayner (Autor)
  • Em inglês
  • Capa dura

O dia 26 de agosto foi marcado por fortes ataques contra o Comando de Caças. Dover e Folkestone foram os primeiros lugares a serem bombardeados, logo em seguida Biggin Hill, Kenley e outros campos de pouso ao sul de Londres. À tarde, Debden foi atacada, tendo um hangar completamente destruído. E à noite as cidades de Birmingham, Plymouth, Lincolnshire, Sunderland e West Hartlepool foram bombardeadas.

Nesse dia, Maffett voltou ao comando do P.3175, realizando duas missões de patrulha a comboios marítimos, uma entre 09h00 e 10h30, e a outra entre 13h00 e 14h45. Às 19h55 foi acionado, retornando vinte minutos depois.

Em 27 de agosto o dia amanheceu chuvoso e a Luftwaffe limitou-se a realizar alguns ataques esparsos, porém um considerável número de voos de reconhecimento foi realizado para determinar os danos causados nos últimos dias. Maffett e o P.3175 realizaram duas missões de patrulha aos comboios pela manhã, a primeira das 08h10 às 09h40, e a segunda das 11h15 às 12h05.


FIGURA 15: pilotos do Esquadrão Nº 610 relaxam entre uma surtida e outra na zona de dispersão de Hawkinge, em 29 de julho de 1940 (Foto: IWM HU 1062).

Esperava-se que o mau tempo continuasse no dia 28, porém as condições melhoraram durante a noite e às 08h45 os radares começaram a detectar várias formações da Luftwaffe se agrupando na costa francesa, a oeste de Dunquerque.

Cerca de 100 aeronaves, das quais pouco mais da metade eram caças, cruzaram o canal em direção à Eastchurch e Rochford. O reforço no número de caças impossibilitou a RAF de chegar aos bombardeiros, apesar de todos os esforços. À tarde uma grande formação de caças Me-109 em busca de alvos atacou a região de Kent. À noite, Londres e Coventry foram bombardeadas e Liverpool foi duramente castigada.

Às 09h10min Maffett e o P.3175 foram acionados, retornando a Martlesham às 09h55min. No início da tarde foram novamente acionados, decolando às 13h30 e retornando às 14h10. Entre 15h40 e 16h10 o P.3175 realizou dois voos de teste de dez minutos cada.

A manhã de 29 de agosto foi tranquila, mas à tarde grandes formações de caças procuravam atrair a RAF para o combate. Mais de quinhentos Me-109 e cem Me-110 sobrevoaram Kent, e o Grupo 11 decolou para interceptá-los, pois esperavam que houvesse bombardeiros na formação. Mas ao constatarem que era composta somente por caças, o grupo seguiu as orientações do comando e evitou o combate. À noite, Tyneside, Hartlepool, Swansea, Manchester e Liverpool foram bombardeadas sem grandes danos.


FIGURA 16: o Líder do Esquadrão Nº 257, S/Ldr Roland Stanford Tuck em Martlesham Heath, 23 de setembro de 1940 (Foto: IWM CH 1681).

Nesse dia, Maffett e o P.3175 realizaram três missões de patrulha aos comboios. A primeira entre 06h30 e 07h30, a segunda entre 10h17 e 11h36, e a terceira entre 14h50 e 15h40. No final da tarde foram novamente acionados, decolando de Martlesham às 18h10 e retornando às 19h05.

O dia 30 de agosto amanheceu com o tempo bom e a previsão era que continuaria assim pelos próximos dias. Por causa disso, esperava-se grande atividade. No início da manhã a Luftwaffe voltou a atacar os comboios, algo que a não faziam há vários dias. Mas a intenção era atrair os caças da RAF para o combate. As linhas de fornecimento de energia foram atingidas, deixando as estações de radar de Dover, Rye, Pevensey, Foreness, Beachy Head e Whistable fora do ar por três horas.


LIVRO RECOMENDADO

A Batalha de Inglaterra: Junho-Outubro 1940

  • Jérôme de Lespinois (Autor)
  • Em português
  • Capa comum

Mais tarde uma grande formação foi detectada vindo de Pas de Calais a alta altitude em direção a Biggin Hill, mas que também visavam Shoreham e Tangmere. Ainda pela manhã uma segunda onda atinge Biggin Hill e à tarde uma terceira onda, composta por 10 Ju-88, deixou o campo de pouso praticamente destruído. Os campos de Kenley e Detling também foram atingidos, sendo esse último posto fora de ação até o dia seguinte. Uma fábrica em Luton foi atingida, causando grande número de vítimas. Ao final do dia os alemães haviam realizado 1.310 incursões contra a Grã-Bretanha.

Nesse dia agitado, Maffett voou duas missões de patrulha aos comboios no canal, a primeira entre 09h30 e 10h40, e a segunda entre 11h10 e 12h35. À tarde, Maffett e o P.3175 foram acionados, decolando às 16h15 de Martlesham e retornando às 17h35. O registro do avião não é claro, mas possivelmente ambos realizaram mais dois voos durante a noite.


FIGURA 17: tripulante de um bombardeiro alemão sendo interrogado por um policial e membros da Home Guard após saltar de seu avião, em 30 de agosto de 1940 (Foto: IWM KY 10266).

A previsão de tempo limpo se confirmou no 31 de agosto, 53º dia da Batalha da Inglaterra, apesar de levemente nublado em algumas áreas. A RAF pagou um preço particularmente elevado nesse dia. A primeira onda atingiu as bases de Duxford, Debden e North Weald, com a segunda, composta por aproximadamente 100 aeronaves, atingindo Biggin Hill e Croydon. Uma terceira onda atingiu Hornchurch quando os Spitfires do esquadrão Nº 54 estavam decolando, destruindo algumas aeronaves ainda no solo.

No final da tarde uma última onda atingiu novamente Biggin Hill e Hornchurch. Mas apesar dos danos, ambos os campos de pouso estavam em condições de uso no dia seguinte. À noite Liverpool foi novamente atacada.

Nesse dia o P.3175 era um dos 417 Hurricanes disponíveis para o Comando de Caças. Maffett decolou de Martlesham às 08h25min integrando uma formação de nove Hurricanes com a missão de patrulhar a região da sua base. Quando a primeira onda foi detectada a formação foi redirecionada para patrulhar a região de Debden. A formação encontrava-se a 15.000 pés quando observaram uma formação de cinquenta Me-110 a 16.000 pés escoltando bombardeiros Do-17 a caminho de Debden e Duxford.

Às 08h45min o P.3175 foi derrubado. Segundo testemunhas, o avião estava caindo em espiral, quando Maffett, aproveitando o momento quando a aeronave ficou de cabeça para baixo, saltou do P.3175 a pouco mais de 120 metros de altitude, porém seu paraquedas não abriu. O P.3175 foi um dos 41 Hurricanes perdidos ao longo do dia; e Maffett, com vinte e quatro anos, foi o quarto dos nove pilotos perdidos pela RAF naquela data.


FIGURA 18: Pedaços de um bombardeiro Dornier Do-17 perfurados por tiros sendo estocados em ferro velho de aviões alemães abatidos, em agosto de 1940. Nenhum Do-17 sobreviveu à guerra (Foto: IWM HU 104718).

A Batalha da Inglaterra ainda duraria até 31 de outubro, atingindo o total de 114 dias, quando o plano de invasão da Grã Bretanha, a Operação Leão Marinho (Seelöwe) foi definitivamente cancelado. Os bombardeios noturnos sobre Londres e outros centros urbanos continuaram, mas o risco de uma invasão por terra havia deixado de existir.

Maffett foi enterrado dia 4 de setembro de 1940 no cemitério de Windsor Road, em Bray. A pedido da mãe, a cruz de madeira da Comissão Imperial de Guerra foi mantida após a guerra e atualmente encontra-se protegida dos elementos por uma proteção colocada pela família. Ele divide a sepultura com seu irmão mais velho, o W/Cmdr John Francis Maffett (Wing Commander, equivalente a major na FAB), morto em 12 de fevereiro de 1942 quando o Beaufighter no qual viajava para o Egito foi derrubado perto de Malta.


FIGURA 19: Túmulo da família Maffett (Foto: Angela Ruddick/Aircrew Remembered).

A recuperação do P.3175

O P.3175 caiu numa região pantanosa do litoral, em Hamford Water. Após a queda a maioria das armas e munições foram retiradas dos destroços por um membro da Guarda Nacional local, e outras peças foram retiradas durante a guerra por soldados de um acampamento próximo.

Com o passar do tempo, a estrutura do P.3175 foi sendo enterrada pelo pântano e sedimentos, ao mesmo tempo que era corroída pela água salgada e maresia. Até que na década de 1960 o pedaço restante da longarina da asa de estibordo foi encontrado saindo do pântano. Em 1971, após uma erosão, outras partes da estrutura corroída foram reveladas.

Em dezembro de 1972 um entusiasta da arqueologia, tenente Geoff Rayners, iniciou a escavação do sítio. O P.3175 estava de cabeça para baixo, com o nariz enfiado na lama e havia ainda em torno cerca de cem cartuchos de metralhadora calibre .303. A história da recuperação da aeronave foi detalhadamente registrada por Rayners e publicada no livro One Hurricane One Raid.

Entre 1 e 8 de abril de 1973 o que restou dos componentes principais da asa e da fuselagem foram recuperados com a ajuda do Colchester Air Training Corps e armazenados em Walton. Muito pouco restou do P.3175. Somente a raiz da asa de bombordo, o motor e a parte dianteira da fuselagem, do assento do piloto para frente.

Em maio, o motor Rolls-Royce Merlin III (Nº 22637) foi levado à Colchester para limpeza, sendo exibido no dia aberto da Batalha da Grã-Bretanha na base RAF Coltishall, em agosto, e em um cinema em Clacton, em dezembro de 1973. Em 31 de julho de 1977, os restos da estrutura foram levados de caminhão para o RAF Museum de Londres (Hendon), onde foi embalada a vácuo e armazenada.


FIGURA 20:  restos do P.3175 expostos no Museu da Batalha da Grã-Bretanha (Foto: acervo pessoal do autor).

Em Junho de 1978 o motor foi coletado pelo esquadrão Nº 308 e enviado com as demais partes para o novo Museu da Batalha da Grã-Bretanha em Hendon, onde foi novamente colocado nos restos do P.3175. Em 28 de novembro de 1978 o Museu da Batalha da Grã-Bretanha foi inaugurado oficialmente pela rainha Elizabeth II, onde, desde então, o P.3175 está em exposição.

Referências

31.08.1940 No. 257 Squadron Hurricane I P3175 DT-S P/O Maffett. Aircrew Remembered. 2018. Disponível em: http://aircrewremembered.com/maffett-gerald.html. Acesso em: 21 outubro 2020.

Airmen’s Stories – P/O G H Maffett, The. The Battle of Britain London Monument. Disponível em: http://bbm.org.uk/airmen/Maffett.htm. Acesso em: 21 outubro 2020.

Battle of Britain Day by Day. Battle of Britain Day by Day. Disponível em: https://battleofbritain.wordpress.com. Acesso em: 21 outubro 2020.

Chronology of the Battle of Britain. Battle of Britain Historical Society. 2007. Disponível em: https://www.battleofbritain1940.net/0019.html. Acesso em: 21 outubro 2020.

GUNSTON, Bill. Bombardeiros da II Guerra. 10ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1986. 160 p.

GUNSTON, Bill. Caças dos Aliados da II Guerra Mundial. 10ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1986. 160 p.

Hawker Hurricane. Bae Systems, 2020. Disponível em: https://www.baesystems.com/en-uk/heritage/hurricane. Acesso em: 21 outubro 2020.

Listen to RAF pilots tell the story of the Battle of Britain. Imperial War Museum, Battle of Britain Transcripts. Disponível em: https://www.iwm.org.uk/history/listen-to-raf-pilots-tell-the-story-of-the-battle-of-britain.

Royal Air Force Museum, Hawker Hurricane Mk. I P3175 79/A/1722-23. 2013.

SHERMER, David; HEIFERMAN, Ronald; MAYER, S.L. As Guerras do Século XX. Rio de Janeiro: Primor, 1975. 511 p.

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3 comentários

  1. Que história fantástica. Quanta informação e conhecimento não deve ter nesses históricos de batalha dos esquadrões. Se desse pra fazer de cada aeronave que participou das guerras… Seria um trabalho hercúleo, mas devera interessante.

    1. Muito obrigado Kleber. Na verdade, este é um projeto do autor, traçar o perfil de algumas aeronaves que participaram de combate real. Este é o terceiro que publicamos, temos o perfil de um Canberra (https://velhogeneral.com.br/2020/05/12/o-canberra-we139-e-a-ultima-grande-corrida-aerea/) e de um Pucará (https://velhogeneral.com.br/2020/09/18/o-pucara-a-515-das-malvinas-a-inglaterra/). É um trabalho que leva tempo, como você mencionou, mas conforme a disponibilidade, iremos publicando. Agradeço por nos acompanhar, forte abraço!

    2. Quando o pessoal do RAF Museum de Cosford me ensinou a acessar os arquivos achei que fossem cheios de histórias e informações, mas não. São diversos tipos de registros diferentes, feitos por setores/serviços diferentes da RAF (arquivados nos arquivos nacionais), e cada um registra o que for de sua competência, tornando a história dessas aeronaves uma colcha de retalhos, e é muito difícil acessar os arquivos britânicos gratuítos disponibilizados daqui do Brasil (principalmente porque existe um custo em libras para liberação de arquivo). Com esses registros é possível fazer a base da pesquisa, um esqueleto que deve ser preecnhido com a bibliografia pertinente.

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