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Foto: Rafaela Biazi/Unsplash.

Líderes e subordinados devem atuar para cumprir a intenção do comandante. Mesmo que estejam isolados, todos devem ser capazes de atuar com iniciativa e por conta própria objetivando o cumprimento da missão. A iniciativa deve ser estimulada, dando aos subordinados liberdade de ação para decidir a melhor forma de cumpri-la.


O C2-50 é uma referência para os cavalarianos. Desde a entrada na Arma, na Academia Militar das Agulhas Negras, os cadetes ouvem falar do velho manual – já não mais em vigor – que tratava da Instrução Tática Individual e das Unidades Elementares da Cavalaria.

O exemplar que tenho aqui comigo, uma edição de 1959, é do meu pai, Aspirante da Turma de 1965, formado na Cavalaria Hipomóvel. Foi emprestado com a recomendação expressa de que eu o devolva em perfeito estado. Era seu manual de cabeceira nos tempos de tenente, no 3º Regimento de Cavalaria, em São Luiz Gonzaga, RS.

A frase mais famosa do manual, repetida inúmeras vezes nas Unidades de Cavalaria, é a constante no parágrafo 18, que trata de “certas regras que o Soldado deve conhecer”. Lá se encontra, na letra “c”: “se não existirem mais oficiais ou graduados, o mais bravo assume o comando.

A frase soa aos jovens cavalarianos como o paradigma do espírito da Arma. O estímulo à audácia, o amor aos lances perigosos, à bravura. E é exatamente isto que ela é. Mas não só isso. A frase está inserida em um contexto em que conceitos de liderança são apresentados aos leitores. A perenidade da admiração de sucessivas gerações de militares aos ensinamentos do C2-50 está justamente na rara felicidade com que seus autores tratam desses conceitos de liderança, que permanecem atuais até os dias de hoje.

Abaixo, serão apresentados alguns trechos que exemplificam a incrível atualidade do manual.

6. O primeiro objetivo que a si próprio deve impor um instrutor é o desenvolvimento do moral de seus cavaleiros.

… é a confiança do cavaleiro em suas forças, na sua coragem no valor de suas armas na justeza do seu tiro e no valor de seu chefe, que constituem o alicerce de seu moral.

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Logo no 6º parágrafo do manual, fica clara a importância da liderança. Atribui-se ao instrutor, que no caso se confunde com o comandante das pequenas frações, a responsabilidade de desenvolver o moral do soldado, o que só se conseguirá pela “confiança no valor do seu chefe”.

17. Em todos os postos da escala hierárquica, o chefe deve estar compenetrado de que a primeira e mais bela de suas missões é dar o exemplo.

Vejamos o que “dar o exemplo” significa. Como se sabe, a liderança é um processo de influência interpessoal do líder sobre os liderados. Essa influência que o líder exerce se dá pelo estabelecimento de vínculos afetivos entre os indivíduos, de modo que os liderados passam a crer que o líder saberá conduzir os destinos do grupo nas mais variadas situações.

Essa confiança só se estabelece quando são identificados no líder três aspectos cruciais para a liderança. O primeiro é a proficiência profissional, ou seja, o líder sabe o que fazer. O segundo é o senso moral, que significa que é possível se identificar na personalidade do líder os valores morais caros ao grupo que lidera. O último aspecto são as atitudes adequadas, que evidenciam que o líder efetivamente emprega seus conhecimentos e valores em ações que conduzem o grupo ao objetivo perseguido pela instituição a que pertencem.

“Dar o exemplo” significa encarnar os três aspectos citados. Significa “ser”, “saber” e “fazer”. Isto era válido em 1959 e continua válido até hoje.

18.a. a falta de ordens em nenhum caso justifica a inação.

b. a iniciativa consiste em atuar, na falta de ordens, segundo a vontade do chefe.

Aqui está a se falar da iniciativa e do conceito de “intenção do comandante”, ambos em vigor na doutrina atual. Ou, para citar a moderna doutrina norte-americana do Mission Command1, os comandantes em todos os níveis, assim como seus subordinados, devem atuar sempre no sentido de se fazer cumprir a intenção de seu comandante. Assim, no caso de uma situação em que se encontre atuando isolado, ou em que falhem os meios de comando e controle, deverá atuar com iniciativa e por conta própria, sempre objetivando o cumprimento da missão. Está se falando de planejamento centralizado e execução descentralizada e se estimulando a iniciativa, outorgando aos subordinados a liberdade de ação para se decidir a melhor forma de cumprir a missão.

Muitos outros trechos do C2-50 poderiam ter sido selecionados, mas creio que os destacados acima são suficientes para mostrar o porquê da importância do velho manual. Que este texto sirva de estímulo aos cavalarianos mais jovens. Folheiem o C2-502, leiam com calma alguns trechos. Vocês estarão mergulhando nas origens da Arma Ligeira, entenderão melhor a formação do espírito militar que nos une e nos torna diferentes.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina; possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


Notas

1 Mission Command pode ser definido, em rápidas palavras, como um estilo de liderança militar adotado pelo Exército dos EUA. Oriundo da antiga escola Prussiana, o conceito prevê planejamento centralizado e execução descentralizada. Atribui grande importância à compreensão da intenção dos comandantes para que se possa conceder liberdade de ação aos subordinados para que atuem conforme seus próprios planejamentos.

2 Disponível na Biblioteca Digital do Exército: http://bdex.eb.mil.br/jspui/handle/1/520?mode=full.

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1 comentário

  1. Bom dia,
    Artigo de importantíssimo valor, principalmente nos dias de hoje que identificamos não a falta de líderes, chefes e gestores, mais sim um vácuo na competência em conduzir subordinados a objetivos concretos e tangíveis ao tempo de execução e alcançável materialmente. Hoje há muito sonho, KPI, Excel.
    E pouco treino, instrução e exercício, não é a toa que ocidente sofre e se distância cada vez mais do que um dia já foi.

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