Armênia e Azerbaijão: cem anos de rivalidade

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Por Albert Caballé Marimón


Imagem de vídeo do site oficial do Ministério da Defesa do Azerbaijão de 28 de setembro supostamente mostra um ataque de artilharia azeri contra as posições dos separatistas armênios na região de Nagorno-Karabakh (Ministério da Defesa do Azerbaijão / AFP).

Região criada pela União Soviética nos anos 1920, o Nagorno-Karabakh gerou tensões entre Armênia e Azerbaijão, mantidas sob controle durante o regime. Com a queda da URSS, os países travaram uma guerra sangrenta pela região que terminou em 1994, mas desde então os atritos na região são constantes.


A Região Autônoma de Nagorno-Karabakh é uma área montanhosa e densamente arborizada localiza-se no território do Azerbaijão, próxima à fronteira com a Armênia. Com 95% da população etnicamente armênia, foi estabelecida na década de 1920 pela União Soviética. Durante o período de domínio soviético as tensões entre os dois países mantiveram-se sob controle, mas afloraram com o colapso da URSS. Internacionalmente, a região é reconhecida como parte do Azerbaijão, mas a maioria armênia rejeita o domínio azeri (etnia dominante do Azerbaijão) com o apoio da Armênia.

Em 1988 a legislatura de Nagorno-Karabakh aprovou uma resolução para ingressar na Armênia. Em 1991, a região declarou oficialmente sua independência. Armênia e Azerbaijão entraram em guerra, resultando em cerca de 30.000 mortes e centenas de milhares de refugiados. Em 1993, além de controlar o Nagorno-Karabakh, a Armênia ocupava 20% do território azerbaijano ao redor da região. Em 1994, a Rússia negociou um cessar-fogo que, em tese, permanece em vigor. Nesse mesmo ano foi criado o Grupo de Minsk, co-presidido pela Rússia, França e Estados Unidos, que atua na tentativa de solucionar os impasses.

Em abril de 2016, mais de cem pessoas foram mortas nos confrontos mais graves desde a guerra até então. Apesar dos esforços de mediação, principalmente pelo Grupo de Minsk, não se conseguiu negociar uma solução permanente para o conflito e as tensões na região permanecem altas, com repetidas violações do cessar-fogo de um lado e de outro.

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A Armênia, país de maioria cristã, é instável política e economicamente desde que se tornou independente da URSS. Desde então, a liderança do país reprimiu a oposição e foi acusada de falsificar resultados de eleições. Em 2018, depois de protestos em massa, o atual primeiro-ministro, Nikol Pashinyan chegou ao poder. Ele tem atuado no combate à corrupção e introduzido reformas judiciais com apoio popular.

O Azerbaijão, de maioria muçulmana, é governado pela mesma família desde 1993. Heydar Aliyev, ex-oficial da KGB, governou o país com mão de ferro até 2003, quando passou o poder ao filho, Ilham Aliyev, poucas semanas antes de morrer. Seguindo os passos do pai, Ilham eliminou toda a oposição e em 2017 tornou a esposa, Mehriban, a primeira vice-presidente do país.

A Turquia apoia o Azerbaijão, numa aliança alimentada por uma desconfiança mútua da Armênia. Ancara rotineiramente emite declarações de apoio às ambições do país de recuperar Nagorno-Karabakh. Já a Armênia nutre hostilidade contra a Turquia devido ao massacre de cerca de 1,5 milhão de armênios pelo Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial.

MAPA 01: a região em disputa.

A Rússia mantém uma base militar na Armênia e apoia o país, que é membro da OTSV (Organização do Tratado de Segurança Coletiva), aliança militar dos antigos países soviéticos liderada por Moscou. Analistas especulam que uma minoria azeri do Irã, na região fronteiriça com o Azerbaijão, pode contribuir para agravar a crise.

Essa constante ameaça de conflito militar desestabiliza a região do Sul do Cáucaso. Um conflito pode prejudicar o comércio de petróleo e gás da região, pois o Azerbaijão, que produz diariamente cerca de 800.000 barris de petróleo, é um importante exportador de petróleo e gás para a Europa e Ásia Central.

Em julho passado, 17 soldados de ambos os lados morreram em escaramuças ao longo da fronteira. Nos últimos dias voltaram a eclodir confrontos e pelo menos 31 pessoas foram mortas entre civis e militares. Ambos os países declararam lei marcial e retomaram o conflito aberto. De acordo com o porta-voz do Ministério da Defesa da Armênia, Shushan Stepanyan, “Durante a noite as batalhas continuaram com intensidade. No início da manhã, o Azerbaijão retomou suas operações ofensivas, usando blindados e artilharia pesada”.

Comunicado do Ministério da Defesa do Azerbaijão afirma que forças armênias teriam atacado a cidade de Terter com artilharia pesada. Os separatistas armênios relataram mais 15 baixas militares. Já o Ministério das Relações Exteriores do Azerbaijão anunciou a morte de seis civis e pelo menos 19 feridos.


Assista ao vídeo 1447 do Canal Arte da Guerra – Conflito Armênia vs. Azerbaijão: entendendo a crise

O Ministério da Defesa da Armênia acusa o Azerbaijão de bombardear alvos civis, afirmando que seus militares responderam abatendo quatro helicópteros do Azerbaijão, 15 drones e 10 tanques. O Ministério da Defesa do Azerbaijão nega. “Toda a responsabilidade por isso recai sobre a liderança político-militar do Azerbaijão”, disse o porta-voz do Ministério da Defesa da Armênia.

O Azerbaijão acusou as forças armênias de lançar ataques “deliberados e direcionados” na região de Nagorno-Karabakh e afirmou ter retomado várias aldeias na região. “Libertamos seis aldeias – cinco no distrito de Fizuli e uma no distrito de Jebrail”, disse um porta-voz do ministério.

Em discurso na televisão, o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, disse que o “regime autoritário do Azerbaijão mais uma vez declarou guerra ao povo armênio. Estamos à beira de uma guerra em larga escala no sul do Cáucaso que pode ter consequências imprevisíveis”. Ele acrescentou que o país está pronto para a guerra e pediu aos compatriotas que prometessem não recuar “um único milímetro” na defesa da região em disputa. O país iniciou uma mobilização geral no domingo. O presidente do Azerbaijão declarou uma mobilização militar parcial.

Pashinyan conversou com Vladimir Putin, que expressou “sérias preocupações” com a escalada. Assessores de Pashinyan disseram que o líder armênio conversou também com Emmanuel Macron e enfatizou a importância de evitar que a Turquia interfira no conflito.

Na Turquia, Recep Tayyip Erdogan, depois de conversar com Ilham Aliyev, publicou mensagem no Twitter pedindo ao povo armênio que se posicione contra os líderes que, segundo ele, estão “levando-os à catástrofe”, e acrescentou que a solidariedade de Ancara com Baku continuará.

Reação internacional

Segundo a agência de notícias ISNA, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Saeed Khatibzadeh, ofereceu o apoio de Teerã para uma resolução e disse que acompanha a violência no Cáucaso com grande preocupação: “Pedimos a ambos os lados que exerçam moderação, encerrem o conflito imediatamente e retomem as negociações”.

No Twitter, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, disse que a escalada é uma de suas “mais graves preocupações” e pediu o fim dos combates. “Um retorno imediato às negociações, sem pré-condições, é o único caminho a seguir.”

Em comunicado, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, pediu o retorno aos canais diplomáticos, dizendo que apela “a ambas as partes no conflito para que cessem imediatamente os combates e especialmente o bombardeio de aldeias e cidades”.

O primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, atual presidente da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), pediu aos envolvidos “que retornem imediatamente ao cessar-fogo antes que o número de pessoas mortas neste conflito aumente ainda mais”.


*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing. Depois de atuar trinta e sete anos em empresas nacionais e multinacionais, há cinco anos dedica-se à atividade de pesquisador nas áreas de História Militar, Defesa e Geopolítica. É fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX, a Operação Acolhida e proferiu palestras na AFA, Academia da Força Aérea. É colaborador do Canal Arte da Guerra. Pode ser contatado pelo e-mail: caballe@gmail.com.

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5 comentários

  1. A velha tática de dividir para conquistar dos comunistas ainda estão problemas para o mundo. E para complicar ainda mais, as implicações geopolíticas naquela região do globo são sempre complexas.
    O Putin vai ter que usar todo o seu experise para resolver esta situação e evitar que o “bom mocismo” do ocidente não venha a complicar ainda mais as coisas por lá.

  2. De uma coisa podemos ter certeza: não há mocinhos, nem bandidos nesta história. São distintos interesses em jogo, envolvendo hidrocarbonetos, ressentimentos históricos e reafirmação no cenário regional. Estamos atentos, acompanhando o tanto VG, quanto ADG. Forte abraço!

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