Sistema de Gerenciamento de Incidentes e Crises: atualizando a doutrina

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Por Valmor Saraiva Racorti, Paulo Augusto Aguilar, Márcio Santiago Higashi Couto e Wanderley Mascarenhas de Souza*

Membros do GATE e COE operando em Botucatu, São Paulo (Foto: Acervo pessoal dos autores).

Os procedimentos e técnicas policiais na área de segurança pública evoluem ao longo do tempo, em resposta às transformações observadas nas situações de risco que se apresentam à sociedade. Neste artigo, os autores discorrem sobre a evolução do conceito de “resolução” para “gestão”, numa concepção mais abrangente de gerenciamento que envolve não apenas as forças policiais, mas diversos setores pertinentes, padronizando comando, procedimentos e terminologias de forma a garantir a interoperabilidade.


Introdução

Ao longo dos anos, a segurança pública vem vivendo uma constante mudança de procedimentos na área de técnicas policiais, voltadas para o atendimento das mais diversas situações, obrigando, de imediato, a instituição policial a realizar o protocolo adequado para responder e solucionar a ocorrência com uma resposta satisfatória.

Situações desse tipo se instalam e se resolvem de acordo com diversos fatores, e portanto é necessário que a instituição policial seja qualificada com conhecimento atualizado das mais variadas técnicas de resolução de crises e tenha condições, no momento da ação, de minimizar possíveis falhas operacionais e logísticas que podem sempre ocorrer em razão das variáveis envolvidas.

Origem do Gerenciamento de Crises no Brasil

A doutrina de gerenciamento de crises iniciou-se no Brasil através de trabalhos acadêmicos que foram de enorme importância para a disseminação dessa doutrina em âmbito nacional, tal como o trabalho apostilado do Delegado de Polícia Federal, Roberto das Chagas Monteiro, e posteriormente pela dissertação de mestrado do então capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo Wanderley Mascarenhas de Souza, um dos fundadores e à época comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), trabalho apresentado na conclusão do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) I/1995.

Essa doutrina, trazida do FBI (Federal Bureau of Investigations, a Polícia Federal Americana) pelo pesquisador em 1995, abordava métodos de gestão de crises com reféns, ou seja, eventos policiais cujas circunstâncias possibilitavam a contenção, isolamento e a verbalização com os causadores (criminosos).

Também no ano de 1995 foi nomeada, por parte do Comando do Corpo de Bombeiros (CCB), responsável pelo Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CBPMESP) uma comissão incumbida de estudar e propor um Sistema de Comando e Operações (SiCOE).

FIGURA 1: O Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) da PM do Estado de SP nos anos 1990 e seu comandante, o então capitão PM Mascarenhas (Foto: Arquivo pessoal dos autores).

Essa é a realidade em que a PMESP se apoia até o presente momento, pois todos os seus recursos doutrinários prescrevem que este é o procedimento correto: conter, isolar e estabelecer contato sem concessões (PMESP, 2013).

Quanto ao termo “gerenciamento de crises”, este manteve sua base no conceito de crises, logo, para Souza (1995), o gerenciamento de crises “é o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma crise”.

A atualização deste termo também ocorreu à PMESP, voltado para as ações policiais, novamente em 2013, no qual o conceito passou a ser ditado como: gerenciamento de crises é o “processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e gestão de uma crise. Os principais fundamentos desse gerenciamento são: preservar vidas e aplicar a lei;” (PMESP, 2013) (grifos nossos).

A principal mudança nesse conceito é a alteração da palavra resolução por gestão e a inclusão no conceito dos objetivos do gerenciamento de crises definidos em 1995 (SOUZA, 1995).

A mudança do termo resolução por gestão, novamente, demonstra uma atualização da doutrina e um maior profissionalismo de seus agentes, pois há o entendimento de que não basta buscar resolver o problema que se apresenta, a crise, mas todo um sistema de gestão da mesma, logo, administrar da melhor maneira e com a maior eficiência possível, não apenas sendo eficaz.

Gerir a crise traz a ideia de trabalhar outros órgãos e meios para sua resolução, buscando outras opções e soluções para o que se apresenta, não residindo essa resolução unicamente nas mãos da polícia.

Acrescentar os objetivos diretamente no conceito de gerenciamento deixa clara a visão do que se busca e onde se almeja chegar, permitindo que em um único conceito entenda-se toda a filosofia até então empregada.

Esse se torna o cenário atual no que se refere a crises: busca trabalhar em sua gestão, adotando novos caminhos e apoio, contudo, ainda atuando nas consequências, com pouco foco na antecipação e prevenção, pois o gerenciamento, na prática, ocorre após instaurada a crise e não em seus momentos anteriores.

Sistema de Comando e Operações e Emergências – SiCOE

O SiCOE foi instituído em 1995 pelo CBPMESP, sendo inspirado no Incident Command System (ICS), este por sua vez desenvolvido pelos Bombeiros da Califórnia, nos Estados Unidos da América (EUA) (PMESP, 2014).

Para sua atuação e implantação, o ICS é estruturado em cinco principais áreas funcionais: Comando, Operações, Planejamento, Logística e Finanças / Administração, podendo ainda existir uma sexta área, caso haja a necessidade de uso desse recurso: Inteligência/Investigações (NIMS, 2018).

Sistemas de Gerenciamento de Incidentes

Até o presente momento, pode ser observado que o gerenciamento de crises se apresenta no estado de São Paulo tanto na atuação do CBPMESP como na atividade de policiamento em si.

A conclusão que se obtém é que as doutrinas e conceitos, mesmo que tenham sido atualizadas recentemente, nos anos de 2013 e 2014, ainda são baseadas na mesma estrutura de 1995, quer seja no gerenciamento de crises estabelecido pelo FBI, no passado, quanto ao ICS estabelecido pelos Bombeiros, na mesma data.

Ocorre que o FBI reconheceu que a doutrina de gerenciamento de crises não era capaz, por si só, de responder a alguns eventos como, por exemplo, o Incidente Policial conhecido como “Massacre de Columbine”, ocorrido na escola secundária Columbine, na cidade de Littleton, Colorado, EUA, em 20 de abril de 1999, quando dois atiradores ativos entraram na escola e deixaram um rastro de 13 mortos e 21 feridos.

Os agentes de segurança na ocasião seguiram os protocolos de um incidente com refém, adotando as medidas iniciais de conter o local, isolar o ponto crítico e estabelecer contato na tentativa de resolução pacífica da ocorrência, enquanto aguardavam a chegada das equipes da Special Weapons And Tactics (SWAT).

Todavia, em retrospectiva, Columbine poderia ser tudo, menos uma ocorrência de reféns. Mas estes eram os protocolos seguidos na ocasião.

Enquanto a polícia realizava a contenção e isolamento e aguardava do lado de fora a chegada das equipes da SWAT, os dois adolescentes, atiradores ativos, faziam suas vítimas livremente.

Os policiais fizeram o que eram treinados para fazer: conter, isolar e tentar contato com os causadores, mas em análises pós incidente, a polícia se encontrou em um paradoxo para definir se deveria agir rapidamente ou aguardar apoio, uma vez que em eventos dinâmicos de atiradores ativos, cada segundo perdido resulta em perda de vidas.

Buscando a atualização da ciência policial e o que existe de mais moderno no mundo, a seguir será abordado o sistema conhecido como gerenciamento de incidentes norte-americano, definindo alguns termos já apresentados, como o próprio termo incidente, e introduzindo outros termos relativamente novos à realidade nacional.

Incidentes e Crises

Embora o termo já tenha aparecido em alguns momentos, o termo incidente vem sendo utilizado em lugar de crise, assim sendo, um incidente é “uma ocorrência, natural ou de causas humanas, que necessita de uma resposta para proteger a vida ou propriedade” (FEMA, 2017).

O incidente inclui qualquer evento que denote possiblidade de perigo de lesão à vida ou ao patrimônio, mesmo em evento programados ou qualquer tipo de desastre (FEMA, 2017).

Pode-se inferir, nesta linha de raciocínio, que crise é um incidente de gravidade diferenciada, impactante e não mera alteração do estado das coisas. Nesse caso, trata-se de uma circunstância crítica por ser uma mudança no cenário, mas com modificações abruptas.

Em suma, toda crise é um incidente, mas nem todo incidente é uma crise, conceito que pode ser mais bem visualizado na Figura 2 a seguir (SILVA, 2019).

FIGURA 2: Representação gráfica de “incidente” e “crise” (Fonte: SILVA, 2019).

Conforme declarado por Silva (2019), nem todo incidente será uma crise, pois o incidente pode tratar-se de ações ou eventos menores, que, se devidamente cuidados e observados, não culminarão em uma crise.

Na mesma seara, percebe-se que uma série de incidentes não tratados irão gerar uma crise, uma quebra da normalidade de forma abrupta, e em seu âmbito será um incidente mais gravoso, como um incidente complexo, crítico ou grave.

Definido o que são incidentes, uma nova fase pode ser alcançada e o termo crise ou evento será abandonado, adotando-se a nova terminologia para tratar das ações policiais e de defesa civil que se apresentarem.

Incidentes estáticos e incidentes dinâmicos

A distinção entre os incidentes policiais estáticos e os dinâmicos pode ter sua origem considerada após o incidente Columbine, que trouxe mudanças significativas nas TTP (Tactics, Techniques and Procedures, Planejamento e Procedimentos) adotados pelas polícias norte-americanas.

Por definição, podemos tratar incidentes policiais estáticos como eventos que se limitam a um espaço geográfico determinado que, por sua natureza, permitem a adoção das medidas iniciais de contenção e isolamento pela primeira força policial interventora, permitindo o acionamento das unidades especializadas sem que haja a necessidade de implementação imediata de uma alternativa tática para a sua solução.

Já os incidentes policiais dinâmicos são aqueles eventos cujos impactos não se limitam a um espaço geográfico determinado e, em razão de sua natureza, os atores envolvidos encontram-se em movimento, tornando difícil a adoção das medidas iniciais de contenção e isolamento, exigindo uma resposta imediata da primeira força policial interventora a fim de alcançar a cessação dos seus efeitos e, posteriormente, o acionamento das demais ações do Estado e outras organizações.

Como principais exemplos de incidentes dinâmicos da atualidade, temos os casos de Atirador Ativo (AA) e de Múltiplos Ataques Coordenados (MAC), que pelo seu grau de risco, complexidade, mobilidade, ameaça à vida e compressão de tempo exigem respostas iniciais imediatas, geralmente de unidades policiais comuns, sem equipamento ou treinamento especializado, como as de policiamento territorial, ou até mesmo de policiamento escolar ou de trânsito.

Nos dois casos citados, AA e MAC, a motivação para quem está cometendo a ação pode variar, seja uma vingança por ter sofrido bullying na escola, ou por ter sido demitido, ou passional ao ser traído, ou um surto psicótico, ou até mesmo um atentado terrorista por motivos políticos, étnicos ou religiosos. Mas o objetivo geralmente é o mesmo. Matar ou ferir o maior número possível de pessoas.

Por isso, o atirador ativo geralmente atua em locais com grande concentração de pessoas, como escolas, universidades, igrejas, parques, shows ou eventos do tipo, pois quer causar o maior número de vítimas que puder. E geralmente utiliza armas de fogo, mas pode também usar outras armas como facas ou machados, ou ainda empregar explosivos, fogo ou agentes químicos letais ou até mesmo utilizar veículos para atropelar pessoas.

Ao passo que na situação de AA um ou mais agressores agem em um local específico, no caso de MAC grupos de agressores atacam, geralmente ao mesmo tempo, em locais diferentes, para criar o máximo de impacto e confusão possíveis.

As prioridades das forças de segurança mudam nesses casos dinâmicos. Antes de cercar, isolar ou socorrer as pessoas, os primeiros agentes da lei que chegam ao local devem localizar e neutralizar o atirador ativo, pois se ele não for contido, irá continuar matando.

No incidente dinâmico é necessária uma ação rápida e imediata, pois o desdobramento atrasado poderia gerar a morte ou lesões graves a pessoas inocentes (AGUILAR, 2017).

O incidente dinâmico pode se modificar para um incidente estático e o inverso também pode ocorrer. Diante disso, todo o sistema responsivo deve conhecer as providências e os protocolos de ação, atuando de forma célere e aproveitando da melhor forma possível os recursos disponíveis.

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Conforme observado nos itens descritos anteriormente, os incidentes estáticos e dinâmicos podem ocorrer ao mesmo tempo e em diferentes locais, exigindo alta capacidade responsiva da polícia, sobretudo no processo de tomada de decisão e ne emprego de recursos humanos e materiais.

Entretanto, no Brasil não há uma metodologia adequada e eficiente de abordar os incidentes dinâmicos que possibilite uma resposta integrada por meio de um Comando Unificado, capaz de mobilizar os ativos operacionais do Estado com ultra velocidade, principalmente nos estágios iniciais de caos, que permita o efeito sinérgico desejado para mitigar a perda de vidas, estabilizar o incidente e evitar danos.

Incidentes críticos e complexos de incidentes

Uma ampla gama de incidentes ou operações tem a capacidade de se tornar um incidente crítico, incluindo comportamento antissocial ou crime de ódio, eventos pré-planejados ou incidentes internos.

Um incidente crítico é qualquer ocorrência que coloque vidas em risco, cause danos graves a patrimônio ou ao meio ambiente, cause impacto significativo na confiança da sociedade e, por conseguinte, na sensação de segurança, exigindo uma resposta célere de diversos órgãos e instituições com emprego conjugado de meios e gestão estratégica para sua resolução.

São complexos de incidentes “dois ou mais incidentes individuais localizados em uma mesma área geral e atribuídos a um único comandante de incidentes ou comando unificado” (FEMA, 2017).

NIMS / SNGI

Após uma série de incidentes ocorridos na década de 1970, a exemplo de incêndios no estado da Califórnia, os americanos se aprofundaram nos estudos sobre a eficiência e eficácia das respostas aos incidentes. Chegaram à conclusão que os problemas enfrentados eram menos relacionados à falta de recursos e mais ligados à falta de estrutura para gerenciamento dos eventos críticos.

Neste contexto, foi criado o Incident Command System (ICS), ou seja, um Sistema de Comando de Incidentes que visa oferecer ferramentas adequadas para atendimento de incidentes em camada local. Posteriormente, pós 11 de Setembro de 2001, verificou-se a necessidade de criar uma estrutura de apoio político-estratégico acima das camadas locais que pudesse apoiar os incidentes em terra, gerenciados pelo ICS. De tal necessidade formou-se um conjunto que incorporou o ICS à sua estrutura, denominado de NIMS (National Incident Management System, ou Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes, em tradução livre).

Assim, podemos conceituar o NIMS como um sistema de gerenciamento de incidentes em nível nacional que orienta todos os níveis de governo, ONGs e setor privado a trabalhar em conjunto para prevenir, proteger, mitigar, responder e recuperar-se de incidentes, ofertando aos participantes um vocabulário comum, sistemas e processos compartilhados para obtenção dos recursos necessários para a correta atuação (FEMA, 2017).

Este Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes (SNGI) é justamente o conjunto de princípios, métodos e estratégias que podem ser utilizados por comandantes de incidentes locais, estaduais, federais, bem como pelo setor privado e ONGs.

O primeiro aspecto a ser abrangido é o princípio da padronização, que promove a interoperacionalidade de estruturas e procedimentos a fim de que os recursos humanos envolvidos no incidente trabalhem em conjunto, proporcionando a coesão dos vários órgãos, incluindo também a característica de utilizar uma terminologia comum, possibilitando uma comunicação eficaz.

É possível observar que a alocação de recursos, busca pela eficiência e cooperação interagências iniciou-se em 2004 após os eventos narrados, em que a falta de coordenação e autoridade sólidas provocaram nítidos prejuízos (em diversas esferas da sociedade).

Contudo o trabalho não é e nem pretende ser atemporal, por isso mesmo alguns eventos mostraram falhas do NIMS e o documento publicado em 2004 foi revisado em 2008 e sua última versão é de outubro de 2017.

Em linhas gerais, os eventos ocorridos nos EUA determinaram uma atualização na doutrina conhecida nacionalmente como NIMS. Assim, alarga o conceito de crises para o aspecto preventivo mais amplo e deixa de ser uma resposta específica da polícia (SOUZA, 1995). Na verdade, mostra que o incidente deve ser enfrentado pelo Estado com apoio de seus entes e da sociedade.

Com a ideia de integração, mais uma vez recorrendo à doutrina da Academia Nacional do FBI para atualizar a realidade contemporânea, “a administração de crise requer um conjunto de medidas para identificar, adquirir e planejar o uso dos recursos necessários para prever, prevenir e/ou solucionar uma ameaça ou incidente específico” (MARIN, 2009).

De acordo com MARIN, para o FBI inúmeros organismos públicos são envolvidos na “administração de consequências”, conceituada como o “conjunto de medidas para proteger a saúde e a segurança públicas, restabelecer serviços essenciais e fornecer auxílio de emergência a indivíduos, empresas e governos afetados pelos efeitos do incidente crítico” (MARIN, 2009).

Isso posto, o conceito de crise deixa de ser utilizado, optando-se por utilizar o termo incidente, que traz consigo um espectro preventivo mais amplo (FEMA, 2017), ou seja, quem age e se prepara apenas para crises, emergências ou desastres, está fadado ao fracasso, pois desconsidera massivos trabalhos preventivos.

Em outubro de 2017, a FEMA publicou a 3ª Edição do NIMS, suprimindo o termo crise e consolidando o termo incidente em seu glossário.

Cabe salientar que incidentes como os ataques em Mumbai (2008) e Paris (2015) também serviram de estudo de caso para embasar novas posturas dentro da ciência policial.

O NIMS deve ser atualizado constantemente, já passou por adequações e está em sua terceira versão. Da mesma forma, é passível de novas atualizações com base na experiência das pessoas envolvidas em um incidente.

O que não deve mudar é o objetivo central do Sistema: proteção aos direitos fundamentais em seu maior espectro preventivo, por meio de uma adequada integração e unidade de esforço entre as diversas agências, com a finalidade de gerenciar incidentes com menor risco e maior eficiência e eficácia possíveis, garantindo-se objetivos comuns sem supressão da autoridade dos diversos órgãos envolvidos.

Os objetivos sempre serão os mesmos, a supremacia do interesse público e sua disponibilidade, buscando-se a proteção antes mesmos de serem lesados, por meio de análise de ameaças emergentes e futuras.

TABELA 1: Demonstrativo do que é e o que não é NIMS (Fonte: FEMA, 2017. Tradução dos autores).

Princípios do NIMS

Os princípios são aqueles que darão a base à aplicação do NIMS e são de imprescindível observação. Graças aos princípios é que foi possível a evolução e correta aplicação, em âmbito nacional, de todo o sistema:

  • Flexibilidade: a estrutura organizacional e metodologia do NIMS permite encaixe para todos os tipos de incidentes, dos mais simples aos mais complexos, independente da natureza;
  • Padronização: a padronização de métodos, estruturas e termos permite a interoperabilidade da força responsiva entre várias agências envolvidas, não havendo perda de tempo em desencontros doutrinários ou terminológicos quando vidas estão em jogo;
  • Unidade de Esforço: descreve a convergência de esforços, a fim de atingir a intenção do Comandante do Incidente mensurada a partir dos objetivos e do estado final desejado da missão, ou seja, todos buscam a um objetivo comum, identificado pelo comandante, sobre o que precisa ser feito.

Características do NIMS

Entende-se que as organizações envolvidas no gerenciamento de incidentes variam em suas autoridades, estruturas, capacidade de comunicação, protocolos, procedimentos, entre outros fatores. A ideia central do NIMS é fornecer um quadro comum padronizado para integrar as diversas capacidades envolvidas com o propósito de encontrar objetivos, metas, métricas e indicadores comuns.

Assim, o NIMS é composto de 14 características para sua aplicação: Terminologia Comum; Estabelecimento e Transferência de Comando; Organização Modular; Comando Unificado; Gerenciamento por Objetivos; Cadeia de Comando e Unidade de Comando; Planejamento de Ação de Incidentes; Responsabilidade; Alcance de Controle Manejável; Despacho/Implantação; Instalações e Locais de Intervenção; Gerenciamento Integral de Recursos; Comunicações Integradas; e Gerenciamento de Informações e Inteligência (FEMA, 2017).

EOC / COE

A estrutura de um EOC (Emergency Operations Center, Centro de Operações de Emergência) pode variar amplamente a depender das circunstâncias, autoridade de maior pertinência temática, demais órgãos participantes, recursos e instalações, mas certamente o objetivo da missão deve preponderar em sua estrutura.

Em um Centro de Operações de Emergência (COE), ou EOC, são fornecidos o gerenciamento de informações, alocação de recursos e rastreamento e/ou suporte de planejamento avançado para o pessoal em cena ou em outros EOCs (por exemplo, um centro de estado que suporta um centro local); assim, pode ser considerada como uma camada supra-incidental em atuação local.

Para ser adotada, uma excelente estrutura que proporciona eficiência baseia-se no paralelismo das formas entre a camada supra-incidentes (EOC) e a camada incidental (ICS) que é a estrutura denominada pelo NIMS de ICS ou ICS-like Structure, a saber:

  • Diretor do EOC: é o “indivíduo que dirige o time que trabalha em um EOC quando ele é ativado” (FEMA, 2017);
  • Oficial de Relações Públicas: é o membro chave das organizações EOC e ICS, atua aconselhando o Comandante do Incidente, o Comando Unificado ou o diretor do EOC e, também, observa as informações públicas relacionadas ao incidente e demais informações de mídia, além de elaborar as respostas para a imprensa (FEMA, 2017);
  • Seção de Operações: seu efetivo planeja e realiza as operações táticas para alcançar os objetivos do incidente que, geralmente, são salvar vidas, reduzir o risco imediato, proteger a propriedade e o meio ambiente, retomar o controle da situação e normalizar as operações (FEMA, 2017);
  • Planejamento: a equipe dessa seção coleta, avalia e divulga informações da situação do incidente ao comandante e pessoal envolvido através de relatórios, status e informações da situação, dessa forma facilitando o processo de planejamento das ações de incidentes (FEMA, 2017);
  • Seção de Logística: o efetivo dessa seção trabalha no suporte e serviços para os envolvidos no incidente, de forma efetiva e eficiente, fornecendo instalações, segurança, combustível, alimentação, comunicação e tecnologia da informação (TI), além de serviço médicos (FEMA, 2017);
  • Seção de Finanças/Administração: será estabelecida quando o incidente envolver serviços financeiros e de suporte administrativo específico para a cena do incidente, cabendo a essa seção o controle de horas do pessoal envolvido e negociação de aluguéis e contratos de fornecedores de recursos para a gestão do incidente (FEMA, 2017).
FIGURA 3: Um Centro de Operações de Emergência em funcionamento (Foto: Arquivo pessoal dos autores).

Conclusão

Procuramos comprovar a necessidade de atualização padronizada de um Sistema de Gerenciamento de Incidentes e Crises para a realidade brasileira, respeitando os níveis de aplicabilidade da metodologia do ICS e do NIMS.

Entretanto, ressaltamos que deve ser evitada a terminologia em outras línguas, que não seja em português, para facilitar o entendimento e padronização em nosso país.

Por isto, consideramos que apesar do termo “crise” ter sido excluído do NIMS na versão de 2017, por razões de padronização, nos Estados Unidos, mantivemos o termo “crise” neste trabalho, para que haja um maior entendimento e aceitação da atualização por parte daqueles que já conhecem e aplicam o Gerenciamento de Crises, no Brasil, e facilitar uma transição no futuro, além do que, tecnicamente, incidente e crise são coisas diferentes.

FIGURA 4: O GATE da PMESP com um tomador de reféns detido em 2018 (Foto: Arquivo pessoal dos autores).

Não é aceitável que as Instituições de Segurança Pública aguardem por incidentes ainda mais graves para provocar uma mudança já existente no mundo. Pelos motivos expostos neste trabalho, a mudança será bem-vinda não só ao estado de São Paulo, mas ao Brasil, podendo gerar um processo futuro de confecção de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes, como foi o caso dos Estados Unidos.

O atendimento de ocorrências de Atirador Ativo é um exemplo de como os protocolos precisam ser revistos e atualizados. Conter, isolar e negociar, ao invés de localizar e neutralizar o atirador ativo, rapidamente, são medidas que podem significar a morte de mais pessoas inocentes.

Além das responsabilidades do Estado no atendimento de casos de Atirador Ativo, pelas forças de segurança, também é responsabilidades do governo criar normas e divulgar informações para a população em geral preparar-se para eventos de Atirador Ativo.

Gerenciamento de Incidentes e Crises não é apenas uma responsabilidade das forças de segurança, da polícia, ou das Secretarias de Segurança Pública Estaduais. Vários órgãos e instituições, públicas e privadas, estão envolvidos, direta ou indiretamente, nesse processo. O Comando Unificado e atuação entre agências é essencial.

Já temos estruturas no Brasil que podem ser utilizadas para simplificar e agilizar estas mudanças necessárias. Nosso Sistema de Proteção e Defesa Civil, da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério do Desenvolvimento Regional, através da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, regula, utilizando leis, decretos e normas, a prevenção e tratamento durante e após desastres naturais, organizando a atuação da administração pública nos níveis federal, estadual e municipal.

Portanto, por que não aproveitar toda esta estrutura já existente para, de forma planejada e organizada, adicionar incidentes e crises policiais ao Sistema de Proteção e Defesa Civil, criando assim um Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes, tanto no campo da Defesa Civil quando no campo das ocorrências de gravidade na área de Segurança Pública?

Baseados nos princípios apresentados e com a capacidade dos homens e mulheres de boa vontade que trabalham diuturnamente nos órgãos de Segurança Pública do Brasil, acreditamos que o modelo de Integração e Gerenciamento de Incidentes aqui apresentado irá auxiliar muito a gestão de situações de maior gravidade e complexidade, salvando vidas e aplicando a lei.


Os autores

*Valmor Saraiva Racorti, tenente-coronel da PMESP, realizou o Curso Preparatório de Formação de Oficiais em 1990-1991. Graduado em Direito pela UNISUL, é bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e possui mestrados em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Publica e Ciências Policiais e Segurança Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”. Foi comandante de Pelotão ROTA no 1º BPChq de 1994 a 2006, Chefe Operações do COPOM em 2006, Oficial de Segurança e Ajudante de Ordens do Governador do Estado de 2007 a 2014, Comandante de Companhia ROTA no 1º BPChq de 2014 a 2016 e Comandante do GATE de 2016 a 2019. Com atuação em mais de 500 incidentes críticos, atualmente comanda o Batalhão de Operações Especiais, que compreende o GATE e o COE.


*Paulo Augusto Aguilar é major da PMESP. Possui, dentre outros, os cursos: Mestrado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – PMESP; Ações Táticas Especiais – GATE/SP; Análise do Terrorismo na Agência Brasileira de Inteligência – ABIN; Combating Domestic and Transnational Terrorism – Office of Antiterrorism Assistance – DoS/US. Atualmente no Comando de Policiamento de Choque, foi Comandante de Força Patrulha e Força Tática no 18° BPM/M, Comandante de Pelotão de Operações Especiais no COE, Comandante de Pelotão de Controle de Distúrbios Civis no 3° BPChq, Comandante de Equipe Tática e Subcomandante do GATE. Atuou como adido do Comando de Policiamento de Choque no Centro de Coordenação de Defesa de Área de São Paulo do Exército Brasileiro na COPA de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016 como expert Anti-DEI (Dispositivo Explosivo Improvisado). Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Operações Antibombas. É especialista em Gerenciamento de Incidentes/Crises, Resgate de Reféns e Desativação de Bombas.


*Márcio Santiago Higashi Couto, coronel da reserva da PMESP, é graduado pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco em 1992 e possui mestrado e doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela mesma instituição. Graduou-se em Direito pelas Faculdades Integradas de Guarulhos e cursou Especialização em Supervisão de Ensino pela UFRJ, Política e Estratégia pela USP, História Militar pela UNISUL e possui um MBA em Administração Executiva pelo INSPER. Foi professor assistente da Universidade Bandeirante de São Paulo/Anhanguera. Atualmente cursa o mestrado em Segurança Internacional e Defesa na Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de Janeiro.


*Wanderley Mascarenhas de Souza, coronel da reserva da PMESP, é bacharel em Direito e Educação Física, doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança, pós-graduado em Políticas de Gestão em Segurança Pública pela PUC/SP e professor dos cursos de pós-graduação de Políticas de Gestão em Segurança Pública na PUC/SP e dos cursos de doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública no CAES. Serviu à ROTA, foi fundador e 1º comandante do GATE e do Esquadrão Antibomba e chefe da Divisão de Treinamento da Diretoria de Ensino. Comandou o Centro de Capacitação Físico Operacional/Escola de Educação Física da Polícia Militar do Estado de SP. É autor dos livros “Radiografia do Sequestro”, “Contra-ataque: medidas antibomba”, “Gerenciando Crises em Segurança, “Como se comportar enquanto refém” e “Negociação de Reféns” (conheça: http://www.radiografiadosequestro.com.br).


Referências

AGUILAR, Paulo A. Ações e operações Táticas Especiais: aplicação do conceito de concepção imediata do perigo em entradas táticas realizadas pelo Grupo de Ações Táticas Especiais. São Paulo: Monografia de conclusão do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais – II/17. Academia de Polícia Militar do Barro Branco. Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2017. 180 p.

________________. Atualização da doutrina de gerenciamento de crises: Incidentes policiais e centros de consciência situacional C5I na quarta revolução industrial. Revista a Força Policial, São Paulo, n. 10, p. 44-61, Janeiro 2019.

BAZERMAN, Max H.; MOORE, Dan. Processo decisório. 8ª. Ed. Rio de janeiro: Elsevier, 2014. 424 p. ISBN 978-85-352-7711-1.

BOIN, Arjen et al. The Politics of Crisis Management: Public Leadership under pressure. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

COUTO, Márcio S. H. O processo de tomada de decisão no planejamento do policiamento preventivo na Polícia Militar do Estado de São Paulo. São Paulo: Monografia de conclusão de curso MBA 2015. Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER, 2015.

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LIMA, Jair P. D. Proposta de aperfeiçoamento do sistema de comando e operações em emergências do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo. São Paulo: Monografia de conclusão do Programa de Doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Centro de Altos Estudos de Segurança CAES “Cel PM Nelson Freire Terra”. Polícia Militar do Estado de São Paulo, 1998.

MARIN, Antônio. Gerenciamento de crises: análise dos aspectos institucionais e estratégicos das ocorrências policiais de vulto e proposta de sistematização para seu atendimento. São Paulo: Monografia de conclusão do Programa de Doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Centro de Altos Estudos de Segurança CAES “Cel PM Nelson Freire Terra”. Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2009.

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