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Manifestantes em protesto contra Alexander Lukashenko em Minsk, capital da Bielorrússia, em 16 de agosto (Foto: Wikimedia Commons/Homoatrox/ CC BY-SA 3.0).

A Bielorrússia é o caminho mais curto entre a Europa ocidental e Moscou, e por isso, como mostra a história, pode facilmente se transformar em uma fonte de preocupações para a Rússia. Se por um lado a Ucrânia é um exemplo recente da disposição russa em uma possível intervenção, por outro a população bielorrussa é, cultural e historicamente, muito mais próxima dos russos, o que poderia sugerir uma solução menos traumática.


A Bielorrússia está sendo sacudida por uma onda de protestos contra o presidente Alexander Lukashenko. Os milhares de manifestantes exigem a renúncia do presidente, que se mantém no poder há 26 anos, acusando-o de fraudar o pleito eleitoral do último dia 9 de agosto. O resultado oficial, que não foi reconhecido por seus vizinhos na União Europeia, apontou uma vitória de Lukashenko com 80% dos votos.

O presidente bielorrusso, por sua vez, reprime violentamente os protestos, coloca suas forças armadas em prontidão e acusa a União Europeia de fomentar uma “revolução colorida” para derrubá-lo e a OTAN de aproximar suas tropas das fronteiras de seu país. Não há nenhum indício de que a OTAN tenha feito tal movimento, mas a intenção de Lukashenko é clara: lembrar Putin de que a Bielorrússia é a porta de entrada da Rússia para a aliança militar ocidental.

Nesse ponto, para se tentar antever os próximos acontecimentos políticos na Bielorrússia, é interessante consultar um mapa da Europa Oriental. Com ele nas mãos, uma primeira informação salta aos olhos: se você estivesse em Varsóvia, Berlim ou Paris e quisesse ir de carro a Moscou, certamente o caminho mais curto seria pela Bielorrússia, mais especificamente por sua capital, Minsk.


MAPA 1: a Bielo-Rússia tem papel significativo como centro logístico na Europa interconectando Rússia, China, Mar Báltico e Cáucaso (Fonte: Asrie Analytica/Logisticpark).

E a história já ensinou aos russos, em várias oportunidades, que exércitos podem marchar por esse caminho. Como já escreveu Tim Marshall no excelente livro Prisioneiros da Geografia, você pode pensar que ninguém pretende invadir a Rússia, mas não é isso que os russos acham, e com razão. Nos últimos quinhentos anos eles foram invadidos várias vezes a partir do Oeste. Quase todas as vezes, o caminho utilizado foi a Bielorrússia.

Desse modo, fica fácil entender por que aos governantes russos ao longo da história, incluindo Vladimir Putin, interessa saber quem estará sentado no gabinete presidencial em Minsk. Lukashenko tenta convencer Putin de que ele é o sujeito ideal, acusando os manifestantes de estarem a serviço de uma trama do ocidente e denunciando que a OTAN estaria às suas fronteiras.

A atuação militar russa na Ucrânia, com a anexação da Crimeia, em 2014, serve de alerta para a comunidade internacional de que os russos poderiam atuar militarmente também na Bielorrússia. Mas há algumas diferenças importantes. Se na Ucrânia, russos e ocidentais disputavam – e ainda disputam – esferas de influência, uma vez que naquele país a população está dividida entre pró-ocidentais e pró-russos, o mesmo não ocorre na Bielorrússia, onde a grande maioria da população, inclusive os manifestantes, são muito mais próximos, por laços históricos, culturais e linguísticos, de russos do que de ocidentais. Russos e bielorrussos são todos integrantes da mesma “civilização ortodoxa”, em conflito permanente com a “civilização ocidental”, de acordo com a teoria proposta por Samuel Huntington em “O Choque das Civilizações”. Desse ponto de vista, arriscar uma ação militar na Bielorrússia não faria sentido, uma vez que um novo governo provavelmente não afastaria o país da esfera de influência russa.

A hipótese da solução pela via política, desconsiderando qualquer ação militar, é reforçada por outro exemplo recente: o caso da Armênia, onde, em 2018, irromperam diversos protestos. Os manifestantes, a exemplo do que acontece agora na Bielorrússia, acusavam o então primeiro-ministro e por duas vezes consecutivas presidente, Serge Sarkissian, de tentar perpetuar-se no poder. Onze dias depois do início dos protestos, Sarkissian renunciou, abrindo caminho para uma solução política para a crise.

Mas, também em relação ao caso da Armênia, há uma diferença marcante. Lukashenko não dá nenhuma demonstração de que estaria disposto a deixar o poder. Pelo contrário, no último domingo, se deixou filmar a bordo de um helicóptero, sobrevoando o local da concentração dos manifestantes, vestindo um colete tático/balístico e portando a tiracolo um fuzil Kalashnikov. Estava acompanhado de seu filho, um adolescente de 16 anos, que a exemplo do pai portava colete e fuzil, além de estar usando um capacete balístico. A mensagem transmitida pelas imagens não poderia ser mais clara: demonstrar a indisposição de Lukashenko em deixar o poder.

Além de todos os aspectos elencados, há ainda que se destacar a sempre crucial questão econômica. A Rússia é o destino de 46% das exportações bielorrussas e origem de mais da metade das importações do país. Além disso, a Bielorrússia é altamente dependente do petróleo e do gás natural russos, importado a preços subsidiados. A dependência econômica é mais um fator a indicar que qualquer novo governo que porventura substitua o atual não poderá se afastar da esfera de influência russa em direção ao ocidente.

Parece evidente que a Rússia vai desempenhar um papel central no destino de Lukashenko. Um cenário otimista seria algo que se assemelhasse ao ocorrido na Armênia, onde a alternância de poder exigida pela população foi alcançada e a Rússia não foi acusada pelo ocidente de intervir nos assuntos internos de outro país. Talvez seja isso o que Putin tem em mente.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina; possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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10 comentários

  1. Que análise bem feita. Clara, precisa, no foco central, redação impecável e, a conclusão/finalização do texto, um primor de análise.
    Parabéns ao autor. Excelente.

  2. Parabéns pela análise, o Sr realmente estuda o assunto. Eu gostaria de fazer um adendo. No caso da Ucrânia que era e contínua sendo um país extremamente dividido o então candidato a presidente yanukovich tinha prometido integrar o país na união europeia como forma de conseguir mais votos além de sua zona eleitoral no leste. Na época dos protestos do maidan ele tinha chegado a um acordo com EUA e UE para ter novas eleições e permaneceria no cargo até o resultado, porém EUA e UE abandonaram o acordo os protestos se tornaram violentos, grupos entre os manifestantes invadiram prédios governamentais e yanukovich fugiu. O svoboda que segundo os próprios europeus “não compartilhava dos valores ocidentais” assumiu no parlamento a oposição foi eliminada e foi colocado um governo anti russo. A Ucrânia foi barrada de entrar na UE por plebiscito, com uma guerra civil interminável, que iniciou a segunda guerra fria entre Rússia e Ocidente.

    Relembrando que o motor da segunda guerra fria é a expansão da Otan; foi prometido a Gorbachev que em troca de uma Alemanha unificada na otan a aliança não avancaria um palmo em direção leste hoje em 2020 a aliança semi cercou a Rússia e o Ocidente trata o país como nação derrotada e indigna de ser parceiro, todos os acordos foram traídos e provavelmente se Putin tentar um acordo como em 2014 de 3 partes, ou será tratado com desdém ou será abandonado, somente o povo da Bielorrússia e suas elites podem negociar uma saída política para a crise. Se tivesse algum democrata na presidência dos EUA algum ato imprudente para agravar a crise seria tomado com consequências trágicas como foi a atuação de Obama é os falcões em 2014.

      1. Muito obrigado!!!! De verdade. Minha conclusão é baseada na leitura do livro “war with russia?” Do sovietólogo stephen f cohen; que critca duramente a forma como Washington condiziu as políticas em relação a Rússia desde o fim da guerra fria e ajuda a entender de modo consciso o outro lado da história, gostaria de pedir humildememte que esse livro fosse recomendado na lista de desejos do canal.

        O autor também possuiu outros bons livros sobre a Rússia.

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