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Por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*


Helicóptero combatendo incêndio no porto de Beirute após a explosão (Foto: France Presse/Getty Images).
Helicóptero combatendo incêndio no porto de Beirute após a explosão (Foto: France Presse/Getty Images).

O Líbano, além de conviver com o permanente conflito entre Hezbollah e Israel, vinha recebendo um grande fluxo de refugiados da guerra civil da Síria em meio a uma severa crise política e econômica. Não bastasse tudo isso, a violenta explosão que atingiu o país no início deste mês, além do desastre humanitário, impõe um enorme desafio à sua já combalida economia e agrava a crise política.


A violentíssima explosão ocorrida no porto de Beirute causou mais de 200 mortes e milhares de feridos. A região do entorno do porto ficou completamente destruída, mas os efeitos da onda de choque causaram estragos mesmo a dezenas de quilômetros do epicentro. Após um momento de perplexidade pela gravidade do ocorrido, a cidade foi tomada por protestos nos quais a população, enfurecida com as autoridades, acusadas de negligência, exigia a renúncia do Primeiro Ministro Hassan Diab, o que acabou ocorrendo no último dia 10 de agosto, apenas seis dias após a tragédia.

A fúria da população se explica. Afinal, tudo indica que a causa da explosão tenha sido a combustão de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, armazenadas desde 2014 no porto, de maneira inadequada, após terem sido confiscadas de um navio mercante.

O porto de Beirute é um dos mais importantes do Mediterrâneo oriental, unindo mercados da Europa, Ásia e África, estando conectado a mais de 300 portos em todo o mundo. Além disso, é de vital importância para o próprio Líbano, uma vez que 82% das importações e exportações e 98% dos contêineres destinados ao país passam por ele. Antes da explosão, seus silos tinham uma capacidade de armazenamento de 120 mil toneladas. Após a explosão, essa capacidade terá que ser reconstruída, a um alto custo, ainda mais para um país que vive tamanha crise econômica. De imediato, parte das cargas poderá ser redirecionada para o porto de Trípoli, mais ao norte e, em menor escala, para o porto de Sidon, ao Sul da capital.

Com a explosão, o Líbano vive a chamada “tempestade perfeita”: uma grave crise política e econômica, acompanhada da pandemia da COVID-19 e, agora, de uma nova onda de revolta popular em Beirute.

Na verdade, os protestos já ocorriam desde o ano passado, motivados pela deterioração econômica, pela ineficiência do governo em prover serviços básicos, como o fornecimento de água e energia elétrica, além dos muitos casos de corrupção, e foram o estopim para a renúncia do Primeiro-Ministro Saad Hariri, em 29 de outubro de 2019. Quem o sucedeu, em janeiro deste ano, foi o Primeiro-Ministro Hassan Diab, que acaba de renunciar.

O Líbano moderno é um pequeno e montanhoso país, espremido contra o Mar Mediterrâneo, que faz fronteira ao norte e a leste com a Síria e, ao sul, com Israel. Sua população é bastante heterogênea, composta por numerosos grupos étnicos, religiosos e culturais. Em razão dessa característica, após obter a independência em 1943, os dirigentes do Líbano estabeleceram um regime de governança política de maneira a tentar garantir uma divisão de poder que oferecesse representatividade política a três grupos étnico/religiosos: os cristãos maronitas (presidência da república), os muçulmanos xiitas (presidente do parlamento) e os muçulmanos sunitas (primeiro-ministro). O parlamento e os cargos públicos também são divididos entre cristãos e muçulmanos.


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Além disso, a geografia impôs ao Líbano estar no centro da questão árabe-israelense e, mais recentemente, da disputa árabe-iraniana. Assim, quando disputas sectárias levaram o país a uma guerra civil que durou de 1975 a 1990, tanto sírios quanto israelenses enviaram tropas para o país.

A longa guerra civil trouxe graves consequências para a economia libanesa. No entanto, após a guerra, o país iniciou um ambicioso programa de reconstrução econômica e social, liderada pelo então primeiro-ministro Rafiq al-Hariri. O programa teve considerável êxito; entretanto, teve como efeito colateral um substancial aumento do endividamento do país, tanto externo quanto interno.

Esses efeitos econômicos negativos se agravaram muito com a guerra civil na Síria. Estima-se que o país já tenha recebido cerca de 1,5 milhão de refugiados sírios, o que corresponde a aproximadamente um quarto da população do país. O turismo e os investimentos externos reduziram drasticamente. O sectarismo religioso entre sunitas e xiitas recrudesceu, com libaneses sunitas apoiando os revoltosos sírios, enquanto os xiitas apoiavam o presidente sírio Bashar al-Assad.

O conflito entre a milícia xiita Hezbollah e Israel, que afeta especialmente a região sul do país, também está longe de uma solução. Iniciada durante a guerra civil, na década de 1980, seu ápice foi em 2006, quando o conflito escalou para uma ação do exército israelense em território libanês, para destruir alvos do Hezbollah, mas os enfrentamentos de baixa intensidade entre ambos permanecem.

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É neste ambiente de altíssima complexidade e inúmeras dificuldades que o Líbano enfrenta mais essa crise. A destruição do porto de Beirute, de fundamental importância econômica, serviu de estopim para a explosão de protestos que resultaram em mais uma mudança de governo. Os vários grupos político/religiosos do país vão tentar se reposicionar buscando aumentar seu poder político, sempre sob o olhar atento e interessado de iranianos, árabes, israelenses, sírios, turcos, franceses, russos e norte-americanos. E assim o Líbano vai recomeçar. Pela enésima vez.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina; possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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2 comentários

  1. Pobre Líbano. Terra de Gibran Khalil Gibran… com seus cedros maravilhosos…
    Pobre Líbano. Com sírios, iranianos e mais o Hezbolah…. Sua autonomia é uma quimera.
    Pobre Líbano. Que o Brasil tão rico, vasto e belo não se curve às demais nações.
    Pobre Líbano. Pobre Brasil. Suas lideranças tão ineptas e corruptas são o câncer que nos impede de florir.

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