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Por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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Vladimir Putin (Foto: Sasha Mordovets/Getty Images).

Vladimir Putin, que possivelmente se tornará o mais longevo líder russo dos tempos modernos, vem atuando intensamente para resgatar e manter a preponderância da Rússia no cenário geopolítico global. Longe de ser apenas retórico, seu empenho pode ser percebido em várias frentes muito concretas que vão desde o apoio a Nicolás Maduro, na Venezuela, até o esforço na reconstrução do poderio militar russo.


Vladimir Putin já se referiu à desintegração da antiga União Soviética (URSS), ocorrida em 1991, como o “grande desastre geopolítico do século”. Em 2004, ele já estava no poder quando todos os países membros do antigo Pacto de Varsóvia[1], com exceção da própria Rússia, já estavam integrados à inimiga OTAN ou à União Europeia. Ou seja, às portas da Rússia. E, do ponto de vista do presidente russo – e de grande parte da opinião pública daquele país – essa sempre foi uma situação difícil de aceitar.

Desde 1999 no poder, o presidente Vladimir Putin acaba de obter mais uma importante vitória política. Em referendo realizado para a aprovação de mudanças constitucionais, os russos votaram para concordar com a alteração das regras eleitorais. Dessa forma, Putin poderá se candidatar novamente nas duas próximas eleições. Caso seja vitorioso, o presidente, que já está no poder há 20 anos, permanecerá despachando do Kremlin até 2036, tornando-se o mais longevo líder russo em tempos modernos, ultrapassando o ditador Stálin e, em toda a história, ficando atrás apenas do Tzar Pedro, o Grande, que governou o império russo por 43 anos entre 1682 e 1725.

Às vésperas do referendo, no último dia 22 de junho, em plena pandemia da COVID-19, Putin determinou que fossem realizados os desfiles militares em comemoração aos 75 anos da vitória na 2ª Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, fez divulgar um artigo[2] de sua autoria, de 18 páginas, no qual celebra a atuação soviética na guerra, ao mesmo tempo em que defende a ordem geopolítica inaugurada no pós-guerra, especialmente o Conselho de Segurança da ONU e seus cinco membros permanentes, Rússia, China, Estados Unidos, França e Reino Unido, que possuem poder de veto. Putin atribui ao Conselho de Segurança e, muito especialmente, ao poder de veto que cada um desses cinco países possui naquele fórum, o fato de o mundo não ter enfrentado uma nova guerra mundial nos últimos 75 anos.

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No mesmo documento, Putin reforçou sua intenção, expressa no início do ano, de promover uma reunião de cúpula com os líderes desses cinco países para “encontrar respostas para os modernos desafios e ameaças, demonstrando um comprometimento comum e espírito de aliança”. A ênfase no fórum formado pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança em detrimento de outros grupos mais representativos, como por exemplo o G20, demonstra sem disfarces o esforço de Putin de manter seu país relevante geopoliticamente, como legítimo herdeiro da União Soviética, em um momento em que o crescimento da China mostra que a bipolaridade mundial teve o seu polo oriental transferido de Moscou para Beijing. Em resumo, Putin quer garantir um lugar de decisão e influência no palco das decisões globais.

Mas o esforço russo não é apenas retórico. Nos 20 anos em que está no poder, Putin adotou políticas no sentido de que a Rússia recuperasse a grandeza e prestígio geopolítico da antiga União Soviética e recuperasse sua esfera de influência sobre os países vizinhos, em especial no leste europeu, no centro da Ásia e, ainda, no Oriente Médio, além de trabalhar para reconstruir seu poderio militar.

Assim, o país ampliou suas aspirações globais, atuando militarmente na Chechênia, na Geórgia e no norte do Cáucaso. Putin interveio na Ucrânia, retomando a Criméia e controlando boa parte da região de Donbass. Além disso, a Rússia interfere decisivamente nas guerras civis da Síria e da Líbia, apoia financeira e militarmente o governo de Nicolás Maduro, envia mercenários do Wagner Group para operar na República Centro Africana e atua no chamado “amplo espectro dos conflitos” por meio da internet, em ciberataques contra instituições privadas e públicas em vários países estrangeiros, além de desencadear campanhas de propaganda e desinformação inflamando tensões sociais e tentando interferir em campanhas eleitorais estrangeiras, sendo as últimas eleições presidenciais norte-americanas o caso mais relevante.

No campo militar, a Rússia tem obtido avanços tecnológicos importantes em seu arsenal, como a nova classe de mísseis hipersônicos e novos drones submarinos, além de um novo carro de combate principal.

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A “ordem global”, anárquica por natureza, apresenta vários sinais de estar em crise. A absoluta ausência de uma resposta internacionalmente coordenada para a crise da COVID-19 é apenas o sinal mais recente e nítido. O sistema internacional se apresenta menos colaborativo e mais frágil. As instâncias internacionais de coordenação e resolução de controvérsias demonstram baixos níveis de representatividade ou credibilidade. É nesse ambiente que o Presidente Putin encontra espaço para projetar sua atuação, uma vez que, para ele, as relações internacionais são encaradas como um jogo de soma-zero, nos quais os interesses russos são considerados sempre em primeiro lugar.

O primeiro-ministro inglês Winston Churchill afirmou, em 1946: “Estou convencido de que não há nada que [os russos] admirem tanto quanto a força, e que não há nada por que tenham menor respeito do que a fraqueza, especialmente a fraqueza militar”. Talvez esse espírito explique a longevidade de Vladimir Putin no poder.

Notas

[1] Aliança militar liderada pela URSS nos tempos de Guerra Fria.

[2] https://www.neweurope.eu/article/75th-anniversary-of-the-great-victory-shared-responsibility-to-history-and-our-future/


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina;  possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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9 comentários

  1. Muito bom, isso escancara as fraqueza das lideranças do ocidente, e principalmente a falta de coesão política, enquanto no oriente os lideres pensa em termos de Estado, em longo prazo. O prazo mais longo que um dirigente no ocidente consegue pensa é nas próximas eleições.

  2. No livro war with Russia? O autor cita uma frase de putin dita em 2017 “nosso maior erro foi ter confiado muito nos nossos parceiros ocidentais e o seu maior erro foi ter encarado nossa confiança como sinal de fraqueza”. Putin até tentou cooperar com o ocidente, mas este encarou isso como fraqueza e agora se afastou do ocidente. Huntington em seu livro o choque de civilizações advertia para que isso não acontecesse. Henry kinssinger foi um dos que também advertiram.

  3. Muito bom o texto, Coronel Paulo Roberto. Eu acho que ajuda a compreender as relações de poder no mundo atualmente é um sociólogo chamado Zygmunt Bauman. Pois ele desenvolveu um conceito chamado de”modernidade líquida”, onde as coisas cada vez mais, na sociedade moderna, se descentralizam, como o táxi que, como meio de transporte fundamental, hoje foi substituído pelos aplicativos de motoristas. Em suma, o ponto de maior similaridade de sua fala e o conceito do sociólogo foi realmente a crise do Covid-19, que veio para questionar o papel da OMS. Além disso, os tribunais internacionais ficaram com a imagem bem danificada, por conta das Disputas territoriais no mar da China Meridional, onde o caso das reivindicações chinesas foram levadas a ”Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar” e logo após o julgamentos foram consideradas abusivas e sem fundamentos. Contudo, ainda sim a construção das ilhas permaneceu, questionando mais uma vez a validade dos organismos internacionais perante países emergentes.

  4. Muito bom o texto. Sugiro a possibilidade de publicar material sobre a Teoria do Mundo Multipolar (DUGIN, Alexander), creio ser essencial para a compreensão da visão de mundo russa atual.
    Se conveniente, posso auxiliar.

  5. Olá. Fazendo a leitura somente agora, fui surpreendido pela excelência do artigo. Na verdade, nem poderia ser surpreendido, pois é uma qualidade ímpar do Velho (e bom) General.
    Um artigo de retirar o fôlego do leitor tamanha a qualidade do seu autor. Estou boquiaberto, para dizer a verdade. Adorei o artigo.
    Mais uma vez, quero parabenizar o VELHO (e bom) GENERAL por me propiciar a leitura de artigos tão valiosos e ricos.
    Abraços a todos que ajudam a disseminar a boa semente do Velho (e bom) General.

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