O maior dos dias da aviação

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Militar da IDF ajudando etíopes a sair de um Hercules já em solo israelense durante a Operação Salomão. (Foto: Governo de Israel/Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported).

Em 1991, a Etiópia chegava ao fim de uma longa guerra civil. Preocupado com a antiga comunidade de judeus etíopes, Israel conseguiu um acordo com o cambaleante regime para transportar a todos para Israel. O governo etíope concedeu menos de dois dias para realizar aquela que foi chamada de Operação Salomão. Nesse curto espaço de tempo, mais de 14.000 judeus etíopes foram levados para Israel.


A situação era dramática na Etiópia em maio de 1991. Com o avanço das tropas da Frente Popular Democrática Revolucionária do Povo da Etiópia (Ethiopian People’s Revolutionary Democratic Front, EPRDF) sobre a capital Addis Abeba por todos os lados, a comunidade ocidental dava como certa e iminente a queda do ditador Mengistu Haile Mariam. Dado o futuro de instabilidade que se avizinhava, temia-se pelas vidas dos milhares de judeus etíopes (conhecidos como Beta Israel, ou casa de Israel), os quais, segundo a lenda, habitavam aquele país desde a época do lendário Rei Salomão (cerca de 1.000 anos antes de Cristo).

Num gesto profundamente humanitário, governo de Tel Aviv decidiu trazer estas pessoas para a segurança em Israel. Em termos políticos, fazia-se necessário costurar um acordo diplomático que motivasse o cambaleante governo Mengistu a permitir a saída destas pessoas, zelando (na medida do possível) pela segurança das mesmas até o aeroporto e autorizando o delicado pouso das aeronaves de resgate.


2.600 km separam Addis Abeba, na Etiópia, de Tel Aviv, em Israel (Google Maps).

Talvez jamais venhamos a conhecer todos os detalhes dos bastidores desta costura política, mas sabe-se que o presidente dos EUA à época, George H. W. Bush, teve papel decisivo, exercendo marcante influência diplomática sobre o governo etíope.

Começa, então, uma das histórias de solidariedade mais fantásticas de nosso tempo, e tanto a aviação civil israelense como a sua congênere militar teriam um papel decisivo ao conseguir retirar 14.325 refugiados da Etiópia apenas 36 horas.


Assista ao vídeo “Operation Solomon to rescue 14.325 Ethiopian Jews”.


Mesmo tendo recebido o sinal verde das autoridades da Etiópia e de Israel para ir em frente, a operação de evacuação, batizada de Schlomo ou Solomon, era ainda um pesadelo em termos logísticos, senão vejamos:

  • Havia que se organizar quase 15.000 pessoas numa cidade que estava ameaçada de cerco militar, e nesse ponto as lideranças da comunidades locais etíopes foram muito importantes;
  • Estas pessoas deveriam ser identificadas, cadastradas e distribuídas nos aviões de maneira tal que fosse preservada a integridade e a coesão das famílias;
  • Cada quilo de bagagem desnecessária poderia implicar em terem que deixar algum refugiado para trás, razão pela qual as pessoas tiveram que ser convencidas a sair do país praticamente só com a roupa do corpo;
  • As coisas deveriam estar previamente organizadas em Israel de maneira a receber, alojar, alimentar, medicar, instalar e integrar na sociedade israelense estas 14.325 pessoas, e;
  • Por fim, deveriam ser evacuados os membros da embaixada israelense e a equipe de apoio que daria suporte à operação.

O tempo corria dramaticamente contra as equipes de resgate. A qualquer momento Addis Abeba poderia ser tomada por forças rebeldes ou, mesmo se isto não acontecesse, havia o risco de o aeroporto ser bombardeado. Eles precisavam trabalhar rápido (e bem), e o fizeram com maestria.


Assista ao vídeo “Operation Solomon


Havia boas razões por trás desta eficácia. A primeira delas é que muitos dos seus membros eram veteranos de outras operações de resgate, inclusive a pouco conhecida Operação Moisés que entre novembro de 1984 e janeiro de 1985 trouxe pelos céus mais de 8.000 refugiados do Sudão para Israel. As lições desta ponte aérea não foram esquecidas, e seus erros logísticos foram corrigidos.

A segunda é que as Forças Armadas de Israel deram total colaboração. Seus militares colocaram a expertise adquirida em tempo de guerra a serviço de uma operação de paz e foram decisivos para organizar os refugiados, fornecer segurança, assistência médica e pilotos extremamente experientes.


A expertise dos militares de Israel fez toda a diferença (Foto: IDF/Miki Zarfati).

A terceira é talvez a mais importante. O estado de Israel foi fundado com a premissa de ser um porto seguro para os judeus de todo o mundo, para que não se repetissem os horrores do Holocausto nazista da Segunda Guerra Mundial, quando refugiados judeus não tinham para onde ir. Assim sendo, as equipes de resgate tinham plena consciência de que estavam resgatando gente que, embora nascidas em outro continente, compartilhavam dos mesmos valores que elas.

Nenhum daqueles pilotos, médicos ou soldados israelenses envolvidos na Operação Salomão dava importância para o fato de que a maior parte dos refugiados tinha uma cor de pele diferente da sua. Simplesmente cuidaram deles, os instalaram nos aviões e transportaram com segurança para Israel. Em apenas um dia e meio, tudo estava concluído. Sem mortos nem feridos.

E foi em meio a esta correria que aconteceu um dos fatos mais impressionantes já registrado em toda a história da aviação. Os planejadores aeronáuticos israelenses calculavam que os Boeing 747-200 envolvidos na operação poderiam transportar até 760 refugiados em cada voo (lembre-se que em condições normais estas enormes aeronaves transportam cerca de 400 passageiros). Eles estavam errados, pois o 747 prefixo 4X-AKQ (foto abaixo) da companhia israelense El Al decolou de Addis Abeba com 1.086 passageiros, e pousou em Israel com 1.087! Além do recorde mundial de pessoas transportadas num único voo, uma criança viera ao mundo, como se fosse um símbolo da vida que renasce em meio à quase tragédia.


Um Boeing 747-200 da EL AL, igual ao miraculoso 4X-AKQ (Foto: Israel Airline Museum).

E esse bebê não teria sido o único. Há relatos dando conta que cinco crianças teriam nascido nas 36 horas que durou a ponte aérea. Mas tudo bem, já havia incubadoras prontas esperando por elas nas pistas do aeroporto em Israel!!!

Fica então o testemunho daquele que foi, provavelmente o maior de todos os dias da aviação, em que numa Babel de línguas e nacionalidades, homens de peles diferentes, mas de coração irmanado deram o melhor de si para que outros pudessem viver.


Assista ao vídeo “Operation Solomon 1991


Em 2020 completam-se 29 anos da Operação Salomão. Nestes anos decorridos, estes imigrantes vêm sendo gradativamente integrados à sociedade israelense, fazendo parte da vida religiosa, política e até militar do país. É verdade que o ritmo de absorção dos mesmos ainda está longe do ideal, e que existem problema sociais em curso, isto não pode ser negado. Mas os israelenses têm uma longa tradição de receber e absorver imigrantes, tendo o país sido formado por judeus oriundos do mundo todo, integrando-os inobstante as diferenças linguísticas e culturais, e desta vez não será diferente.

São estes desafios e a busca de soluções para os mesmos que tornam a sociedade israelense vibrante e criativa. A verdade é que a pequenina semente que foi lançada naqueles dias de maio de 1991 está germinando. Oxalá os atuais governos europeus tivessem o mesmo espírito de boa vontade com os refugiados do Oriente Médio.

Por maiores que sejam os problemas apontados na absorção destas milhares de pessoas, eles nem de longe se aproximam do custo moral que teria sido imposto ao se omitir diante da situação de pobreza e perigo de vida a que estas pessoas estariam submetidas na Etiópia. Israel não é um país extremamente rico, mas diante das circunstâncias fez o que podia para ajudar pessoas que, embora não tivessem nascido dentro de suas fronteiras, guardaram os mesmos valores, tradições e aspectos culturais por mais de 3.000 anos.


Cidadania plena: integradas ao Exército de Israel (Foto: IDF).

Falando de aviões, o trabalho que os pilotos envolvidos levaram a cabo provavelmente se encontra na lista dos mais bonitos já desempenhados pela aviação em qualquer de seus dias, comparando-se em importância à ponte aérea de Berlim, ao resgate de crianças do Vietnã e às centenas de outras operações conduzidas através do céu em socorro á vítimas de conflitos e catástrofes naturais por todo o planeta.

A Operação Salomão foi uma perfeita demonstração de perícia técnica, coordenação eficiente do volumoso tráfego aéreo e pilotagem competente.

Finalmente, no ano de 2013, pela primeira vez na história, uma bonita moça nascida na Etiópia foi eleita Miss Israel. Yityish “Titi” Aynaw, uma estonteante morena de beleza indiscutível (foto abaixo), tornou-se o símbolo mais grandiloquente de uma Israel que, além de multicultural, vem paulatinamente se tornando multiétnica. Um retrato promissor do futuro da humanidade, quando as fronteiras perderão finalmente o seu sentido e talento e graça não conhecerão bandeiras. Ainda havemos de chegar a dias radiosos onde a diversidade há de prevalecer.


Um momento mágico: ante um atônito Shimon Peres, o presidente Barack Obama cumprimenta Yityish “Titi” Aynaw, Miss Israel 2013. Ela nasceu em Addis Abeba! (Foto: EPA/Daily Mail).

A bela história do resgate dos judeus etíopes é uma prova viva e pungente de que a humanidade tem um único destino: a convivência.

Se é verdade que a aurora é o momento mágico onde não conseguimos discernir se quem vem no horizonte é nosso irmão ou nosso amigo, então nosso dia está finalmente nascendo…

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5 comentários

  1. E, eu, por admirar os conteúdos que o Velho (e bom) General divulga aos seus assinantes e leitores.
    O autor, foi muito feliz no seu texto. Além de seus conhecimentos técnicos, empregou o que tem de mais valioso, como gente: O seu imenso coração. Obrigado, a ti, autor deste artigo.
    Velho (e bom ) General, muito obrigado por me permitirem o acesso a artigos tão lindos e empolgantes como este.
    Abraços a todos que ajudam a semear a boa semente deste VELHO (e bom) GENERAL.

  2. Oi, Olá, o meu nome é Douglas Ramos e sou um homem solteiro e cristão evangélico verdadeiro e congrego na Igreja Evangélica Pentecostal Assembleia de Deus Ministério Vila Nova Cachoerinha e moro em Japeri RJ no município da Baixada fluminense do estado do Rio de Janeiro RJ e anteriormente morava em Engenheiro Pedreira RJ no município da Baixada fluminense do estado do Rio de Janeiro RJ e anteriormente morava no bairro do Vila Cajuri e congregava na Igreja Evangélica Pentecostal Assembleia de Deus Ministério Restauração e no bairro Alecrim e em Engenheiro Pedreira RJ no município de Japeri RJ na Baixada fluminense do estado do Rio de Janeiro RJ e no bairro Alecrim e em Engenheiro Pedreira RJ no município de Japeri RJ na Baixada fluminense do estado do Rio de Janeiro RJ e anteriormente morava congregava na Igreja Evangélica Pentecostal Assembleia de Deus Ministério Restauração e no bairro Alecrim e mas mesmo tempo assim etc stop.

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