O conflito entre a China e a Índia

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Por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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China e Índia disputam uma extensa região fronteiriça nas alturas do Himalaia desde a década de 1950. Já foram à guerra em razão disso. E agora, um conflito de fronteira volta a causar dezenas de mortos, elevando as tensões entre os dois gigantes asiáticos, ambos detentores de armamento nuclear.


A história do conflito remonta aos acontecimentos decorrentes do término da 2ª Guerra Mundial, quando a Índia conquistava a sua independência do Reino Unido, em 1947. No mesmo período histórico, apenas dois anos depois, na China, a Revolução Comunista obtinha sua vitória. Em seguida, de forma quase simultânea, a Índia travaria a sua primeira guerra contra o Paquistão, pela posse da Caxemira, enquanto a China anexaria o Tibete. Para a China, as alturas do Tibete eram importantes do ponto de vista estratégico, justamente para impedir que a Índia se expandisse em direção ao planalto tibetano, obstáculo natural que sempre protegeu a civilização chinesa.

Assim, chineses e indianos, herdeiros de civilizações que por milhares de anos praticamente se ignoraram em razão da gigantesca barreira natural que os separava, o Himalaia, passaram a dividir cerca de 3,5 mil km de fronteiras.

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Áreas fronteiriças em disputa (Imagem: The Economist).

Em 1959, um levante no Tibete foi esmagado pelos chineses e o Dalai Lama, líder tibetano, se exilou na Índia. Este fato foi causa do primeiro atrito entre os dois países que, apenas três anos depois, em 1962, travaram uma guerra pela posse de regiões fronteiriças. A China venceu e passou a controlar a área de Aksai Chin, um corredor estratégico que liga o Tibete ao ocidente chinês. A Índia nunca aceitou esse fato, reclamando essa e outras regiões atualmente sob a soberania chinesa. Entretanto, ao término da guerra, estabeleceu-se uma linha de controle na área contestada (Line Of Actual Control – LAC), que se tornou, na prática, a fronteira entre os dois países.

Ao longo dos anos, diversos incidentes aconteceram em vários pontos da LAC, até que, a partir de maio deste ano, novos enfrentamentos ocorreram, e a China fez um movimento mais assertivo, deslocando cerca de 3,5 mil soldados para a região. A Índia também cerrou mais meios militares para a fronteira.

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O ápice da crise atual ocorreu no último dia 15, quando um confronto resultou na morte de 20 militares indianos, dentre eles o coronel Santosh Babu. A China não divulgou suas baixas, mas estima-se que também sejam contadas às dezenas. Um aspecto a ser destacado é que os soldados de ambos os exércitos são orientados, em suas regras de engajamento, a evitar o emprego de armas de fogo, justamente para que um eventual confronto não saia do controle nem escale até provocar uma guerra. Por incrível que pareça, o entrevero entre militares de duas potências nucleares do século XXI foi travado utilizando-se de barras de ferro e pedras como armas.

O confronto se deu na região do Ponto 14, um local que ambos os países consideram estar do seu lado da LAC. Entretanto, desde 1978 a Índia estabeleceu o local como um ponto de patrulhamento, em razão de ser uma posição taticamente vantajosa, numa cordilheira com vista para o vale do Rio Galwan, no Ladakh oriental, que possibilita o controle de uma estrada que está sendo construída pela Índia, por onde ela considera ser seu território. De acordo com a versão dos indianos, os chineses estavam construindo um posto de observação na região do mesmo Ponto 14 quando a tropa comandada pelo Coronel Babu se deslocou para lá e exigiu que os chineses se retirassem. A discussão resultou em briga corporal, com a morte do coronel e de dezenas de soldados de ambos os exércitos.

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Charge de KAL (The Economist).

A Índia acusa a China de tentar redefinir a LAC, ganhando ainda mais territórios, especialmente em pontos da cordilheira que ofereçam vantagens táticas importantes, como é o caso do Ponto 14. Isso porque a China estaria especialmente descontente com as recentes obras de infraestrutura que a Índia vem construindo na região, que na visão chinesa constituem uma ameaça, especialmente em razão do separatismo tibetano.

O incidente foi grave. Foi a primeira vez que ocorreram mortes na fronteira em mais de quatro décadas. A opinião pública e a imprensa, na Índia, reforçam que é impensável que o país ceda qualquer centímetro a mais de território. O primeiro ministro Narendra Modi fez um pronunciamento à nação no qual declarou que o sacrifício dos soldados indianos não seria em vão e que o país deseja a paz, mas daria uma resposta adequada caso fosse provocado. Pelo lado chinês, o jornal estatal Global Times, conhecido por expressar as opiniões do governo, escreveu, em editorial, que os indianos deveriam “acordar de sua fantasia geopolítica” e encarar as disputas fronteiriças de “forma pragmática”.

A China, que já acumulava focos de tensão em Taiwan, no Mar do Sul da China e em Hong Kong, soma a fronteira com a Índia à essa relação. Equilibrar tantas crises e manejá-las de modo a impedir escaladas que resultem em conflitos de maior intensidade é um enorme desafio para seus estrategistas.


ASSISTA AO VÍDEO 1253 DO CALA ARTE DA GUERRA – ANÁLISE: AS ESCARAMUÇAS NA FRONTEIRA DA CHINA COM A ÍNDIA


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina;  possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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2 comentários

  1. Muito atual, oportuno e bem esclarecedor. Obrigado pela oportunidade em lê-lo. Parabéns ao autor. Aprecio assuntos de geopolítica. Escreva sempre. Terá um leitor assíduo.

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