O descarte dos Cães de Guerra

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Cel-Montenegro.png Por Fernando Montenegro*

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300 mil pessoas participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade na Praça da Sé, São Paulo, em 19 de março de 1964 (Foto: Arquivo/Estadão).

Com o fim do regime militar em 1985 e a ascensão da esquerda ao poder, teve início um processo de “esvaziamento” do entendimento da Lei da Anistia e o aparelhamento da imprensa e da academia. A chamada Comissão da Verdade, em tese criada para apurar violações dos direitos humanos entre 1946 e 1988, foi formada inteiramente por militantes de esquerda concentrou-se apenas no período do regime militar. Longe de atuar com isenção, teve por objetivo colocar no banco dos réus apenas um lado.


Assisti no History Channel certa vez um filme sobre o emprego, pelos americanos, de cães na guerra do Vietnã, nos anos 1960 e 1970. Após vários soldados americanos ficarem aleijados ou perderem suas vidas em armadilhas ao fazerem patrulhas na selva, passou-se a treinar cães para identificar, pelo faro, minas e outros artefatos que pudessem significar riscos para as tropas. Estima-se que tenham sido usados mais de dez mil animais. Na verdade, muitos eram até mesmo vira-latas que vagavam na área de operações. Quando os americanos decidiram abandonar o conflito, poucos cães foram repatriados para os Estados Unidos, a maioria foi sacrificada ou abandonada e acabou virando churrasco dos vietcongs.

Na mesma época da Guerra do Vietnã, em plena Guerra Fria, centenas de milhares de brasileiros tomaram as ruas das principais capitais do país solicitando uma intervenção para que não se tornasse uma ditadura comunista nos moldes cubanos. As motivações das solicitações eram diversas, inclusive a ameaça representada pela aproximação de grupos armados com governos comunistas de Cuba e China, a desestabilização social promovida por saques em mercados, ataques terroristas que resultaram em mortes e desmembramentos muitas vezes de transeuntes inocentes, sequestros de diplomatas e de aeronaves e assassinatos diversos. Às Forças Armadas preocupava o estímulo à insubordinação e ao motim nos quartéis.

Após derrotar cerca de trinta organizações subversivas que promoveram atentados como os descritos acima na tentativa de implantar pelas armas uma ditadura comunista com patrocínio externo, em 1979 foi promovida espontaneamente, pelo último dos presidentes militares, a abertura política, acompanhada de uma anistia “ampla geral e irrestrita”, que visava pacificar o país. A ideia, de viés “kantiano”, seria perdoar tanto os militantes e terroristas que haviam assassinado pessoas com explosões e sequestros quanto os agentes da lei que eventualmente tivessem cometido excessos e desvios de conduta. O objetivo era o de permitir que o país suplantasse esse episódio histórico e pudesse crescer em paz. Assim sendo, retornaram do exílio figuras como Leonel Brizola, José Dirceu, Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff, dentre vários outros militantes, que imediatamente iniciaram sua escalada ao poder.

Tão logo chegaram à Presidência da República, os ex-militantes iniciaram o processo de esvaziamento do entendimento havido com anistia. Já no Governo FHC, criou-se o sistema de indenizações aos militantes que se diziam torturados – embora nenhuma indenização jamais tenha sido paga a brasileiros mortos ou desfigurados nos ataques terroristas da época. A categoria militar tornou-se uma das mais mal pagas do poder executivo e alvo de críticas e chacotas emanadas dos principais formadores de opinião do país, nomeadamente a imprensa, o meio acadêmico e a classe artística que, em larga medida, haviam sido fortemente aparelhados por movimentos de esquerda.

Criou-se o Ministério da Defesa, rebaixando assim o nível, até então ministerial, dos Comandantes Militares, ao mesmo tempo em que se efetuavam maciços cortes nos orçamentos das três Armas. A distorção se materializou quando perigosos assassinos genocidas como Che Guevara, Lamarca e Marighella passaram a ser apresentados como heróis.

Pelo menos até pouco tempo atrás, os militares foram o saco de pancada da opinião pública brasileira na imprensa e maio acadêmico. Nenhum movimento ou voz significativa se levantou para defender essa categoria. Em novembro de 2011, visando punir apenas os militares, Dilma Rousseff instituiu a mal-denominada “Comissão da Verdade”, composta unicamente por ex-militantes de esquerda, cujo objetivo nunca foi o de apurar a verdade e sim o de colocar no banco dos réus apenas os agentes da lei, tendo como “arautos da moralidade” os terroristas de outrora, agora eleitos governadores, presidente ou nomeados ministros; muitos deles atualmente condenados em escândalos de corrupção.

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Nesse momento, os militares, já com mais de 70 anos de idade, que se viram convocados a comparecer para prestar esclarecimentos viram-se abandonados, não só pela sociedade – que nunca se manifestou em apoio a eles – como também dos militares em função de comando na ocasião, que não os protegeram nessa hora, embora tivessem sempre agido no cumprimento do dever, em defesa do Brasil e em resposta aos clamores dos brasileiros que haviam saído às ruas em massa, no início dos anos 1960. Esses militares, ao se verem assim entregues à própria sorte, sentiram-se como os cães de guerra do Vietnã: descartados e abandonados.

Embora seja perfeitamente compreensível esse sentimento por parte dos militares que, com o risco de suas próprias vidas, livraram a sociedade brasileira da triste sina de ver o país se tornar uma grande Cuba, recorde-se, em defesa do povo, que este também foi vítima, alvo que foi de forte campanha de propaganda e doutrinação antimilitar perpetrada pelos já citados “formadores de opinião”. Note-se, aliás, que tal campanha não ocorreu apenas no Brasil; ocorreu nos EUA também, sendo a principal responsável pelo repúdio do povo americano às suas Forças Armadas que lutavam no Vietnã.

Vale mencionar, também, que não existiam, na ocasião, a internet e as redes sociais, que permitissem aos brasileiros conservadores e patriotas se coordenarem e constatarem que não estavam sozinhos nas suas opiniões de apreço e gratidão aos militares pelo esforço exitosamente realizado. A lavagem cerebral sobre a população foi tão intensa e insidiosa que, até hoje, ao contrário do que ocorre na maioria dos países – onde povos que se sentem acuados correm naturalmente para os quartéis –, os brasileiros, ainda nos dias de hoje, hesitam em fazer isso.

Com o país quebrado pela incompetência e roubalheira da máquina de corrupção instalada pelo PT, começou a ganhar força o movimento intervencionista que há décadas pede intervenção militar. Inicialmente muito pequeno, formado majoritariamente pelos que viveram o período tenso da década de 1960, o movimento foi ganhando voz pelas redes sociais e iniciou campanha de esclarecimento público para o que verdadeiramente aconteceu naquela época.

Se por um lado era tarefa lenta e difícil, por chocar-se com décadas de doutrinação em contrário, por outro lado foi aos poucos sendo fortalecida pelo renovado interesse dos mais jovens, que começavam a sofrer as penosas consequências do lento processo de implantação comunista no país. O movimento intervencionista estimulava os mais jovens a conversarem com seus avós, tios, parentes mais idosos que tivessem vivido aquela época e assim, lentamente, eles foram descobrindo a verdade.

Em relação a esse movimento, militares mais antigos, muitos na reserva e os que estão atualmente em cargos que teriam possibilidade de alinhar-se com intervencionistas, ainda estão ressentidos com o “descarte” sofrido por gerações anteriores após amenizar-se a turbulência política e parecem preferir, agora, adotar postura mais neutra, deixar que outros vetores se acomodem sozinhos.

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Conforme salientou o General Mourão, nosso Vice-Presidente, em palestra proferida em 2017, sua geração ficou marcada por esse abandono e pela campanha de difamação sofrida: “Nós buscamos fazer o melhor e levamos pedradas de todo lado”. Contudo, continua o General, “quando lembramos do juramento que fizemos, o nosso compromisso é com a Nação, com a Pátria, independente de sermos aplaudidos ou não. O que interessa é termos a consciência tranquila de termos feito o melhor e de termos buscado, de todas as maneiras, atingir esse objetivo (i.e. defesa da Pátria).”

Por sua vez, cabe ao povo brasileiro livrar-se de uma vez por todas da pesada doutrinação sofrida e demonstrar seu apoio aos militares, de forma visível, maciça e inequívoca, nas ruas, nos quartéis, o que até agora não aconteceu. O povo e Forças Armadas são um só e que essa união é um das maiores garantias da nossa democracia.


*Fernando Montenegro, coronel R/1 das Forças Especiais do Exército Brasileiro, é mestre em Ciências Militares, pós-graduado em Gestão e Direção de Segurança pela Universidade Autónoma de Lisboa e doutorando em Relações Internacionais, Geopolítica e Geoeconomia. Foi oficial de inteligência da Unidade de Contraterrorismo do Exército Brasileiro, instrutor-chefe do Centro de Instrução de Guerra na Selva em 2009/2010 e comandante da força-tarefa Sampaio na pacificação dos Complexos de Favelas do Alemão e da Penha em 2011/2012. É autor do livro “Comando Verde” sobre a ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha, auditor de defesa em Portugal, professor da Universidade Autónoma de Lisboa e comentarista da SIC.


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5 comentários

  1. Parabéns ao autor do texto. Coberto da mais absoluta verdade. Com 62 anos, bem posso afiançar, aos mais moços, da escória que foi varrida em 1964 e que retornou após a anistia e implantou a anarquia política, a “verdade” única, a corrupção deslavada e a desorganização social com fins de perpetuação no poder. Calhordas!

  2. Saudações, sou o Coronel José Benedito Cruz Junior, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Assessor de Doutrina da Academia Militar das Agulhas Negras e cursei o Curso Básico de Paraquedista junto com o Coronel Montenegro, em 1989.
    Acompanho, com grande interesse, o trabalho desenvolvido no blog “Velho General”, bem como as lives feitas junto com o Canal Arte da Guerra, do Comandante Farinazzo, que eu considero um dos melhores canais do YouTube, e leio todos os artigos escritos pelo Montenegro, sejam eles publicados no blog “Velho General” ou no site “Defesanet”.
    No entanto, lendo o artigo intitulado “O descarte dos Cães de Guerra”, constatei a existência de algumas incorreções e equívocos, com relação à cronologia dos fatos, que levaram ao Movimento Cívico-Militar de 1964, e com relação ao retorno dos exilados políticos, após a promulgação da Lei de Anistia.
    No trecho “…As motivações das solicitações eram diversas, inclusive a ameaça representada pela aproximação de grupos armados com governos comunistas de Cuba e China, a desestabilização social promovida por saques em mercados, ataques terroristas que resultaram em mortes e desmembramentos muitas vezes de transeuntes inocentes, sequestros de diplomatas e de aeronaves e assassinatos diversos. Às Forças Armadas preocupava o estímulo à insubordinação e ao motim nos quartéis…”, constatamos pela leitura de livros, como “ORVIL” e “A Verdade Sufocada”, que ataques terroristas, sequestros de diplomatas e de aeronaves não se constituíram em motivações para que o povo brasileiro solicitasse uma intervenção, pois aquelas ações passaram a ocorrer APÓS o Contragolpe de 64. O atentado terrorista no Aeroporto dos Guararapes, que foi um dos eventos que marcou o início da luta armada no Brasil, ocorreu em 25 de julho de 1966. O sequestro do Embaixador dos EUA no Brasil, o senhor Charles Burke Elbrick, ocorrido em 4 de setembro de 1969, inaugurou o período de sequestros de diplomatas, visando a sua troca por terroristas presos; e o sequestro do voo 131 da Varig, conhecido como sequestro do Electra PP-VJN, ocorreu no dia 30 de maio de 1972.
    Com relação ao retorno dos exilados ao Brasil, no trecho “… Assim sendo, retornaram do exílio figuras como Leonel Brizola, José Dirceu, Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff, dentre vários outros militantes, que imediatamente iniciaram sua escalada ao poder…” são relacionados o José Dirceu e a Dilma Rousseff como militantes, de organizações de esquerda, que retornaram ao Brasil após serem anistiados.
    Entretanto, o José Dirceu era líder estudantil, foi preso, em 12 de outubro de 1968, no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna-SP; posteriormente, foi trocado, em 7 de setembro de 1969, pelo Embaixador Charles Burke Elbrick; após uma passagem pelo México, foi pra Cuba e retornou ao Brasil, em 1971, depois de submeter-se a cirurgias plásticas para não ser reconhecido; viveu algum tempo em São Paulo e em cidades nordestinas; sentindo sua segurança ameaçada, retornou pra Cuba e voltou ao Brasil, em 1975, instalando-se na cidade de Cruzeiro do Oeste-PR, onde morou até a promulgação da Lei de Anistia, ou seja, ele já estava no Brasil quando foi anistiado.
    No caso da Dilma Rousseff o equívoco é ainda maior, pois ela NUNCA se exilou; ela é mineira de Belo Horizonte e, após o Movimento Cívico-Militar de 64, ingressou na luta armada, integrando o Comando de Libertação Nacional (COLINA); depois da fusão desta organização com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o que deu origem à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-PALMARES), ela permaneceu nesta nova organização, mesmo após o “racha” que resultou no renascimento da VPR. Foi presa, julgada pela Justiça Militar e permaneceu presa de 1970 a 1972; depois da sua soltura, reconstruiu sua vida no Rio Grande do Sul.
    Espero ter contribuído, mesmo que de maneira mínima, com o trabalho dos senhores, um grande abraço a todos.

    1. Cel Cruz, agradeço pela contribuição. Vou repassar seus comentários ao Cel Montenegro. Mais uma vez, muito obrigado pelo comentário e por nos acompanhar. Forte abraço!

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