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Por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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O Ártico (Foto: Pxhere/CC0).

Além de ser uma importante rota comercial que pode economizar tempo e dinheiro, estimativas indicam que cerca de 13% do petróleo e 30% do gás natural por ser descoberto estão dentro do Círculo Polar Ártico; a região abriga também jazidas de ouro, magnésio, níquel, cobalto e prata. Tem também importância militar suficiente para justificar a criação, em 2014, do Comando Estratégico Conjunto da Frota do Norte.


A maneira como cada um de nós entende a geografia do mundo é condicionada pela imagem que conhecemos do planeta. Assim, aqui no Brasil e no restante do ocidente, a ideia que temos do planeta é a da projeção cilíndrica de Mercator. As Américas estão “à esquerda”, Europa e África “ao centro” e Ásia e Oceania “à direita”. “Abaixo”, a Antártida e “acima”, o Oceano Glacial Ártico.

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Projeção Cilíndrica de Mercator (Strebe/Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0).

Acostumados a ver o mundo desse ponto de vista, os ocidentais se habituaram a tratar o Oceano Glacial Ártico e a Antártida como grandes áreas passivas, completamente fora dos interesses da imensa maioria das pessoas. Entretanto, para os russos, o Ártico tem uma importância geoestratégica vital. E fica bem mais fácil entender isto se, ao invés da projeção cilíndrica de Mercator, utilizarmos uma projeção plana, também chamada azimutal, para observar aquela parte do mundo.

Como se vê, a imagem do hemisfério norte agora mostra, “à esquerda”, a América do Norte, com destaque para o Canadá, o Alasca e a Groenlândia. “Ao centro”, o Ártico, e “à direita”, a Eurásia, com destaque para a Rússia. É possível se observar com mais clareza o gigantesco litoral ártico russo, de mais de 24 mil quilômetros de extensão, mais de três vezes o tamanho do litoral atlântico brasileiro. Salta aos olhos que o Oceano Glacial Ártico é uma ligação entre os oceanos Pacífico e Atlântico, além de ser inescapável a proximidade da Ásia e da América no Estreito de Bering, que separa a Sibéria russa do Alasca[1] norte-americano.

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Projeção Polar plana do Hemisfério Norte (Imagem: Gringer/Wikimedia Commons/Public Domain).

Em 1935, os russos conseguiram, pela primeira vez, estabelecer com regularidade o trânsito de navios mercantes pela Rota Norte, ou passagem do Noroeste[2], ligando os Oceanos Pacífico e Atlântico, navegando ao longo da costa russa. A navegação, durante décadas, ficou restrita ao período de agosto a outubro, mas sempre com o constante risco representado pelos icebergs e pela instabilidade climática da região.

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Rota Norte (Fonte: Economic Possibilities of Shipping through Northern Sea Route, Lee and Song, 2014).

A Rota Norte encurta consideravelmente distâncias de transporte. Uma viagem do Porto de Roterdã, na Holanda, à cidade japonesa de Yokohama é reduzida em 3.840 milhas náuticas, cerca de 9 dias de navegação. Do mesmo porto até Xangai, o encurtamento é de 2.361 milhas náuticas, ou cerca de 5,5 dias, se comparadas com a rota alternativa, que circunda a Eurásia pelo Sul, utilizando o Canal de Suez e o Oceano Índico até chegar ao Pacífico.

Com o esfacelamento da antiga União Soviética, esta rota praticamente fechou. Entretanto, a partir da segunda década deste século, a Rússia voltou a investir na viabilidade comercial da rota. Para isto, alguns fatores contribuíram, como uma nova classe de navios quebra-gelo, inclusive de propulsão nuclear, modernas tecnologias de auxílio à navegação e o próprio aquecimento do clima global, fatores que, somados, permitiram a ampliação do prazo navegável de três meses, em 1935, para seis ou sete meses por ano, nos dias atuais. Outro estímulo importante foi o incremento da produção de gás natural siberiano que, liquefeito, encontra na Rota Norte o seu melhor caminho até os países importadores. Assim, de 2015 a 2019 o volume de cargas transportado pelos navios mercantes ao longo da costa ártica da Rússia saiu de 5,4 milhões para 29 milhões de toneladas/ano. Isto mostra um esforço logístico de melhoria das condições de transporte, que superam dificuldades como os altos preços dos seguros e os riscos de atrasos causados pelas condições climáticas muitas vezes desfavoráveis na região.

Apesar de sua importância, o estabelecimento da Rota Norte não é o único motivo pelo qual a Rússia está atenta ao Ártico. A importância econômica da região não é nada desprezível. Segundo estimativas do Observatório Geográfico dos EUA, cerca de 13% do petróleo e 30% do gás natural por ser descoberto estão no interior do Círculo Polar Ártico. Isto sem falar da comprovada existência de outras riquezas minerais de grande valor, como ouro, magnésio, níquel, cobalto e prata.

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Há ainda o aspecto militar. O país criou, em 2014, um comando conjunto voltado para o Ártico, que, não custa lembrar, é a região em que Ásia e América mais se aproximam geograficamente. Trata-se do Comando Estratégico Conjunto da Frota do Norte. Esta criação permitiu a retomada, ampliação e modernização de várias bases militares do país na região. A realocação e readequação das forças permitiu a ampliação da instalação de radares, baterias antiaéreas, baterias de mísseis e equipamentos de guerra eletrônica, dentre outras inúmeras possibilidades. Além disso, o Ártico é a região mais adequada para testes de novos armamentos, por sua vastidão, vazio demográfico e dificuldade de acesso.

Dessa forma, a Rússia, uma nação tradicionalmente voltada ao poder terrestre, vai conquistando espaço e larga na frente na competição pela exploração da região ártica, seguindo os preceitos do Almirante Alfred Thayer Mahan, teórico da importância estratégica do domínio de rotas marítimas – o chamado “poder marítimo”. Além disso, na medida em que avança em direção ao Norte, estabelece no Ártico a mesma estratégia de projeção de poder que tem executado em outras regiões de seu interesse, notadamente o leste europeu e o norte da África. Nesse sentido, foi emblemático o gesto ocorrido em 2 de março de 2007, quando uma expedição submarina do país instalou a bandeira da Federação Russa no leito do oceano, a mais de 4 mil metros de profundidade, no ponto que define o “polo norte real”. Para os russos, não há dúvidas sobre qual nação deve ter a primazia da exploração das riquezas árticas.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina;  possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


Notas

[1] O Alasca, no que hoje parece uma ironia do destino, foi território russo e foi vendido por 7,2 milhões de dólares, pelo Tzar Alexandre II, aos EUA, em 1867, pelas dificuldades do Império Russo em manter o distante território.

[2] A passagem noroeste tinha sido feita pela primeira vez, a duras penas, pelo explorador norueguês Ronald Amundsen, em seu pequeno navio Gjøa, que está exposto à visitação na cidade de Oslo, capital da Noruega, ao lado do Fram, o navio usado pelo mesmo explorador na conquista do Polo Sul, em 1911.

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2 comentários

  1. Sempre interessante os artigos do Coronel.
    Por coincidência, li recentemente o artigo “China’s Submarine Fleet in the Arctic” da ESD 02/2020 que trata do crescente interesse chinês no mesmo oceano. Abraços.

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