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Fragelli Por José Alberto Accioly Fragelli*

Publicado originalmente na Revista Marítima Brasileira nº 137 de jan/mar 2017.


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O NAeL Minas Gerais A-11 navegando em algum ponto do Atlântico Sul em outubro de 1996 (Foto: Rob Schleiffert/Creative Commons Attribution-Share Alike 2.0).

O almirante José Alberto Accioly Fragelli comandou, em 1993, o Grupo-Tarefa brasileiro que participou da primeira Operação ARAEX, exercício conjunto entre a Marinha do Brasil e a Armada Argentina. Durante esta operação, pilotos argentinos se valeram do A-11 Minas Gerais para a manutenção de sua qualificação.


Em novembro de 1993, foi realizada a primeira Operação ARAEX, entre as Armadas da Argentina e do Brasil, quando o nosso Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas Gerais foi empregado na manutenção da qualificação de pilotos argentinos, que operavam os novos Super Étendard.

A Marinha argentina possuiu em seu histórico dois navios-aeródromos: o primeiro, o Independencia, ex-HMS Warrior, classe Colossus, adquirido da Inglaterra em 1958; o segundo, o 25 de Mayo, foi negociado com a Holanda em 1969, também da classe Colossus, construído para a Marinha inglesa com o nome de HMS Venerable. A Holanda operou este navio de 1948 até vendê-lo para a Argentina com o nome de Hr. Ms. Karel Doorman, em homenagem ao almirante holandês que morreu na Batalha do Mar de Java contra o Japão, na Segunda Guerra Mundial.

O 25 de Mayo participou do conflito entre Argentina e Chile pela posse do Canal de Beagle. Na época, seu convés de voo foi aumentado de forma a capacitá-lo para receber mais de 21 aviões, como era inicialmente previsto.

Em 2 de abril de 1982, iniciou-se o conflito entre Argentina e Inglaterra pela posse das Ilhas Falklands/Malvinas, com a invasão das mesmas por ordem do General Galtieri, Presidente da Argentina.

Aquelas ilhas, situadas na extremidade meridional do continente sul-americano, têm, entre outras, a possibilidade de controle do hemisfério austral. Pela sua posição, normalmente são submetidas a ventos muito fortes. Consta que o 25 de Mayo suspendeu para esta área, mas teve problemas em sua propulsão, reduzindo sua velocidade; encontrou surpreendentemente uma grande calmaria, não permitindo operações aéreas.


Em 2 de maio de 1982, o cruzador argentino General Belgrano foi afundado pelo submarino nuclear inglês HMS Conqueror. Sob ameaças de outros ataques de submarinos nucleares, a esquadra de superfície argentina recolheu-se às suas bases, não dando oportunidade ao 25 de Mayo de voltar a tentar participar do conflito.

Em 1988, a Armada argentina iniciou um grande refit no seu navio-aeródromo, visando inclusive à troca de sua propulsão, primeiro incluindo o Cosag[1] com novas caldeiras. Posteriormente, mudou o projeto, substituindo pelo Codog[2] com quatro motores diesel. Em 1990, a Fincantieri venceu a concorrência inicial para dar assistência técnica à AFNE Santiago para trocar as turbinas Parsons pela GE/Fiat LM 2500 gás turbina.

Em 1992, quando os velhos sistemas de propulsão já tinham sido retirados de bordo e era previsto o início das obras, por motivos superiores os trabalhos foram suspensos ou cancelados e o 25 de Mayo nunca mais se fez ao mar.

Nesta situação, a Argentina precisava manter os seus pilotos qualificados nos doze Super Étendard adquiridos da França e, por esta razão, solicitou apoio ao Brasil.

Sendo eu o chefe do Estado-Maior da Esquadra, fui escolhido para comandar um Grupo-Tarefa brasileiro, composto pelo nosso Minas Gerais e pelo contratorpedeiro Mariz e Barros, incorporando uma corveta argentina da classe Meko 140 quando chegássemos a Puerto Belgrano.

Suspendemos do Rio de Janeiro no dia 17 de novembro de 1993, atracando três dias depois em Rio Grande para abastecimento. O meu staff era muito bom, a começar pelo comandante do Minas Gerais, capitão-de-mar-e-guerra Wilson Jorge Montalvão e tendo como meu braço direito o excepcional capitão-de-mar-e-guerra João Afonso Prado Maia de Faria, como meu chefe do Estado-Maior.

Saindo de Rio Grande, chegamos três dias depois a Puerto Belgrano, base da esquadra argentina. Eu nunca lá tinha estado e me surpreendi pela grandeza dessa base, construída no início do século XX, com uma série de fortes edificados para protegê-la.

A bordo do Minas, estavam embarcados dois esquadrões de helicópteros navais e o Grupo de Aviação Embarcado (GAE) da Força Aérea Brasileira (FAB), com quatro aviões Grumman S2-E Tracker.

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Agradou-me positivamente o perfeito entrosamento entre a nossa gente marinheira e os militares da FAB, numa confraternização extraordinária, tanto no campo profissional como na área de convívio, como se fosse uma única força, muito diferente de 1964, quando presenciei problemas entre as nossas duas forças.

Chegando a Puerto Belgrano, apresentei-me ao comandante de la Flota (Comench), contra-almirante Fusari, que me recebeu com grande cordialidade.

O Minas estava em estado quase perfeito, tendo apenas o problema da catapulta, e não tínhamos certeza de poder lançar os Super Étendard. Pessoalmente, o nosso comandante de Operações Navais, almirante Cézar de Andrade, determinou-me que não corresse risco operando com a mesma.

Assim, combinei com o almirante Fusari que a qualificação dos pilotos se limitaria ao toque e à arremetida.

Já havia algum tempo que os pilotos argentinos não operavam em um navio-aeródromo. Determinei, assim, que o comandante do GAE, tenente-coronel (AV) Reale, fosse à Base Aeronaval Capitán Espora para presenciar o treinamento dos pilotos argentinos. Lá foi feita na pista uma pintura reproduzindo o convés de voo do nosso navio.

No terceiro dia, o tenente-coronel Reale me deu o pronto, participando que os pilotos estavam aptos a operar de bordo. Fui então à mencionada base aeronaval, onde fui apresentado ao capitán de navío (CMG) Colombo, comandante da Aviação Naval argentina. Ele me levou a um salão para mostrar-me um grande mural na parede, reproduzindo as façanhas extraordinárias dos aviadores navais argentinos na Guerra das Malvinas (Falklands), que partiam das bases de Río Grande e Río Gallegos, no extremo sul da Argentina, para alcançarem os navios ingleses, tendo de fazer dois reabastecimentos em voo, um na ida e outro na volta. Ao todo eram sete horas de voo, sentados em cabines desconfortáveis de um caça e sob ameaça de não encontrarem o avião reabastecedor e caírem no mar, em águas geladas que garantiriam apenas sete minutos de sobrevivência.

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Caça-bombardeiro Super Étendard da Armada da República Argentina (Foto: Wikipedia/Governo Argentino/Creative Commons Atribución/Compartir-Igual 2.5 Argentina).

Convidei o almirante Fusari para assistir à operação de seus pilotos a bordo do Minas. Ele perguntou-me se poderia levar mais dois almirantes, o comandante dos Fuzileiros Navais e o comandante da Área do Atlântico. Claro que concordei. Ele me explicou que antes das Malvinas a Marinha argentina tinha cerca de trinta almirantes, mas agora estava reduzida a onze, pela experiência vivida naquela guerra. Explicou-me que, quando os navios ingleses entraram no Estreito de São Carlos, visando iniciar o desembarque, o general Menéndez, comandante das ilhas, pediu apoio aéreo, que só chegou horas depois, devido à cadeia burocrática de comando, atrasando a solicitação para que os aviões decolassem de suas bases, o que provocou a chegada deles à área já tendo ocorrido o desembarque inglês, e assim a prioridade dos alvos passara a ser os escoltas e não os navios com tropa.

O almirante Fusari explicou-me que a Argentina não possuía Distritos Navais e sim Comandantes de Áreas Marítimas e aconselhou-me a não deixar ser criada a Guarda Costeira, pois a mesma, que lá é chamada de Prefectura Naval, tinha sugado em muito os recursos e a projeção da Marinha.

No dia 27 de novembro, suspendemos para a realização das operações com os aviões Super Étendard. Antes de sair do Rio, meu saudoso amigo e chefe almirante Oliveira, em sua sensibilidade e vocação jurídica, conversou comigo sobre, caso houvesse um acidente, a quem caberia a apuração do inquérito – à Armada Argentina ou a Marinha do Brasil. O primeiro avião que tocou no convés do Minas correu por todo ele e, ao decolar, ficou oculto pelo casco do navio, dando a impressão que tinha caído ao mar, vindo-me logo a mente a preocupação do almirante Oliveira. Pouco depois, o avião apareceu e com ele desapareceu o nosso susto. Foi o único contratempo que tivemos em inúmeros toques e arremetidas.

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Aeronave P-16 Tracker da FAB pousa no NAeL Minas Gerais (A-11) durante o exercício UNITAS XXV em 1984 (Foto: US Navy/Senior Chief Journalist Kirby Harrison/Public Domain).

No fim do dia, o comandante Colombo deu por satisfeita a qualificação de todos os pilotos e sugeriu que se encerrasse a operação, regressando à base.

No dia seguinte, suspendemos de Puerto Belgrano, onde fomos muito felizes e iniciamos o retorno, passando por Montevidéu.

Na viagem de volta, o comandante do GAE convidou-me para voar em um dos seus aviões. Aceitei, com a condição de ficar na cabine. Então ele informou-me que era o único piloto a bordo que podia voar sem copiloto e que consequentemente, eu teria de ser submetido a um treinamento para realizar umas poucas tarefas na ocasião da decolagem do avião.

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O Tracker não era catapultado, ele decolava em corrida livre. Era um avião muito grande para operar a bordo do Minas. O piloto levava o avião para a popa, acelerava à máxima potência, segurando com os freios até atingir a maior aceleração, quando então soltava os freios. No convés do Minas existia uma linha preta pintada da popa até o final da proa, onde o comandante da aeronave colocava o trem de pouso dianteiro e seguia diretamente por ela, não podendo cometer o menor desvio, pois a ponta da asa de boreste passava a menos de cinco metros da ilha do navio. O piloto só se concentrava nesta tarefa, e as outras mais simples eram feitas pelo copiloto. Fizemos ao todo dezesseis decolagens e pousos. O Minas tinha cinco cabos de parada. No pouso, o tenente-coronel Reale perguntava-me qual dos cabos eu escolheria, e ele pousava exatamente no cabo escolhido. Era fantástica a sua perícia como piloto.

No dia 7 de dezembro de 1993, o querido e saudoso Minas entrou barra adentro na Baía de Guanabara, com mais uma missão bem cumprida.

Notas

[1] N.R.: Acrônimo de sistema de propulsão Combined Steam and Gas (Combinado Vapor e Gás).

[2] N.R.: Acrônimo de sistema de propulsão Combined Diesel or Gas (Combinado Diesel ou Gás).


*José Alberto Accioly Fragelli é almirante-de-esquadra reformado. Foi chefe do Estado-Maior da Armada, comandante de Operações Navais, diretor-geral do Pessoal da Marinha, diretor de Hidrografia e Navegação e diretor de Ensino da Marinha. Comandou o 5º Distrito Naval, a Escola Naval, o Centro de Adestramento Almirante Marques Leão, a Fragata Liberal, o Contratorpedeiro Alagoas e o Corpo de Aspirantes e, na reserva, foi diretor-presidente da Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento do Submarino com Propulsão Nuclear.


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4 comentários

  1. Se não me lembro neste toque e arremetida , um super entender acabou pousando no Minas Gerais.
    Tenho até o vídeo.

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