Cinco lições de pandemias passadas

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Cel-Paulo-Filho.png Por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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Eliminação de cadáveres durante a epidemia de cólera de 1835 em Palermo, Itália (Imagem: litografia de Gabriele Castagnola/Welcome Collection/Attribution 4.0 International CC BY 4.0).

Pandemias tem assolado a humanidade no decorrer dos séculos; a atual crise provocada pela COVID-19 é apenas mais uma da longa sequência de pestes que, periodicamente, nos atingem. O estudo desses episódios traz lições que continuam válidas atualmente e algumas tendências já podem ser observadas. Como sempre, a História é mestra.


Pandemias não são novidades para a humanidade. E o estudo das que já foram enfrentadas pode indicar perspectivas sobre o que está por vir. Iain King, em artigo para o CSIS (Center for Strategic and International Studies, Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais – www.csis.org) lista ensinamentos que as pandemias já enfrentadas legaram ao presente. Da leitura das reflexões de King, selecionei cinco lições que a história nos apresenta para o momento atual.

A primeira, no campo militar, aponta para uma tendência de paralização, ou redução, do impulso das campanhas militares em curso. Ele apresenta, como exemplo, a Guerra do Peloponeso, em 430 a.C., quando os atenienses foram infectados por uma peste. “Pessoas com boa saúde eram subitamente acometidas por fortes dores de cabeça, vermelhidão e inflamação nos olhos. Garganta e língua sangravam e exalavam um hálito artificial e fétido”. A descrição de Tucídides na magistral História da Guerra do Peloponeso mostra que a doença refreou o impulso ateniense, prolongando a guerra, que finalmente terminou vencida por Esparta. Outros exemplos seriam a epidemia que assolou a Rússia em 1771, obrigando a Imperatriz Catarina a diminuir a conscrição e negociar um acordo com a Prússia, com quem a Rússia disputava a posse da Polônia, e as epidemias que assolaram o Império Romano, refreando suas campanhas expansionistas.

Atualmente, a COVID-19 já provocou um cessar-fogo na guerra civil do Iêmen e uma sensível redução nas atividades russas e turcas no conflito da Síria. As grandes restrições orçamentárias que certamente virão após a crise farão com que as sociedades rediscutam a atuação de suas forças armadas em campanhas longínquas, nas quais os cidadãos médios veem pouca vantagem na relação custo versus benefício. Por outro lado, também servirão de estímulo para se acentuarem as ações menos dispendiosas nos chamados “múltiplos domínios” do campo de batalha, como a atuação no campo informacional, com a intensificação de campanhas psicológicas e de desinformação, coisa que, aliás, já se vê nos dias atuais.

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A segunda lição é o enfraquecimento da autoridade governamental. As revoltas na Inglaterra contra as medidas econômicas adotadas pelo Rei Ricardo II para responder aos efeitos da Peste Negra, no século XIV, e o questionamento pela população de Atenas sobre a liderança de Péricles para o enfrentamento de uma epidemia letal de tifo na cidade, que afinal acabaria matando o próprio Péricles, são dois exemplos históricos.

É fácil perceber que tais questionamentos ocorrerão daqui para frente, ainda mais se considerando que a atual instantaneidade das comunicações facilita tremendamente a comparação dos desempenhos das diversas lideranças no enfrentamento da pandemia. Governantes e líderes, em todas as esferas de atuação e de todos os níveis, sobre os quais pesarem a responsabilidade de respostas inadequadas ou insuficientes, tanto no enfrentamento da crise propriamente dita quanto de suas repercussões econômicas, sofrerão com o descontentamento popular.

Uma terceira lição é o crescimento da superstição e das fake news. No século XIX, espalhou-se a crença de que cintos de lã protegiam do cólera e que a tuberculose era transmitida por parentes falecidos, que retornavam dos túmulos. Diversos registros, de várias épocas diferentes, retratam desespero, fatalismo, fervor e psicose durante os tempos de pandemia.

Em 2020, a COVID-19 se mostra uma oportunidade para a disseminação de desinformação e notícias falsas, intencionalmente, ou de forma desavisada. Remédios caseiros ou industrializados são alçados à condição de cura milagrosa todos os dias. Teorias da conspiração, das mais diversas, emergem e são aceitas por importantes estratos da sociedade.

Uma quarta lição é o aumento da xenofobia e da busca por culpados. Durante a Peste Negra, houve um aumento do antissemitismo e da hostilidade contra peregrinos, mendigos e leprosos. Praticamente todas as pandemias da história resultaram em suspeitas e hostilidades contra estrangeiros. Não é diferente na crise atual, quando casos de xenofobia já foram registrados em várias partes do mundo, bem como a busca de bodes-expiatórios, muitas vezes, como no caso da China e dos EUA, de forma recíproca.

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A quinta lição é a de que as pandemias apontam novos vencedores e novos perdedores no campo econômico. Os trabalhadores que conseguiram sobreviver à Peste Negra puderam exigir salários mais altos, em razão da súbita carência de mão de obra. Governos tiveram que se ajustar a orçamentos bastante reduzidos nos anos seguintes às pandemias, elaborando novas políticas econômicas que favoreceram alguns grupos em detrimento de outros.

A COVID-19 obrigará a mudanças semelhantes. Cadeias logísticas baseadas no sistema just in time e esquemas produtivos globalizados certamente sofrerão modificações. Setores inteiros, como o do entretenimento e turismo, por exemplo, certamente levarão mais tempo para se recuperar, enquanto outros, como os ligados à indústria farmacêutica e de saúde acabarão sendo beneficiados no cenário pós pandemia.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina; possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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8 comentários

  1. Que excelente material. O autor, do alto de sua formação profissional, nos brindou com tamanho saber. Muito gratificante ler e ter acesso a material tão bem redigido. De coração, obrigado.

    1. Muito obrigado, José. Realmente o cel Paulo Filho é um oficial muito bem preparado e o texto bastante pertinente. Agradeço por nos acompanhar. Um abraço!

  2. Abundância de informação não nos falta, mas aquela que constrói e nos auxilia na tomada de decisões estão emersas em um mar de interesses escusos. Assim, o artigo resgata memórias esquecidas de um passado, onde a humanidade se reergueu e seguiu em frente segundo as lições aprendidas, mas que hoje não são aplicadas.
    Grato ao Autor e ao Blog pela apresentação.

  3. Sucinto e objetivo. Excelente.
    A humanidade, o homo sapiens em si, mesmo com todos os avanços ainda é muito supersticioso.
    Parabéns ao Cel. Paulo Roberto da Silva Gomes Filho.

  4. Muito bom. Isso nos ajudara a tomar decisoes mais acertivas enquanto cidadãos. Obrigado Coronel.

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