Braço Forte, Mão Amiga: as Operações Controle e Acolhida em Roraima

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Albert-VF1 Por Albert Caballé Marimón*

Artigo publicado originalmente na revista Tecnologia & Defesa nº 158

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Militares da Força Tarefa com crianças venezuelanas em abrigo na cidade de Pacaraima (Foto do autor).

A crise humanitária em Roraima, no extremo norte do Brasil, desencadeada pelo fluxo migratório de venezuelanos em busca de melhores condições de vida, expôs mais uma faceta dos problemas vividos no país vizinho. Isso exigiu um esforço logístico e de coordenação nos níveis político, estratégico, operacional e tático, incluindo pessoas, autoridades e organismos nacionais e internacionais. Tarefa que as Forças Armadas, notadamente o Exército, cumprem de forma exemplar.


Para atender à demanda humanitária, foi necessário recorrer às Forças Armadas sob a forma de uma FTLH (Força Tarefa Logística e Humanitária). Com a participação das três Forças e coordenada pelo Exército, a iniciativa transformou-se em exemplo para o mundo e mais uma vez mostrou que o mote “Braço Forte, Mão Amiga” não é apenas um slogan e representa muito bem a atuação da Força Terrestre.

Com atividades iniciadas a partir de março de 2018, a FTLH, “coração” da Operação Acolhida, em Roraima, atua em esquema de rodízio de contingentes e o sexto desses assumiu em agosto passado. A convite da Revista Tecnologia & Defesa e do coronel Urubatã Muterle Gama, chefe do Estado-Maior Conjunto da Operação, segui àquele Estado em agosto de 2019 para conhecer de perto a Operação, as atividades e sua infraestrutura.

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Antecedentes

Possuidora de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela tem nesse insumo sua principal fonte de receitas, responsável por mais de 80% das exportações. A partir de meados de 2014, a queda nos preços contribuiu significativamente na deterioração da economia local. Ao mesmo tempo, o fraco desempenho da PDVSA (Petróleos de Venezuela, estatal petrolífera venezuelana), decorrente de insuficiente nível de investimentos em infraestrutura, resultou em declínio na produção.

Em outros setores econômicos o país apresenta uma baixa produtividade e assim tornou-se altamente dependente de importações para atender necessidades básicas de bens de consumo. O cenário adverso levou a Venezuela a viver uma grave escassez de alimentos e medicamentos.

Com a morte de Hugo Chávez, em 2013, Nicolás Maduro assumiu o governo esperando manter os mesmos caminhos de seu antecessor e padrinho político. Entretanto, a realidade encontrada foi bastante distinta. A combinação de diversos fatores – o autoritarismo e a instabilidade, a hiperinflação, o alto desemprego e o desabastecimento de insumos básicos – resultaram em miséria e no colapso socioeconômico, levando milhares de pessoas a buscar melhores condições de vida em outros países.

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Dados de entrada de imigrantes venezuelanos (Fonte: R4V).

Migração em massa

Entre 2015 e 2016, com o aumento das proporções da crise, o fluxo migratório de venezuelanos ao Brasil se intensificou, sofrendo um aumento dramático a partir de 2017. Em janeiro de 2018, a prefeitura de Boa Vista, capital de Roraima, estimou que havia cerca de 40 mil deles na cidade, a grande maioria em condições muito precárias. O número era equivalente a mais de 10% da população de pouco mais de 300 mil habitantes. Em Pacaraima, município de fronteira com 12 mil habitantes, a situação era ainda mais difícil.

Isso, evidentemente, acabou gerando problemas na prestação dos serviços essenciais; hospitais e escolas não tinham meios para fazer frente ao aumento da demanda. Além disso, sem ter onde viver e trabalhar, muitos refugiados passaram a ocupar praças, marquises e outras estruturas, o que resultou no agravamento da saúde e segurança públicas.

O Braço Forte: Operação Controle

Diante de tal quadro, o Exército, através da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Boa Vista, sob o comando do general-de-brigada Márcio Bessa Campos, intensificou, no início de 2018, a Operação Controle em Roraima, com os objetivos de combater os crimes transfronteiriços e apoiar o controle migratório.

Dessa forma os militares realizam patrulhamentos e estabelecem PBCE (Postos de Bloqueio e Controle de Estradas) nas rodovias que dão acesso ao País, a BR-174, que liga a Venezuela ao Brasil, passando por Pacaraima, e a BR-401, que passa pela cidade de Bonfim na ligação com a Guiana, entre outros pontos. O trabalho efetuado pela 1ª Brigada é muito importante para a segurança e eficiência da Operação Acolhida.

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Militares da 1ª Brigada num PBCE (Foto: Relações Públicas/1ª Bda Inf Sl).

Durante a visita à Brigada, o general Bessa, que me recebeu em seu gabinete, informou que, até o início de março de 2019 ocorreu a Operação Tucuxi, uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em que o Exército tinha autoridade de polícia nos abrigos destinados aos refugiados e seu entorno.

O general Bessa disse que, com o fechamento da fronteira pela Venezuela, os imigrantes passaram a usar rotas alternativas, sendo necessário controlar essas áreas, guarnecendo postos de controle. O intuito não foi impedir a entrada no Brasil, mas organizar e manter um controle do fluxo. A passagem de pessoas em pontos mais isolados é pequena, mas a presença do Exército é fundamental para coibir ilícitos.

Hoje, o grande objetivo da Operação Controle é manter a estabilidade social. É feito o controle de imigrantes, entrada e saída de Pacaraima”, explicou o oficial, acrescentando que “ao identificarmos pessoas sem documentação saindo em direção a Boa Vista, as orientamos a retornar ao posto da Operação Acolhida para regularizar sua situação”.

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General-de-brigada Márcio Bessa Campos, comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva (Foto do autor).

A Mão Amiga: Operação Acolhida

O Governo Federal, diante da urgência representada pelo aumento populacional desordenado na região, implementou uma série de instrumentos legais que possibilitaram as operações.

Através do Decreto nº 9.285, de 15 de fevereiro de 2018, ficou reconhecida a situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado pela crise humanitária na Venezuela. Na mesma data, foi editado também o Decreto nº 9.286, que definiu a composição, competências e normas de funcionamento do CFAE (Comitê Federal de Assistência Emergencial) para o acolhimento daquelas pessoas.

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Composição do Comitê Federal de Assistência Emergencial (Fonte: FTLH).

Com base nos decretos editados pelo então presidente da República Michel Temer, a Operação Acolhida foi autorizada pela Diretriz Ministerial nº 03/2018, de 28 de fevereiro de 2018. Posteriormente, em 21 de junho de 2018, foi criada a Lei nº 13.684, que dispõe sobre “medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária; e dá outras providências.”

Em 12 de março de 2018 foram iniciadas as atividades da FTLH para o Estado de Roraima dentro da Operação Acolhida. É uma ação conjunta envolvendo as Forças Armadas, diversos órgãos das esferas federal (Receita Federal, ABIN, Força Nacional, Polícia Federal, ministérios e outros órgãos), estadual (governo, Polícias Militar e Civil, Bombeiros, Defesa Civil, etc.) e municipal (Prefeituras de Pacaraima e Boa Vista, e a Guarda Civil Municipal de Boa Vista).

Participam também organizações internacionais como o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), a OIM (Organização Internacional de Migração), o UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), e UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), além de ONGs (Organizações Não Governamentais), tais como Fraternidade sem Fronteiras, NRC (Norwegian Refugee Council), AVSI (Associazione Volontari per il Servizio Internazionale), Fraternidade – Federação Humanitária Internacional (FFHI), e outras.

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Organograma da Força Tarefa (Fonte: FTLH).

O coordenador operacional da Força Tarefa Logística e Humanitária era o general-de-divisão Eduardo Pazuello (hoje no Ministério da Saúde), designado para a missão em fevereiro de 2018. Militar de grande experiência, o general Pazuello foi homenageado com o Prêmio Direitos Humanos 2018, concedido pelo Governo Federal em reconhecimento ao importante papel que desempenha na Operação. Seu coordenador operacional adjunto era o coronel Georges Feres Kanaan, o qual, tendo atuado como oficial de operações da 1ª Brigada de Infantaria de Selva (e em outras posições), é grande conhecedor da região.

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General-de-divisão Eduardo Pazuello, coordenador operacional da Força Tarefa (Foto: FTLH).

Com a chegada do 6º Contingente, o coronel Urubatã assumiu a chefia do Estado- Maior Conjunto. Ele já exerceu as funções de chefe de Estado-Maior da 3ª Divisão de Exército e chefe de Estado-Maior da 6ª Brigada de Infantaria Blindada, em Santa Maria (RS) e foi oficial do Gabinete de Intervenção Federal no Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro. Na Operação, por sinal, o Exército mantém o maior efetivo, cerca de 500 militares.

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Coronel Urubatã Muterle Gama, chefe do Estado-Maior Conjunto da Força Tarefa (Foto do autor).

O funcionamento

A Força Tarefa presta apoio logístico em transporte, alimentação e saúde, suporte na interiorização e realiza atividades de triagem, identificação e imunização, além da construção, recuperação e ampliação de abrigos. Sua missão é o ordenamento da fronteira e a manutenção de um fluxo imigratório controlado, possibilitando aos imigrantes receberem assistência e condições de absorção pelo sistema de ensino e mercado de trabalho, finalizando o processo com a interiorização ou o retorno voluntário ao seu país de origem. A Operação consiste de três pilares:

  • Ordenamento da Fronteira: ponto de partida de todo o processo realizado após a entrada do imigrante ao Brasil. Visa controlar o fluxo migratório na cidade de Pacaraima, prestando a assistência necessária ao imigrante até seu devido encaminhamento ao final do processo.
  • Abrigamento: existe um total de 13 abrigos, sendo 11 em Boa Vista e dois em Pacaraima. Foram divididos de forma a atender e respeitar a individualidade e as particularidades, procurando preservar núcleos familiares. Assim, há aqueles destinados a famílias, casais sem filhos, solteiros e há ainda outros para acolher indígenas que também tenham sido afetados pela crise (é o caso dos abrigos Pintolândia, em Boa Vista, e Janokoida, em Pacaraima).

Os abrigos também contam com espaços LGBT; no entanto, essas pessoas não são obrigadas a permanecer nesses locais, podendo optar por outras áreas, respeitadas as demais especificidades (famílias, solteiros, etc.). Os abrigos têm capacidade para acolher por volta de seis mil imigrantes e todos oferecem barracas para repouso, área de alimentação, convivência, lazer e banheiros adequados.

  • Interiorização: um dos objetivos da Operação, talvez o principal, é distribuir os imigrantes de forma ordenada, com residência e emprego fixos. O processo vem sendo bem sucedido e, apenas durante o ano de 2018, foram enviados mais de 32 mil imigrantes para 12 estados brasileiros.
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No PAA de Pacaraima, os imigrantes recebem atendimento dos militares dos serviços de saúde (Foto do autor).

Ao entrar em Pacaraima, o venezuelano passa pela Polícia Federal que carimba seu permiso (permissão de entrada). Nem todos pedem asilo, e muitos chegam normalmente como turistas, ou para fazer compras, ou resolver compromissos – algo normal em uma fronteira. Aqueles que vão solicitar refúgio ou residência temporária são encaminhados ao Posto de Recepção e Identificação.

O tenente-coronel Aldecir de Barcellos Ribeiro, então comandante da Operação em Pacaraima, explicou que também é solicitada também a carteira de vacinação, tanto aos que pedem asilo como aos turistas. “Aqueles que não apresentam, ou não têm as vacinações em dia, são imunizados contra febre amarela, hepatite A e B e outras”, disse. “Diariamente são aplicadas cerca de 1.100 a 1.200 doses de vacinas”, acrescentou.

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Nos Postos da Operação, voluntários das agências parceiras fornecem orientação aos imigrantes com relação às situações de refúgio e residência provisória (Foto do autor).

Em Pacaraima há também um serviço de guarda-volumes, supervisionado pelo Exército, para que os imigrantes deixem suas bagagens durante os procedimentos de vacinação e triagem. Concluídas essas fases, o turista retira seus pertences e segue sua viagem. O solicitante de refúgio pode manter seus bens guardados enquanto completa o processo de triagem, até ser encaminhado a um abrigo.

A primeira etapa para os imigrantes é receber orientação com relação às opções; há diferenças legais entre as situações de “refúgio” ou “residência provisória”, e cada uma tem condições, requerimentos e benefícios próprios. Há diversas ONGs e entidades da sociedade civil em Boa Vista que dão esta orientação. Nos postos de Pacaraima e Boa Vista há voluntários da OIM e da ACNUR que também orientam, junto a cartazes em espanhol com as explicações. “O imigrante não é induzido a nada; ele escolhe a situação que considerar mais adequada a seu caso”, finalizou o tenente-coronel Barcellos.

Conforme sua opção, no Posto de Recepção e Identificação em Pacaraima e no Posto de Triagem em Boa Vista, o imigrante é encaminhado à ACNUR (refúgio) ou à OIM (residência provisória), onde é cadastrado, tem sua documentação conferida, é feita foto de identificação, etc.

Nos postos há também a presença da Defensoria Pública da União. Há muitas crianças e uma particularidade é que na Venezuela não é obrigatório a documentação infantil. Assim, a Defensoria faz entrevistas valendo-se de técnicas apropriadas para identificar se realmente os menores estão acompanhados por seus responsáveis. Nesse aspecto, graças à atuação da Defensoria, já foram coibidas tentativas de exploração sexual e tráfico de crianças.

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A Defensoria Pública mantém um posto onde os agentes entrevistam famílias que chegam com crianças. Graças a este trabalho, já́ foram identificadas tentativas de trafico infantil e exploração sexual (Foto do autor).

A representação da Cruz Vermelha disponibiliza um serviço de comunicação (ligações telefônicas, SMS e e-mails). Quando o imigrante informa que tem parentes no Brasil, esses são procurados e o contato é estabelecido. Isso se aplica ainda a membros da família no exterior que precisam ficar cientes da situação.

O Ministério da Cidadania proporciona orientações referentes a todos os tipos de dúvidas dos imigrantes; desde como obter acesso a serviços de saúde a até como fazer a revalidação de um diploma, passando por solicitação de abrigo, regularização de documentação, permisos e demais peculiaridades brasileiras.

Junto à Polícia Federal, que processa os pedidos, é feita uma verificação de antecedentes, colhem-se digitais e é emitido o protocolo para o tipo de documento de identificação correspondente à opção (“refúgio” ou “residência provisória”). Se houverem registros na Interpol, por exemplo, isso será constatado.

A seguir, de posse do protocolo para o documento de identificação, vem a Receita Federal para emissão do cadastro de pessoa física, o CPF. Depois, o Ministério do Trabalho, onde, com o CPF e o protocolo do documento de identificação, é feita a emissão da carteira profissional.

Em princípio o processo não parece complexo; contudo, além do grande número de pessoas, uma expressiva quantidade delas não possui documento algum, seja pela saída às pressas da Venezuela, perda na viagem ou ainda terem sido vítimas da ação de bandidos. Existem exceções e casos únicos. Também há pessoas que querem ou precisam preservar o anonimato por perseguição política, segurança, ou medo da receptividade dos militares ao se apresentar nos postos.

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Imigrantes aguardando a entrega do documento de identificação. O trabalho da Receita e da Polícia Federal são fundamentais na operação (Foto do autor).

Em relação aos militares venezuelanos que desertam evita-se a exposição. O tenente-coronel Castro Freitas, então oficial de Relações Públicas da Força Tarefa, relatou que “um órgão de imprensa estava conversando com um ex-militar refugiado quando, em determinado ponto, foi necessário interromper a entrevista pois estava tomando um rumo em que as informações poderiam arriscar a segurança dele”.

No início, muitos imigrantes tinham medo da presença dos militares brasileiros. Segundo relatos, isso se deveu ao tratamento que recebiam por parte de integrantes das Forças Armadas em seu país de origem. Mas essa percepção vem mudando e hoje esse temor é muito menor, se é que ainda existe.

Em todo esse período o imigrante que não tem como se manter pode pleitear uma vaga em um dos abrigos enquanto aguarda a conclusão do processo de interiorização. Não havendo vagas disponíveis ele poderá recorrer ao PRA (Posto de Recepção e Apoio) para refeições na estação rodoviária e, se possível, um pernoite. No PRA pode-se guardar a bagagem, tomar banho, lavar roupas e se alimentar. As ONGs e entidades parceiras da Operação fazem uma de triagem com todos os imigrantes buscando identificar seu grau de vulnerabilidade, fundamental para a sua proteção, tanto individualmente como em família.

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Vários abrigos contam com casas com estas do Abrigo Rondon 3 em Boa Vista, trazendo dignidade a muitos imigrantes que, antes da operação, viviam nas ruas e praças de Boa Vista e Pacaraima (Foto do autor).

Estrutura

Em Boa Vista, a Base da Operação fica junto às instalações da 1ª Brigada de Infantaria de Selva e, em Pacaraima, funciona num ginásio municipal e conta com o apoio do 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira).

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Major Umpierre, do abrigo Rondon 3, mostra detalhes da estrutura do abrigo (Foto do autor).

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Visão geral das instalações da Operação em Boa Vista (Imagem: FTLH).

Nos abrigos e postos da operação, o contato com os imigrantes é feito por ONGs, que coordenam as necessidades e atividades. São criados comitês de limpeza, distribuição de alimentos, esportes, segurança e etc. Aos militares cabe cuidar da segurança, logística, infraestrutura, manutenção e gestão de contratos.

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Visão geral das instalações da operação em Pacaraima (Imagem: FTLH).

O major Jeandré Peralta Umpierre, do abrigo Rondon 3, explicou que uma das atribuições do Exército é receber a alimentação. “Quando chega o caminhão com as marmitas, fazemos a contagem. Se faltar, a empresa tem que mandar outra na hora, por contrato. Se a comida estiver ruim, também é trocada na hora”. Ele acrescentou que “a distribuição de comida aos abrigados é feita pelas ONGs, mas o contrato é gerido pelo Exército, que também faz as licitações”.

Metade da população dos abrigos é formada por crianças, algumas com necessidades especiais. No Rondon 3, há também por volta de 40 mulheres grávidas. “As coisas acontecem de forma muito crua, meio Macunaíma”, disse o oficial, que já presenciou um parto lá. “Muitas vezes você precisa segurar a emoção.”

O número de refugiados venezuelanos aumentou exponencialmente desde 2016. Segundo dados de maio de 2019 do site “R4V Resposta aos Venezuelanos”, mantido por agências da ONU atuando na Operação, já passaram pelo Brasil 178.575 venezuelanos. No momento, certamente esta cifra é maior.

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Dados da imigração venezuelana no Brasil (Fonte: R4V).

Dados da Força Tarefa mostram que, em média, entram 550 venezuelanos por dia em Pacaraima. Saem, pelos mesmos critérios de avaliação, 300 através dos postos da Polícia Federal em todo o Brasil. Esses números coincidem com os 300 venezuelanos que declaram estar em trânsito ou turismo no território nacional.

Dos que chegam diariamente, em torno de 250 solicitam refúgio ou residência provisória. Após o processo de entrevistas e cadastros identifica-se que a maior parte não querem abrigamento e têm condições financeiras para prosseguir para seus destinos.

Foco: Processo de Interiorização

Dada a imigração em massa, o foco inicial das Forças Armadas foi o Ordenamento da Fronteira. A Operação Controle, executada pela 1ª Brigada de Infantaria de Selva, foi essencial e continua contribuindo. Já na Operação Acolhida, foi necessário coordenar com as diversas entidades, agências e ONGs, construir abrigos, e preparar toda a logística necessária para prestar assistência aos imigrantes e regularizar sua situação.

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Os abrigos contam com várias áreas de convivência, como esta, no abrigo BV8 em Pacaraima (Foto do autor).

Sem nenhum exagero, o trabalho foi feito com brilhantismo; houve casos de abrigos construídos em apenas 66 horas, com militares trabalhando em turnos para atender à demanda de urgência. Aliás, digna de nota a atuação do 6º Batalhão de Engenharia de Construção, comandado pelo tenente-coronel Vandir Pereira Soares Júnior, construindo abrigos e reformando instalações existentes.

O constante fluxo de entrada de imigrantes e a dificuldade logística para prover vagas, alimentação e infraestrutura para todos tornam evidente a importância da Interiorização. E, o foco do 6º Contingente será exatamente intensificar esse processo. Experiências similares em outras regiões do planeta indicam que isso é crítico para o sucesso de operações de ajuda humanitária.

Fez-se imperativa a articulação com estados e cidades que possam ser destino para os interiorizados, com o objetivo de identificar suas disponibilidades. São realizadas também ações junto a entidades e associações de indústria, comércio e agricultura para apresentar a Lei de Migração e esclarecer quaisquer dúvidas em relação à contratação de trabalhadores imigrantes e refugiados.

O coordenador operacional adjunto, coronel Georges Feres Kanaan, afirmou que “hoje a fronteira está ordenada e não serão feitos mais abrigos. O foco agora está na Interiorização; é preciso fazer com que essas pessoas sejam integradas socioeconomicamente em outras cidades do Brasil que comportem a demanda”, acrescentando ainda que “tem muita gente qualificada, e muitas empresas estão descobrindo isso”.

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O processo de interiorização é fundamental nesta fase da operação; há muitos imigrantes qualificados e as empresas já́ perceberam isso, disse o coronel Kanaan, Coordenador Adjunto da Força Tarefa (Foto: RP/FTLH).

São várias modalidades de Interiorização:

Institucional

Nesta modalidade, o imigrante deixa um abrigo em Roraima com destino a outro abrigo em outro estado;

Reunião Social

Se o imigrante tem amigos estabelecidos no Brasil e é promovido um encontro, mas é necessário que uma série de documentos que atestem a residência e situação regular no país sejam apresentados e se assine um Termo de Compromisso. Dada a maior possibilidade de riscos que oferece, é uma alternativa pouco usada e, quando acontece, é tratada com muito cuidado, com muitas verificações e passa pelo crivo da OIM.

Reunião Familiar

Nesta situação o imigrante tem familiares já estabelecidos no Brasil e é promovido o encontro. Já houve casos, por exemplo, de uma empresa que já contratou venezuelanos voltar a procurar a Operação, informando que os contratados estão ansiosos para reunir-se aos familiares. “A Operação faz as verificações, prepara a documentação e executa o processo, sempre avaliado pelas Agências, e procede a Interiorização”, explicou o coronel Urubatã.

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Militar cadastrando dados de imigrante no PRA da rodoviária de Boa Vista. O Guardião armazena dados sobre a qualificação profissional dos imigrantes e é fundamental no processo de interiorização (Foto do autor).

Interiorização Civil

Nesta modalidade, ONGs e entidades parceiras (de cunho religioso, por exemplo) cuidam da Interiorização. Os integrantes dessas entidades são muitas vezes empresários que podem alocar os imigrantes em postos de trabalho. As Forças Armadas fornecem o apoio logístico.

Possibilidade de Vaga de Emprego Sinalizada – PVES

Neste caso o imigrante obtém um trabalho regularizado numa empresa parceira da Operação. A Força Tarefa desenvolveu o sistema Guardião, que cadastra os dados desde documentação, informações sobre instrução, competências e qualificação profissional. O sistema mapeia as qualificações com vistas à colocação profissional. Dados de julho de 2019 indicavam que já haviam 16.126 venezuelanos cadastrados e prontos para emprego.

Verificou-se que uma grande dos que buscam refúgio são qualificados e capacitados. Há enfermeiros, médicos, advogados, engenheiros agrônomos, civis, etc. Foram identificados profissionais de alta capacitação, com profissões diferenciadas. “Conheci um soldador MIG em altitude, e um mergulhador de plataformas de petróleo”, contou o coronel Urubatã, que falou das parcerias com universidades para revalidação de diplomas ou tradução juramentada quando necessário.

O tenente-coronel Castro Freitas relatou uma conversa com um abrigado, em que ele próprio afirmou que o processo de Interiorização é importante para que Boa Vista não entre em colapso. “Isso mostra que os imigrantes são pessoas esclarecidas, e estão fugindo de uma ditadura terrível”. Ele acrescentou: “Já vi advogados e engenheiros trabalhando como caixas de supermercado. A Venezuela tem por volta de 38 milhões de habitantes e quatro milhões já deixaram o país em busca de melhores condições de vida. São pessoas capacitadas”.

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Tanto em Boa Vista como em Pacaraima a operação conta com abrigos destinados à populações indígenas, como este, o Abrigo Pintolândia, em Boa Vista (Foto do autor).

Foi criada a iniciativa PVES, pela qual é feito contato com associações empresariais, sindicatos patronais, associações e federações industriais e comerciais, Sistema S, Rotary, Maçonaria, entre outras, em busca de parcerias com empresários que possam disponibilizar vagas de trabalho.

Utilizando-se o sistema Guardião, é feito o cruzamento das necessidades das vagas disponibilizadas com as qualificações dos imigrantes. São pré-selecionados os candidatos e as empresas interessadas realizam entrevistas via teleconferência ou in loco. Para os candidatos aprovados, a contratante assume as despesas de exames médicos e de outras exigências legais.

Foram celebrados acordos com as companhias aéreas LATAM, Gol e Azul para o translado dos imigrantes interiorizados. São disponibilizados excedentes de assentos em voos para Manaus, Brasília e Campinas. Outras parcerias estão sendo negociadas para abrir mais localidades.

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A Operação mantém a relação dos que precisam de transporte e os respectivos destinos. Acontecendo a oportunidade as empresas aéreas ligam avisando a quantidade de vagas, local e horário, e os imigrantes são transportados para o aeroporto. Muitas vezes isso se dá com muito pouca antecedência, sendo mais um dos desafios que a Força Tarefa supera.

Em andamento, estava um acordo para transporte fluvial de Manaus para Porto Velho e Belém. Depois o imigrante prossegue em avião ou ônibus até o local onde será interiorizado.

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Dados de Interiorização (Fonte: FTLH).

Foram criados hubs em diversas cidades, havendo sempre alguém que recebe os interiorizados e os encaminha ao destino final: os imigrantes são recepcionados por pessoal do Exército, ou do Ministério da Cidadania ou alguma entidade. O objetivo é garantir que todos cheguem ao seu destino final sem problemas.

Considerando uma média de 50 imigrantes diários sem meios próprios e que necessitam da assistência da Operação, chega-se ao total de 1.500 pessoas por mês. A média diária é menor, como foi visto, mas trabalha-se um número maior por segurança, tendo em vista o número de imigrantes já existente nos abrigos. Assim, a meta da Força Tarefa é interiorizar acima de 3.000 imigrantes por mês e chegar a 5.000, para reduzir a concentração em Roraima.

Como se percebe, o processo de Interiorização é uma operação logística extremamente complexa e o Exército é uma das poucas instituições que detém a expertise requerida para executá-la.

O 6º Contingente

O 6º Contingente a assumir a Força Tarefa é oriundo do Comando Militar do Sul, então sob o comando do general-de-exército Antônio Miotto e nucleado na 3ª DE (Divisão de Exército), a “Divisão Encouraçada”, comandada pelo general-de-divisão Mauro Sinott Lopes.

O general Sinott designou o coronel Urubatã para o posto que ocupou na Força Tarefa, com carta branca para selecionar seu Estado-Maior entre os melhores profissionais daquela grande unidade. “O 6º Contingente é constituído por oficiais competentes, habituados a trabalhar em grupo e já integrados pelo dia a dia da 3ª DE”, disse o coronel Urubatã, acrescentando que “isso representa um diferencial positivo para a Força Tarefa”.

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Militares do 9º RCB, sob comando do tenente-coronel Rosito, chegam a Boa Vista (Foto do autor).

É digno de nota o fato de que as cidades do Sul se engajaram pelos vizinhos venezuelanos e em prol dos irmãos do Norte do País. “Alegrete se mobilizou por Pacaraima, e São Gabriel fez o mesmo por Boa Vista. A população dessas cidades se imbuiu do espírito da ajuda humanitária; houveram formaturas e diversas atividades sociais”, relatou o coronel Urubatã.

Assim, o 6º Regimento de Cavalaria Blindado, “Regimento José de Abreu”, de Alegrete (RS), foi designado para Pacaraima, liderado pelo tenente-coronel Aldecir de Barcellos Ribeiro, seu subcomandante. O 9º Regimento de Cavalaria Blindado, “Regimento João Propício”, de São Gabriel (RS), sob comando do tenente-coronel Rocco Figueiró Rosito, foi designado para Boa Vista.

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A Base de Apoio e Administração está voltada ao apoio logístico a Pacaraima, Boa Vista e, futuramente, Manaus (AM), onde estava sendo aberta uma base composta pela 8ª Brigada de Infantaria Motorizada, de Pelotas (RS). Apesar de não pertencer à 3ª DE, essa unidade também faz parte do Comando Militar do Sul. Em Roraima estavam, como parte do 6º Contingente, militares da 1ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, de Santiago; 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, de Uruguaiana; 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, de Bagé; Artilharia Divisionária da 3ª DE, de Cruz Alta; 6ª Brigada de Infantaria Blindada, de Santa Maria; e 1º Batalhão de Comunicações Blindado, de Santo Ângelo. A eles juntam-se integrantes dos 8º, 18º e 19º Batalhões de Infantaria Motorizados; do Centro de Instrução de Blindados e dos Hospitais Gerais de Santa Maria e Santiago.

As Forças Armadas brasileiras, neste caso notadamente o Exército, com pessoal altamente capacitado e experiência acumulada em operações como a MINUSTHA (a Missão da ONU no Haiti), além de diversas outras, têm na Operação Acolhida uma oportunidade para demonstrar a importância de sua capacidade logística num cenário complexo de coordenação interagências e caráter humanitário.

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Reunião de trabalho do Estado Maior Conjunto do 6º Contingente (Foto do autor).

É digna de nota a capacidade da Força Tarefa, num esforço em diversos níveis – político, estratégico, operacional e tático –, coordenando pessoas, autoridades e organismos nacionais e internacionais. Não há dúvidas de que o 6º Contingente, com foco no processo de Interiorização, executará a missão com muito sucesso.

Afinal, como afirmou o coronel Urubatã: “com o trabalho e o apoio de todos, porque ninguém trabalha sozinho; a sinergia entre as pessoas, com altruísmo, vontade de ajudar primando por valores éticos, pois não se trata de fazer as coisas de qualquer jeito; com respeito ao próximo, às diferenças, à diversidade, raça, cor e credo… esse é o êxito de nossa missão”.

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*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing. Depois de atuar vários anos em empresas nacionais e multinacionais, tornou-se fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida e proferiu palestras na Academia da Força Aérea. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.


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