O Canberra WE139 e a última grande corrida aérea

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Cristiano Leal.png Por Cristiano Oliveira Leal*

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Canberra PR.3 WE139 vencedor da New Zealand Air Race (Imagem: @AlisonFairman / Twitter).

A última grande corrida aérea, realizada durante a guerra fria, mostrou a confiabilidade e precisão dos equipamentos de navegação, a capacidade dos bombardeiros a jato de cobrir grandes distâncias, atingindo rapidamente teatros de operações distantes e a importância de bases aéreas estrategicamente posicionadas.


Introdução

Esta é a história do Canberra PR.3 identificado pelo número WE139 em exposição no Museu da RAF (Royal Air Force, Real Força Aérea) em Londres. Esse avião tem a distinção de ter vencido a última grande corrida aérea realizada, a Londres-Christchurch, em 1953. Também participou de missões de reconhecimento fotográfico ao longo da fronteira entre as Alemanhas Ocidental e Oriental a serviço da 2ª Força Aérea Tática da OTAN e, no final de carreira, como aeronave de treinamento de reconhecimento.

O artigo teve como base pesquisas nos Museus da Real Força Aérea em Londres e Cosford, a ficha individual do avião e seminários publicados pela Royal Air Force Historical Society que fazem parte dos arquivos do museu. Para a reconstrução dos acontecimentos que envolveram a corrida Londres-Christchurch foram utilizados jornais de época dos arquivos da Biblioteca Nacional da Austrália.

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FIGURA 1: Canberra PR.3 WE139 (Foto: acervo pessoal do autor).

As origens do Canberra WE139

O Canberra foi idealizado pelo engenheiro William Edward Willoughby Petter (conhecido como Teddy) que era, na época, diretor técnico e designer-chefe da Westland Aeronaves. Seu pai foi o fundador da Westland, mas a empresa era controlada pelos acionistas. Em meados de 1944, Petter havia concebido o design básico de um bombardeiro a jato, que era considerado um substituto para o Mosquito.

Apesar do Ministério da Aeronáutica mostrar interesse pelo projeto do jato, o conselho de acionistas da Westland decidiu prosseguir com o projeto de um caça de ataque para Marinha Real movido à hélice, por ser considerado um risco menor. O projeto deu origem ao Westland Wyvern, que teve um sucesso bastante limitado.

Teddy Petter não concordou com a decisão, demitindo-se da Westland e sendo contratado pela English Electric para o cargo de engenheiro chefe da divisão de aeronaves, em Preston, em julho de 1944, dando início ao recrutamento de pessoal para a formação de uma nova equipe de design.

Originalmente, a English Electric trabalhava desde a década de 1930 com produtos elétricos diversos, mas devido ao enorme programa de reequipamento da RAF, em 1938, a English Electric recebeu contratos para a construção de bombardeiros Handley Page Hampdem, e entre 1941 e 1945, de 2.145 bombardeiros Halifax. Como resultado dessa experiência, a empresa decidiu permanecer no setor aeronáutico. Por isso, em 1944 o Ministério do Ar repassou à empresa contratos de produção do caça a jato Havilland Vampire.

Quando Teddy Petter saiu da Westland, ele obteve por acordo o direito de levar consigo seus projetos e ideias, incluindo seu bombardeiro a jato. Interessada em desenvolver seus próprios projetos, e como o Ministério da Aeronáutica já havia demonstrado interesse no projeto de Petter, a English Electric lhe deu permissão para o desenvolvimento do projeto.

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FIGURA 2: comparação entre o projeto original (Especificação E3/45), acima, e o projeto final (Especificação EA1.00.3), abaixo (Fonte: Royal Air Force Historical Society).

A primeira tarefa importante para Petter foi preparar um folheto descrevendo suas ideias sobre a nova aeronave para submissão ao Ministério, de modo a obter financiamento para um estudo completo do bombardeiro a jato proposto. O folheto foi enviado em maio de 1945, e um contrato de estudo, no valor de £1.000, foi recebido em 13 de junho. O contrato era para trabalho num bombardeiro a jato de alta velocidade e altitude, conforme especificação E3/45.

A aeronave descrita em maio de 1945 deveria ter um grande motor compressor centrífugo na fuselagem central. Este mecanismo era basicamente um Rolls-Royce Nene ampliado com 5.443 kg (12.000 lb) de empuxo. As entradas de ar localizavam-se na raiz de asa e a exaustão na parte traseira da fuselagem. Porém, o tamanho e posição do motor ocupava parte da fuselagem no qual queriam o combustível e carga de bombas, obrigando-os a buscar uma nova solução.

O projeto foi revisado e enviado para avaliação ministerial em julho de 1945. O novo layout apresentava motores AJ65 (que se tornou o Avon) com 2.948 kg (6.500 lb) de empuxo nas raízes das asas, deixando a fuselagem livre para combustível e bombas. Em ambos os desenhos o nariz do avião comportava um grande radar de navegação e bombardeio H2SMK9. Nos meses seguintes o layout foi novamente revisado, e em dezembro de 1945 surgiu o desenho definitivo, com os motores separados em naceles nas asas e identificado como EA1.00.3.

Em 15 de janeiro de 1946 a English Electric recebeu um contrato formal para detalhar o projeto e produzir quatro protótipos denominados A1 (VN799, VN813, VN828 e VN850), o número de especificação experimental foi alterado de E3/45 para o B3/45, e foram definidos os requisitos para o início da produção.

O objetivo básico do projeto era uma aeronave com autonomia de 2.592 km (1.610 mi) em velocidade de cruzeiro de Mach 0,75 a 13.716 m de altitude (45.000 pés) com 2.721 kg (6.000 lb) de bombas, o que, em 1946, representava um grande desafio. Mas apesar do desenvolvimento da aeronave transcorrer sem grandes problemas, não se podia dizer o mesmo do motor AJ65, já designado Avon RA1, que continuamente apresentava problemas nos testes estáticos.

E o grande e complexo radar de navegação e bombardeio cego H2S Mk 9, ainda estava nos estágios iniciais de desenvolvimento e apresentava problemas com o excesso de peso e componentes. Por isso, foi decidido que a versão inicial não teria o sistema de bombardeio por radar. Ao invés disso, seria equipado com uma mira óptica e um sistema de navegação atualizado da época da guerra. Para refletir as mudanças, a especificação foi mudada para B5/47, que se tornaria a versão B2 inicial de série[1].

Enquanto os quatro protótipos ainda eram construídos, teve início o trabalho de definição e detalhamento das variantes do A1, que incluía a versão de reconhecimento fotográfico PR.3 para substituir os Mosquito. Esta versão, identificada pela especificação PR31/46, era tripulada por dois homens e tinha uma fuselagem catorze polegadas mais longa do que a versão de bombardeio B.2 para acomodar um compartimento adicional, à frente do compartimento de bombas, para abrigar sete câmeras[2].

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O compartimento de bombas foi ocupado com um tanque extra de combustível, o suficiente para estender a alcance da aeronave em quase 1.609 km (1.000 mi), e um lançador de flares para iluminar o objetivo a ser fotografado. Possuía os mesmos motores RA3 da versão inicial de produção de bombardeiro B2, o que conferia ao PR.3 um desempenho semelhante, mas com maior alcance.

Em março de 1949, mesmo antes de o primeiro protótipo realizar seu primeiro voo, a RAF emitiu à English Electric o contrato Nº 6 /ACFT/ 3520/CB6 (b) para a produção inicial de 132 aviões, sendo noventa bombardeiros B.2, 34 PR.3 de reconhecimento e oito treinadores T.4. O contrato incluía o lote com números de série WE135 à WE151, do qual, obviamente, o WE139 fazia parte[3].

Na primavera de 1949 o primeiro A1 (VN799) realizou o primeiro roll out no começo de maio. Dia 7 tiveram início os teste de táxi e no dia 9 o VN799 deu o primeiro “salto” para verificar a sensação e controle a baixa velocidade. Outros “saltos” foram feitos antes do dia 13 de maio de 1949, quando o primeiro protótipo realizou seu primeiro voo. Até o final do mês foram realizados outros dez voos, totalizando pouco mais de doze horas.

No final de 1949, todos os quatro protótipos A1 haviam voado, e a aeronave não apresentava falhas significativas, sendo enviado para avaliação do cliente cerca de cinco meses depois. Os testes com o VN799 foram realizados pelo A&AEE (Aircraft and Armament Experimental Establishment, Estabelecimento Experimental de Aeronaves e Armamentos) em Boscombe Down, onde foi pilotado pelo Wing Cdr[4] Davies, Squadron Leader[5] C. K. Saxelby e Flt Lieutenant[6] A. E. Callard. Estes pilotos de teste foram os primeiros da RAF a voar o Canberra, e todos ficaram impressionados com o seu desempenho e manobrabilidade.

Logo após o primeiro voo levantou-se a questão de um nome para o A1, sendo escolhido o nome “Canberra” em homenagem à capital da Austrália. O país estava demonstrando um grande interesse pela aeronave, acabando por se tornar o primeiro operador estrangeiro e construtor licenciado do aparelho. O “batismo” do Canberra foi oficializado em cerimônia que contou com a presença do então primeiro-ministro da Austrália R. G. Menzies, em 19 de janeiro de 1951. O avião utilizado na cerimônia foi o WD929, primeiro do lote inicial de produção[7].

O protótipo da versão de reconhecimento fotográfico PR MK.3, o VX181, realizou seu primeiro voo em 19 de março de 1951, pilotado por Peter Hillwodd[8]. Em 22 de janeiro de 1953 o WE139 deu início aos seus testes de voo, realizando o primeiro, de 44 minutos, sob o comando do piloto de testes Jock Still. No dia 25 foram realizados mais dois voos, totalizando 1h35min, incluindo 44 minutos de voo noturno. Em 30 de janeiro o WE139 estava disponível para entrega, sendo transferido para o RAF Flying College na RAF Manby, em 3 de fevereiro[9].

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FIGURA 3: O primeiro voo do A1 VN799 (Foto: Royal Air Force Historical Society).

Em 21 de maio de 1953 o WE139 foi transferido para o Bomber Command Acceptance and Modification (Comando de Aceitação e Modificação de Bombardeiros, em tradução livre) Unit na RAF Binbrook. Na época, Binbrook era onde os britânicos faziam a conversão operacional à nova tecnologia dos aviões a jato, primeiro com o Gloster Meteor, depois com o Canberra. Lá os limites dos Canberras eram explorados, especialmente no que se referia à altitude e autonomia, destacando-se a Goodwill Tour of South America (Excursão da Boa Vontade à América do Sul, em tradução livre), a Operação Round Trip[10] realizada por quatro Canberras B.2 do 12º Squadron.

Os preparativos para a corrida Londres-Christchurch

Em 1946 autoridades neozelandesas idealizaram uma corrida aérea para fazer parte das comemorações do centenário de Canterbury, Nova Zelândia, em 1950. Mas como o tempo de preparação disponível foi visto como insuficiente para organizar um evento de tal complexidade, a corrida foi programada para 1953.

Em outubro de 1949 o presidente do Conselho Internacional de corridas Aéreas de Canterbury, Sr. H.D. Christie e o secretário tesoureiro, A. B. W. George, foram para a Grã-Bretanha para discutir e apresentar os planos para a corrida aérea Londres-Christchurch. Havia ainda muitos pontos a serem definidos e outros que posteriormente foram modificados. A única certeza era que a corrida teria duas categorias, velocidade e handicap (desvantagem de carga), apesar de que os critérios da segunda ainda não haviam sido especificados[11].

A princípio a ideia da corrida foi bem recebida, despertando grande interesse de empresas de transporte aéreo e fabricantes de aeronaves, como De Havilland Aircraft Company, Armstrong Whitworth Company, British European Airlines, British Overseas Air Corporation (BOAC) e KLM, que realizaram suas inscrições provisórias ainda naquele ano[12].

Essas empresas queriam mostrar a capacidade de suas novas aeronaves e estabelecer linhas permanentes de transporte, como a BOAC, que pretendia participar com dois De Havilland Comet, o primeiro avião de passageiros a jato do mundo. Presença essa que acabou não se concretizando por causa dos acidentes no inicio da vida operacional da aeronave.

A RAF confirmou sua participação na corrida em dezembro de 1952, inscrevendo três Canberras e um dos novíssimos bombardeiros Vickers-Armstrong Valiant, ainda em fase de testes. Como o Valiant possuía velocidade um pouco menor do que o Canberra, mas uma autonomia muito maior, logo se tornou o favorito a vencer a seção de velocidade da corrida[13]. Para fazer frente aos ingleses, a RAAF (Royal Australian Air Force, Real Força Aérea Australiana) inscreveu dois de seus novos Canberra B.20, sendo um deles (A84-201) a primeira aeronave de produção nacional.

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Ambas as forças aéreas estavam interessadas em aprimorar suas experiências em voos de longo alcance, tanto na parte logística como no desdobramento rápido de força. Seus países são extremamente dependentes das rotas marítimas e dos demorados comboios marítimos, e tiveram essas artérias ameaçadas pelo poder naval inimigo durante a Segunda Guerra Mundial. Agora viam no poder aéreo a possibilidade de diminuir essa ameaça.

A RAF escolheu para a corrida a versão de reconhecimento do Canberra devido à sua maior autonomia. A ideia era usar a nova versão PR.7, que começava a sair da linha de produção, mas como ainda havia poucos disponíveis, optou por usar um PR.7 e dois PR.3. Por causa disso, em 12 de junho de 1953, o WE139 foi enviado de volta à English Electric para receber modificações para corrida.

As mudanças incluíam a substituição do piloto automático e sistemas de navegação, incluindo rádio bússolas Marconi e sextante e periscópio para navegação astronômica. As câmeras e os lançadores de flares foram retirados e substituídos por tanques de combustível extras, o que causou um aumento de peso que exigiu ajustes nos motores para aumentar o empuxo na decolagem. Em 10 de agosto o WE139 foi transferido para o Nº 540 Squadron na base RAF Wyton, esquadrão selecionado para participar da corrida[14].

À medida que a data de início da corrida se aproximava, a utilização dos novos aviões a jato pelas duas forças aéreas na seção de velocidade deu início a uma polêmica entre os pilotos privados que se haviam inscrito para a corrida, o que fez com que muitos desistissem de sua participação.

A crítica, conforme explicou J. L. Whiteman, que se havia inscrito na seção de velocidade com um P-51 Mustang, era que era injusto para pilotos privados como ele concorrer contra forças aéreas equipadas com aeronaves a jato recém-saídas da linha de montagem. E que o prêmio de £10.000 para o vencedor nada significava para uma força aérea com grande orçamento, enquanto que para um civil faria uma grande diferença. Por isso, ele argumentou, deveria ter sido criada uma categoria específica para civis[15].

Independentemente das críticas, a tripulação do WE139, composta pelo piloto Flight Lieutenant Ronald L.E. ‘Monty’ Burton e o navegador Flight Lieutenant Don Gannon, continuava os preparativos para a corrida. E no dia 4 de setembro de 1953 realizaram um voo do longo alcance para treino e testes dos sistemas de navegação e comunicação.

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FIGURA 4: voo de treinamento do WE139 em 4 de setembro de 1953.

O voo partiu da RAF Wyton em direção à base Shu’aiba (Shaibah, em Basrah), no Iraque, seguindo para Negombo, no Sri Lanka, e até as Ilhas Cocos. Como a ilha passava por um racionamento de combustível, sobrevoaram a base e seguiram direto de volta para Shu’aiba. De lá seguiram para Malta e, por fim, de volta para Wyton. Todo o percurso foi realizado em 29 horas e 10 minutos. No dia 18 o WE139 voltou à fábrica da English Electric em Warton para mais alguns ajustes[16].

No que se refere a segurança da prova, a organização tinha preocupação especial com o trecho final e mais difícil da corrida, do Sri Lanka até a Nova Zelândia. Um complexo sistema de comunicações, auxílio a navegação e monitoramento meteorológico foram montados para garantir a chegada dos competidores ao aeroporto nacional de Harewood, em Christchurch, pois era certo que os competidores encontrariam mau tempo em algum momento nesse trecho.

A RAAF iria manter uma aeronave de reconhecimento de longo alcance Neptune nas Ilhas Coco e outra no aeródromo de Pearce, na Austrália Ocidental, para atender a qualquer emergência. Havia um bombardeiro Lincoln em uma estação da RAAF em East Sale em reserva, caso necessário.

A Austrália emprestou à Nova Zelândia uma estação de radar de controle de solo completa e operadores para manuseá-lo para complementar o equipamento instalado em Harewood, e tinha como principal função orientar os pilotos em sua aproximação final à pista em caso de mau tempo.

Foram acrescentadas três novas estações auxiliares à rede normal de rádio navegação para complementar os transmissores em Wellington, Christchurch e Greymouth. Essas estações ficariam 24 horas no ar transmitindo relatórios meteorológicos para as tripulações e serviriam como farol para os competidores da seção de velocidade. Relatórios meteorológicos atualizados seriam transmitidos a cada meia hora ou quinze minutos em caso de mau tempo. O navio de pesquisa HMNZS Lachlan ficaria posicionado próximo a Tasmânia realizando leituras meteorológicas e retransmitindo as comunicações.

Qualquer transmissão de rádio seria simultaneamente teletipada e transmitida a todas as estações de rádio e teletipo, assim, qualquer informação solicitada podia ser repassada instantaneamente a qualquer aeronave ou estação de controle.

Acordos para o reabastecimento e manutenção das aeronaves foram assinados e os oficiais responsáveis por receber e despachar as aeronaves nos aeródromos foram instruídos. Um grande Centro de Informações foi montado em Melbourne, com a Comissão Australiana de Radiodifusão fornecendo uma linha direta para ondas curtas e para transmissões da corrida de outras partes do mundo. Assim, os ouvintes eram capazes de acompanhar a corrida desde a partida em Londres até o final em Christchurch[17].

No dia 1º de outubro de 1953, faltando uma semana para a corrida, o WE139 fez um voo de uma hora e dez minutos para teste do piloto automático. E no dia 3, faltando cinco dias para a corrida, voou uma hora e vinte minutos para o aeroporto de Heathrow, em Londres, local da largada.

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No mesmo dia uma notícia abalou a comissão de organização da prova. O bombardeiro Valiant, favorito da competição e primeiro a largar, não iria mais participar da corrida. A aeronave que seria usada tinha realizado seu primeiro voo em setembro e não havia terminado os testes de longo alcance, e por segurança decidiu-se pela desistência. Assim, a participação da RAF se limitaria aos três Canberras.

Os australianos viam o Valiant como seu principal concorrente, e com essa desistência a equipe da RAAF se tornou a favorita, pois tinha experiência no trecho final e mais difícil da prova e estavam familiarizados com as rápidas correntes de ar a grande altitude. Também teriam um conhecimento prévio de todo o percurso voando até Londres, enquanto que nos voos de treinamento os ingleses voaram somente até as Ilhas Cocos[18].

As críticas e desistências só haviam aumentado desde que a competição foi apresentada, em 1949. E com a desistência do Valiant as críticas ganharam força, com alguns jornais mencionando a possibilidade de cancelamento da corrida, e outros que a corrida era um “caro fracasso”.

O próprio Ministro do Ar australiano, Sir Willian McMahon (futuro Primeiro Ministro entre 1971 e 1972), exteriorizou sua decepção aos jornais em 30 de setembro, concordando que qualquer corrida futura deveria ter duas seções, uma para aeronaves militares e outra para civis[19]. Originalmente foram enviados mil convites a 21 países, dos quais se inscreveram vinte participantes em 1949. Faltando semanas para o início da corrida somente doze (oito na seção de velocidade e quatro na seção de handicap) mantinham sua inscrição.

O foco do público e da imprensa foi aos poucos migrando para a seção de handicap, mas a empresa holandesa KLM soube explorar a matemática e as regras da seção para garantir a vitória antes mesmo da largada. O que acabou por transformar a seção de handicap em um jogo de cartas marcadas.

O fator que decidiria a seção de handicap (desvantagem de carga) era o peso e o tipo de peso, com pontuações para carga, correspondência e, com maior pontuação, passageiros. A partir desses fatores era a calculada a desvantagem, tendo por base o custo total por milha/tonelada transportada. O resultado seria convertido em desconto de tempo na cronometragem final.

Dessa forma, o DC-6 da KLM foi totalmente carregado com os três tipos de carga, garantindo desvantagem suficiente para chegar mais de 44 horas após a primeira aeronave da seção. Entre os passageiros estavam um grupo de quinze noivas holandesas que iriam para a Nova Zelândia encontrar seus noivos para se casar[20]. Isso fez com que o avião da KLM se tornasse o principal foco do público na corrida. A história desse voo foi contada no filme Bride Flight (O Voo das Noivas), de 2008, do diretor Ben Sombogaart.

Na véspera da corrida um problema de última hora causou mais preocupação à organização da corrida. A data da competição coincidiu com os testes nucleares que a Inglaterra vinha realizando em Woomera, um dos pontos de reabastecimento. E isso afetava diretamente os planos da RAAF, que havia selecionado Woomera como local de parada.

As aeronaves que pousassem lá não poderiam vir direto pelo norte como planejado, mas deveriam seguir rumo sul acima dos 9.144 m de altitude (30.000 pés) para desviar as nuvens contendo radiação sobre uma grande região em torno da zona de testes. Quando atingissem a latitude de Woomera seguiriam então em direção a leste[21].

A corrida

Com todas as desistências, no dia do início da corrida, 8 de outubro de 1953, havia somente oito aviões para a largada no aeroporto de Heathrow, em Londres. Na seção de handicap, além do DC-6 da KLM, havia um Vickers Viscount da British European Airways e um transporte Handley Page Hastings da RNZAF (Royal New Zealand Air Force, Real Força Aérea da Nova Zelândia). E na seção de velocidade os cinco Canberras, detalhados na tabela abaixo:

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TABELA 1: identificação das aeronaves participantes da seção de velocidade.

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FIGURA 5: o WE139 com a pintura da corrida sobre as planícies de Canterbury (Foto: Press Reader).

A seção de handicap foi a primeira a largar com a seção de velocidade iniciando as decolagens meia hora depois. A largada foi por ordem numérica com um intervalo de cinco minutos entre cada decolagem, com o Canberra número 1 (WH773) decolando às 17h35 (Horário de Greenwich) e o número 5 (A84-201) ás 17h55.

No caminho entre Londres e Shu’aiba (Basrah), Burton e o WE139 estabeleceram um novo recorde mundial para o trajeto, percorrendo os 4.557 km em cinco horas e treze minutos. A velocidade média foi de 875,3 km/h (543,9 mph). O Canberra nº 1 de Hodges chegou dois minutos atrás. Porém, um problema na bomba de ar do sistema hidráulico do trem de pouso do WE139 impediu que fossem baixados, obrigando o navegador Don Gannon a bombear manualmente, atrasando o pouso. Além disso, durante a aterrissagem, foram constatados problemas com os freios[22].

Hodges pousou às 22h48 (horário de Greenwich) partindo trinta minutos depois. Burton pousou somente às 22h57 e teve que reparar a bomba de ar e reabastecer no mesmo tempo que Hodges. Isso fez com que o WE139 partisse com 350 galões a menos de combustível do que o planejado inicialmente. O Canberra nº 2 de Furze pousou às 23h07, mas o WE142 apresentou problemas com um disco de segurança defeituoso nos turbo compressores que precisou ser trocado, decolando somente as 00h17[23].

Os australianos a caminho do Bahrein apresentaram uma velocidade média inferior aos aviões da RAF, mas o serviço em solo foi impecável, realizando o reabastecimento das aeronaves na metade do tempo de seus colegas britânicos. O Canberra nº 5 de Raw pousou às 23h44 da manhã (horário de Greenwich) e decolou às 23h59; e o nº 4 de Cuming pousou às 23h50 e decolou às 00h02. Graças ao excelente trabalho do pessoal de terra da RAAF, seus pilotos ganharam uma vantagem de 160 km sobre os ingleses[24].

Ambas as equipes rumaram em direção à Colombo no Sri Lanka (Ceilão), mas os britânicos pousaram na RAF Station Negombo e os australianos no aeroporto de Ratmalana. Hodges e o Canberra nº 1 estabeleceram um novo recorde no trajeto Londres-Sri Lanka, percorrendo os 8.865 km (5.509 mi) em dez horas e 25 minutos, com uma velocidade média de 898 km/h (558 mph)[25]. Esse foi o trajeto mais tenso a bordo do WE139 por causa do combustível a menos que recebeu, pousando em Negombo no final de sua reserva[26].

Em Negombo, Hodges chegou ás 04h00 (horário de Greenwich) e partiu às 04h17. Burton chegou às 04h34 e partiu para as Ilhas Cocos às 04h48. Furze chegou às 05h05 e precisou trocar a roda de estibordo, partindo às 05h35. Em Ratmalana, o Canberra nº 4 de Cuming chegou às 04h18 e partiu às 04h32. Já o nº 5 de Raw chegou ás 04h19 e partiu às 04h33. Quando o WE139 deixou o Sri Lanka estava quinze minutos atrás de seus rivais australianos e mais de trinta minutos atrás do WH773 de Hodges[27].

O ponto alto da corrida foi nas Ilhas Cocos, onde ambas as equipes se encontraram. O Canberra PR.7 nº 1 de Hodges chegou ás 07h47 (horário de Greenwich), mas somente sobrevoou a ilha e seguiu direto para Perth, o que lhe garantiu uma boa vantagem[28].

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FIGURA 6: linda imagem dos Canberras da RAAF nas Ilhas Cocos. O A84-202 está sendo reabastecido enquanto o A84-201 realiza a aproximação para pouso (Foto: ADF-Serials).

Apesar de o Canberra nº 4 de Cuming ter tido uma falha de motor que o obrigou a baixar a altitude para religa-lo, foi o primeiro a pousar na ilha, às 07h44 (horário de Greenwich). Mas ao tocar o solo um dos seus pneus estourou. Segundo testemunhas, Cuming demonstrou grande habilidade em controlar o avião e pousando em segurança. Porém não haviam rodas disponíveis para substituição na ilha, sendo necessário o envio da Austrália. Isso acabou com as chances de Cuming na corrida[29].

Raw, no Canberra nº 5, pousou às 07h52 (horário de Greenwich) e partiu rumo à Woomera somente dez minutos depois. O Canberra nº 3 de Burton, que continuava apresentando problemas nos freios, pousou às 08h04. Durante o reabastecimento houve o rompimento de uma das mangueiras de combustível, encharcando o avião. Para evitar um incêndio, o pessoal de terra buscou todos os panos disponíveis para secar o WE139, que decolou para Perth 22 minutos depois. O Canberra nº 2 de Furze pousou as 08h53 e decolou às 09h04[30].

Apesar de sua grande vantagem, o Canberra nº 1 de Hodges começou a ter problemas com os geradores ainda sobre as Ilhas Cocos, chegando a Perth às 11h00 (horário de Greenwich). Apesar de ser reabastecido em nove minutos, os motores apagavam após quinze minutos de ignição por causa dos geradores defeituosos. Foi necessário substituir os geradores, o que acabou com as chances de Hodges e seu navegador, o S/Ldr[31] R. Currie, de vencerem a corrida. Eles só voltaram a decolar às 23h19[32].

Às 11h26 (horário de Greenwich) Burton pousou em Perth, e mal o WE139 estacionou, Hodges correu para frente da aeronave e gritou para Burton: “Depende de você[33]. Dezesseis minutos depois o WE139 estava na pista pronto para decolar quando todos tomaram um susto. Um DC-4 vinha pousando na pista em sentido oposto. O Canberra já estava acelerando quando na última hora o Skymaster recebeu instruções para dar a volta. Furze chegou às 12h14, decolando apenas doze minutos depois em direção à Christchurch[34].

O Canberra nº 5 de Raw chegou a Woomera às 12h58 (horário de Greenwich) e em dez minutos já estava abastecido. Porém um problema de bloqueio do suprimento de oxigênio da tripulação causou um atraso de 86 minutos, acabando com a vantagem que tinham sobre Burton e Gannon. Mas Raw pretendia usar seus conhecimentos das condições meteorológicas da região para conseguir alguma vantagem e tentar chegar à frente[35].

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FIGURA 7: equipe de solo da RAF nas Ilhas Cocos. Em frente, da esquerda para a direita: Gleason, Dear, Xoufarids, Taylor, Spong. Atrás, da esquerda para a direita: Swift, Davies, Joyce, Russell e R. Smith (Foto: National Library of Australia).

O WE139 chegou ao amanhecer em Christchurch (17h37 horário de Greenwich) sob chuvas fortes, pouco mais de um minuto a frente de Raw. Burton e Gannon são declarados os vencedores, com o tempo total de 23 horas e 51 minutos, estabelecendo novo recorde para os 20.470 km (12.720 mi) entre Londres e Christchurch, recorde este que permanece até hoje[36].

O Vickers Viscount da British European Airways foi a primeira aeronave a completar a prova de handicap, mas como havia transportado somente combustível extra não tinha muitos pontos de desvantagem, e, como previsto, o vencedor foi o DC-6 Liftmaster da KLM, com um tempo de total de 49 horas e 57 minutos.

No dia 15 de outubro foi realizada a cerimônia oficial de encerramento da corrida e entrega dos prêmios. O evento contou com a presença de milhares de neozelandeses no aeroporto de Harewood. Infelizmente a festa terminou em tragédia quando dois De Havilland Devon que faziam parte de uma formação de 27 aeronaves que sobrevoou Harewood, se chocaram no ar causando a morte dos sete tripulantes. Essa é, até hoje, a maior perda de pessoal da Real Força Aérea da Nova Zelândia em um único incidente[37].

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FIGURA 8: as trajetórias seguidas pela RAF (em vermelho) e pela RAAF (em verde) na corrida Londres-Christchurch.

Independente das críticas sobre os custos[38], a participação na corrida trouxe importantes lições para as duas forças aéreas que justificaram o investimento. A primeira foi sobre a capacidade dos bombardeiros a jato de cobrir grandes distâncias, de dia ou à noite, em curto espaço de tempo. Mesmo lugares antes considerados remotos estavam agora a 24 horas de voo de distância da Europa.

Demonstrou também que bases aéreas estrategicamente espalhadas pelo globo poderiam fornecer apoio para aeronaves em deslocamento e capacidade de se atingir rapidamente os mais distantes teatros de operações.

Também se destacou a confiabilidade e a precisão dos novos equipamentos de navegação para voos de longa distância, o que associado com a habilidade dos navegadores, fez com que nenhuma das aeronaves se perdesse, além de poderem prever com exatidão a hora de chegada, tantos nas paradas para reabastecimento como na chegada em Harewood.

Mas mesmo a corrida tendo sido considerada um sucesso pela organização e fornecido importantes lições sobre o desdobramento de longa distância do poder aéreo, a corrida Londres-Christchurch foi a última das grandes corridas aéreas, justamente pelo grau de desenvolvimento que a aviação havia atingido.

Como explicou o então presidente da ICAO (International Civil Aviation Organization, Organização Internacional da Aviação Civil), Dr. Edward Warner no relatório anual da instituição de 1954, “A capacidade das aeronaves de alta velocidade de cobrir grandes distâncias na velocidade máxima e estritamente de acordo com o plano pode agora ser tão garantida que pode parecer desnecessário repetir esses impressionantes desdobramentos[39].

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FIGURA 9: os vencedores, o piloto Flight Lieutenant Roland Burton (esq.) e o navegador Flight Lieutenant Don Gannon, DFC, recebendo a Harewood Gold Cup. Os prêmios em dinheiro recebidos pela RAF pelo primeiro e terceiro lugar na corrida foram doados à caridade (Foto: Air Force Museum of New Zealand).

A maratona pós-corrida

Antes mesmo da cerimônia de encerramento da corrida, dia 11 de outubro o WE139 fez um voo de demonstração em Christchurch, o primeiro de uma longa maratona que a aeronave e tripulação teriam que cumprir antes e depois de seu retorno para a Grã Bretanha.

Dia 17 realizou um voo de demonstração em Whenuapai, retornando dia 19. No dia 25 voou para Perth, seguindo para Changi, em Cingapura dia 26. No dia 29 foi até Tangah, na Malásia, para um voo de demonstração, retornando para Changi no mesmo dia.

No dia 1º de novembro de 1953 voou para Bangkok, onde realizou uma demonstração no dia 2. No dia seguinte, 3 de novembro, seguiu para Rangun, na Birmânia. De lá voou para Nova Délhi, na Índia, em 6 de novembro. Três dias depois, em 9 de novembro, seguiu para Karachi realizando sua apresentação no dia 10.

Em 11 de novembro iniciou seu retorno à Grã Bretanha, partindo de Karachi para Shu’aiba (Basrah). Do Iraque seguiu para a base RAF Luqa, em Malta, dia 12. No dia 13 chegou ao aeroporto de Heathrow em Londres para a cerimônia oficial de boas vindas, seguindo para a base RAF Wyton no mesmo dia.

O WE139 foi enviado à fábrica da English Electric em Samlesbury para desfazer algumas das alterações realizadas para a corrida. Em 11 de dezembro a aeronave estava pronta e foi retirada da fábrica por Burton e Gannon. Dia 16 seguiu para a RAF Aldergrove, no norte de Irlanda, de onde seguiria para os Estados Unidos.

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FIGURA 10: o WE139 em serviço no Nº 540 Squadron, ostentando a identificação de vencedor da corrida no nariz. (Foto: i-pinimg).

Em 17 de dezembro o WE139 decolou com destino à Kittyhawk, na Carolina do Norte, para participar das celebrações de cinquenta anos do primeiro voo dos Irmãos Wright. O voo teve oito horas e meia de duração, com escalas em Gander e Newfoudland, no Canadá.

Após a comemoração, voou para a base da Força Aérea Americana (USAF) de Langley, no dia 20. No dia 21 fez um voo de Langley para Baltimore e Ottawa. No dia seguinte seguiu de volta à Gander, de onde retornaria para a Grã Bretanha.

A ideia era estabelecer um novo recorde no trajeto entre Gander e Aldergrove, dia 23 de dezembro, mas um sério problema com o motor de estibordo fez com que esse se desintegrasse, com pedaços do motor perfurando a fuselagem do avião próximo do lugar onde Gannon se sentava.

O WE139 ficou aterrado em Gander até ser reparado por homens da Nº 58 MU (Maintenance Unit, Unidade de Manutenção). Os reparos tiveram início em 19 de janeiro e terminaram somente em 22 de fevereiro, quando puderam retornar ao Nº 540 Squadron, em Wyton[40].

Em serviço na Europa

No dia 1º de outubro de 1954 o WE139 foi transferido para o Nº 69[41] Squadron, na base RAF Gütersloh, na Alemanha Ocidental, que fazia parte da 2ª força Aérea Tática da OTAN. Posteriormente este esquadrão foi transferido para a RAF Laarbruch, em 13 de dezembro de 1954.

No registro do WE139 no Museu da RAF não consta nenhuma missão durante o período de serviço na Alemanha, pois muito do material referente às missões de reconhecimento dos Canberra durante a Guerra Fria ainda são classificados, havendo apenas o apontamento do dano e manutenção no registro individual do aparelho.

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O fato é que, no início dos anos 1950, os Canberras da RAF eram os principais responsáveis pelos voos de reconhecimento estratégico à alta altitude da OTAN, até a entrada em serviço do Lockheed U-2, em 1955. Os Canberras da RAF eram os únicos capazes de realizar missões de reconhecimento fotográfico à alta altitude sobre países do Pacto de Varsóvia, utilizando sua alta velocidade e altitude como proteção contra a defesa antiaérea e interceptação[42].

Porém a utilização de flares de iluminação, capazes de emitir a luz de milhões de velas por dois segundos, tornava as aeronaves muito vulneráveis. À medida em que a tecnologia soviética de mísseis e aviões de caça evoluíram e o U-2 passou a desempenhar a função de reconhecimento estratégico, a RAF passou a utilizar seus Canberras PR.3 e PR.7 em missões de reconhecimento tático diurno[43].

Após a construção do Muro de Berlim os Canberras passaram a realizar voos de elevada altitude ao longo da fronteira entre as duas Alemanhas utilizando suas câmeras oblíquas para monitorar a movimentação atrás da Cortina de Ferro. Algumas vezes esses voos eram escoltados por caças, o que muitas vezes ocasionava uma resposta por parte dos alemães orientais, que enviavam seus caças para acompanhar as formações da RAF do outro lado da fronteira. Mas não houve relatos de incidentes[44].

Dia 1º de abril de 1958 o Nº 69 Squadron foi transferido para a base RAF Luqa, em Malta, sendo debandado em 1º de julho e redesignado como Nº 39 Squadron. Dia 18 o WE139 foi enviado ao Nº 49 MU, na base RAF Colerne, para ajuste de equipamento especial, retornando ao esquadrão no dia 9 de setembro.

Em 5 de maio de 1960 o WE139 foi enviado à English Electric para modificações, e em 21 de outubro para a Boulton Paul Aircraft para receber alterações adicionais, onde foi realizado um trabalho considerável pela equipe da empresa. Retornou a Malta em 25 de outubro.

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FIGURA 11: o WE139 a serviço do No. 231 OCU (Foto: eLaRef/Flickr).

Com a entrada em serviço dos Canberra PR.9, os PR.3 ainda ativos foram retirados da linha de frente, com o WE139 sendo transferido para o Nº 231 OCU (Operational Conversion Unit, Unidade de Conversão Operacional) na base RAF Bassingbourn, em 19 de dezembro de 1962. Lá ele serviu na conversão de pilotos e treinamento de reconhecimento fotográfico.

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FIGURA 12: o WE139 em exposição no Museu da RAF de Londres (Foto: acervo pessoal do autor).

Em 23 de abril de 1969 o WE139 realizou seu último voo, de Bassingbourn para a RAF Henlow, onde seria armazenado para o museu da RAF[45]. Em seus pouco mais de dezesseis anos de serviço acumulou um total de 4.260 horas de voo e realizou 2.017 pousos. Em 14 de janeiro de 1971 ele foi transportado pela rodovia Nº 71 para o museu da RAF de Londres, onde desde então está em exibição no Main Aircraft Hall[46].

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FIGURA 13: detalhe da pintura que identifica o WE139 como vencedor da corrida Londres-Christchurch (Foto: acervo pessoal do autor).

*Cristiano Oliveira Leal é aficionado em história e aviação militar desde a infância, iniciando suas primeiras pesquisas ainda na adolescência. Após o serviço militar no 2º Regimento de Cavalaria Mecanizada, cursou graduação em História na Unisinos, período em que passou a estudar Teoria Militar e estagiou durante um ano no Museu Militar do Comando Militar do Sul. Realizou pesquisas em alguns dos principais museus militares britânicos, em especial os da Royal Air Force. É titulado Especialista em História Militar pela Unisul.


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Notas

[1] ROYAL AIR FORCE HISTORICAL SOCIETY, The Canberra in the RAF. 2009. Journal 43 p.9 et seq. Tradução do autor.

[2] Ibid p-19. Tradução do autor.

[3] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

[4] Wing commander, comandante de ala.

[5] Squadron leader, líder de esquadrão.

[6] Flight lieutenant, tenente de voo.

[7] ROYAL AIR FORCE HISTORICAL SOCIETY, The Canberra in the RAF. 2009, Journal 43 p.21 et seq. Tradução do autor.

[8] Ibid p.19 Tradução do autor.

[9] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

[10] Excursão da Inglaterra ao Chile de 38.624 km (24.000 milhas) seguindo as seguintes escalas: Binbrook, Gibraltar, Dakar, Recife, Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires, Santiago, Lima, Bogotá, Caracas, Belize, Cidade do México, Havana, Kingston, Trujilo, Porto Espanha, Belém, Recife, Dakar, Gibraltar, Binbrook. ROYAL AIR FORCE HISTORICAL SOCIETY, The Canberra in the RAF. 2009, Journal 43 p.24. Tradução do autor.

[11] The Evening Advocate, Innisfail, 07 dez. 1949. p.8. Tradução do autor.

[12] Examiner, Launceston, 30 ago 1952. p.5. Tradução do autor.

[13] News, Adelaide, 10 dez 1952. p.4. Tradução do autor.

[14] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor. 12 The Evening Advocate, Innisfail, 05 ago. 1953. p.6. Tradução do autor.

[15] The Evening Advocate, Innisfail, 05 ago. 1953. p.6. Tradução do autor.

[16] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

[17] The Herald, Melbourne, 22 set. 1953. p.4. Tradução do autor.

[18] Warwick Daily News, Warwick, 03 out. 19583. p.1. Tradução do autor.

[19] The Canberra Times, Canberra, 30 set. 1953. p.2. Tradução do autor.

[20] The Herald, Melbourne, 08 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[21] Adelaide, 07 out. 1953. p.11. Tradução do autor.

[22] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

[23] The Advertiser, Adelaide, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[24] Newcastle Morning Herald and Miners Advocate, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[25] The Advertiser, Adelaide, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[26] 23 ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

[27] The Advertiser, Adelaide, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[28] Idem

[29] The West Australian, Perth, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[30] Newcastle Morning Herald and Miners Advocate, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[31] Squadron leader (líder de esquadrão).

[32] The West Australian, Perth, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[33] Idem

[34] The West Australian, Perth, 10 out. 1953. p.1. Tradução do autor.

[35] Idem

[36] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

[37] SIM, Michelle. The Last Great Air Race: London To Christchurch 1953. Air Force Museum of New Zealand, 02 out. 2018. Tradução do autor.

[38] A RAAF, por exemplo, investiu um total de £50.000 em sua participação na corrida, sendo que se os dois Canberras australianos tivessem terminado a corrida nas duas primeiras posições receberiam somente £13.000.

[39] The Newcastle Sun, 19 mai. 1954. p.17. Tradução do autor.

[40] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

[41] Houve outro No. 69 Squadron composto por australianos a serviço da RAF.

[42] Muito se especula sobre uma suposta missão na base secreta soviética de Kapustin Yard, mas, apesar de alguns pesquisadores apontarem algumas evidências, não existe comprovação de que tal missão tenha ocorrido. Com o primeiro registro fotográfico conhecido da base sendo realizado por um U-2 norte americano em 1955.

[43] ROYAL AIR FORCE HISTORICAL SOCIETY, The Canberra in the RAF. 2009, Journal 43 p.56. Tradução do autor.

[44] ROYAL AIR FORCE HISTORICAL SOCIETY, RAF in Germany 1945-1993. Journal 22. p.97. 1999. Tradução do autor.

[45] O Ministério da Defesa britânico só oficializou a doação do WE139 pelo RAF Museum em 3 de agosto de 1998.

[46] ROYAL AIR FORCE MUSEUM, BAC Canberra PR. 3 WE 139/8369M. 2012. Tradução do autor.

Referências bibliográficas

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