As relações sino-americanas depois da pandemia

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Cel-Paulo-Filho.png Por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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Acredita-se que a pandemia da COVID-19 mudará muita coisa no comportamento das pessoas, embora os efeitos dessas mudanças ainda sejam desconhecidos. Nas relações internacionais não será diferente, já que a crise evidenciou uma dependência preocupante em relação à China, país em que, aliás, se originou o processo de contaminação pelo novo vírus. Nesse contexto chama a atenção como se dará a evolução das relações EUA/China, as maiores potências econômicas e militares do planeta.


Crises mundiais normalmente induzem mudanças significativas no sistema internacional ou, pelo menos, agem como catalisadores que aceleram as que já estavam em andamento. Não há nenhuma razão para acreditar que desta vez será diferente. Nenhum país do mundo sairá incólume da pandemia e as relações diplomáticas, comerciais e políticas entre as nações certamente sofrerão consequências.

Ao tentar antecipar o cenário geopolítico com o qual o mundo se defrontará, a maior parte dos analistas concentra-se nas consequências da pandemia para as relações entre EUA e China.

Os dois países já travam a chamada “guerra comercial” que, dentre outras coisas, evidencia a tentativa dos EUA de reduzirem os laços comerciais que foram criados nos últimos quarenta anos e tornaram os norte-americanos, em muitos aspectos, dependentes da produção industrial chinesa.

A pandemia evidenciou esta dependência com a chamada “guerra das máscaras”, na qual o mundo assistiu a uma disputa entre diferentes países pela compra de equipamentos para o enfrentamento da COVID-19. Nesse sentido, é emblemática a fila com dezenas de aeronaves de transporte norte-americanas indo buscar, na China, máscaras e equipamentos hospitalares.

É evidente que essa dependência externa de equipamentos estratégicos para o enfrentamento do vírus é inadmissível para qualquer país desenvolvido. Muito mais em se tratando dos EUA, maior potência mundial. É certo que os norte-americanos não admitirão mais passar por esse tipo de vulnerabilidade no futuro. Assim, pode-se esperar que a superpotência atue para modificar as atuais cadeias produtivas globais, buscando nacionalizar a produção de diversos itens considerados estratégicos. Este movimento certamente extrapolará a área da saúde e acontecerá também em outros setores, especialmente na área da tecnologia da informação e das comunicações.

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Essa substituição das importações poderá ser acompanhada por parte da comunidade internacional. Isso intensificará a guerra comercial em um momento em que os impactos econômicos da pandemia afetam o gigante asiático. O PIB chinês, no 1º trimestre deste ano, caiu 6,8% em relação ao mesmo período do ano passado. Em relação ao trimestre anterior, a queda foi de 9,8%. É a primeira vez que ocorre uma queda do PIB chinês desde 1992, ano em que essas informações passaram a ser divulgadas. A última vez em que o PIB anual da China teve retração foi em 1976, no fim da malfadada “Revolução Cultural”. Isso significa que uma ou duas gerações de chineses não sabem o que é viver em tempos de contração da economia.

Como se sabe, crises econômicas têm o condão de impulsionar insatisfações na população. A emergente classe média chinesa até aqui suporta as restrições à liberdade impostas pelo regime porque, afinal de contas, está progredindo economicamente. Entretanto, talvez essa mesma classe média não seja tão paciente com esse mesmo regime se entender que a reação governamental, tanto do ponto de vista da saúde pública quanto da economia, foi ineficiente. Pressionado no campo interno, o governo chinês poderá responder com mais veemência na guerra comercial contra os norte-americanos. Essa postura por um lado se prestará ao seu objetivo ostensivo, que é o de proteger os interesses econômicos do país. Por outro lado, também servirá para a propaganda interna do regime, que transmitirá aos seus cidadãos uma mensagem de um país altivo no cenário internacional, o que sempre serve ao fervor nacionalista e aumenta a coesão interna da população.

Aliás, já se nota uma maior assertividade chinesa nas relações internacionais. As respostas “alguns tons acima” de sua diplomacia a manifestações por eles consideradas “antichinesas”, no contexto da pandemia, surpreenderam diversos diplomatas e demonstram que o país quer ocupar uma posição de força no cenário internacional.

A estratégia chinesa de resposta à pandemia, com o envio de equipes médicas e de equipamentos para diversas partes do mundo, além da tentativa de mostrar que o regime pode oferecer a melhor governança no tratamento da crise, procura contrastar com a postura mais isolacionista dos norte-americanos, que no enfrentamento da COVID-19 claramente abdicaram do papel de liderança global que desempenharam em outras crises do século XX e do início do século XXI.

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E este será um novo foco de possível enfrentamento entre as duas potências. Até que ponto os EUA admitirão maior presença e liderança chinesas em continentes onde até há pouco tempo a influência norte-americana era incontestável?

Como se vê, há várias razões para acreditar que haverá deterioração nas relações entre EUA e China no futuro imediato, pós-pandemia. Outras mais poderiam ser levantadas, como o enfraquecimento dos organismos multinacionais e as eleições norte-americanas. A solução das controvérsias entre os dois gigantes é de interesse de toda a comunidade internacional. Por isso, espera-se que as duas potências saibam encontrar os melhores caminhos para solucionar seus dissensos.

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*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina;  possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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6 comentários

  1. A balança pendendo a Eurásia, colocando em xeque a liderança global americana.

    Vamos aguardar o pós-COVID, não se pode ter certeza, mas alguns países parecem querer mudar essa relação de dependência industrial chinesa.

    O dragão, depois de acordado tem um apetite voraz.

    Quem acordou?

    Depois de acordar…

  2. Essa crise que está por vir é o que faltava para o Trump mover as empresas americanas para seu território. Japão e Coreia estão fazendo o mesmo para salvar seus empregos, quem não fizer o mesmo será escravo dos chineses.

    1. Pois é Maus, acredito que muitos países vão avaliar essa questão. A pandemia expôs a enorme dependência da produção industrial chinesa. Grato por comentar, um abraço!

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