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Por Bianca Carl e Albert Caballé Marimón* |
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A Guerra do Paraguai devastou economias, territórios e vidas. Muitos testemunharam o maior conflito armado da América do Sul em diários e correspondências históricas. Benjamin Constant relatou tudo que vivenciou por meio de cartas à família e aos amigos, e no auge da guerra, escreveu o quanto era corroído pelas saudades da esposa e, em suas palavras, pelo desejo de que a “maldita guerra” terminasse o mais breve possível.
A Guerra do Paraguai foi o mais intenso conflito militar da América do Sul, com longa duração e que culminou na devastação do Paraguai. Recebeu outros nomes como Guerra da Tríplice Aliança e Guerra Grande e ocorreu entre 1864 e 1870, ao longo do Segundo Reinado.
Atualmente, o consenso histórico é que a real motivação foi a questão territorial e não o imperialismo britânico, como acreditavam algumas correntes. Era o momento em que os Estados Nacionais se consolidavam – a consolidação das nações da Bacia Platina (Argentina, Uruguai, Brasil e Paraguai).
No Paraguai, temos o governo ditatorial de Solano López; no Uruguai, o governo constitucional enfrentava uma guerra civil entre Blancos e Colorados; no Brasil, Pedro II era o imperador; e na Argentina, Bartolomé Mitre era o presidente, porém ao longo da guerra, em 1868, assume Domingo Sarmiento. Importante destacar que nenhum deles possuía uma política externa forte e isso, certamente, contribuía para o surgimento de disputas e conflitos.
O contexto da guerra
Em 1852, depois da Guerra do Prata, a região platina parecia estar pacificada. No entanto, disputas sobre a demarcação de fronteiras e a luta pelo poder na Argentina entre federalistas e unitaristas, e no Uruguai entre Blancos e Colorados, levaram ao acirramento de conflitos na região.
O Paraguai contava com o apoio do Uruguai, que permitia que o país acessasse os seus rios para ter acesso ao mar. Mas, em 1864, o Brasil intervém no Uruguai, pondo fim à guerra civil e depondo o Blanco Atanásio Aguirre, aliado do ditador paraguaio. Nesse período houve a Missão Saraiva, em abril de 1864, liderada pelo conselheiro José Antônio Saraiva, enviada ao Uruguai com o objetivo de conseguir que o governo uruguaio garantisse os direitos e interesses legítimos dos cerca de quarenta mil brasileiros que viviam no Uruguai.
López se opôs à intervenção brasileira e, em represália, ordenou a tomada do navio brasileiro Marquês de Olinda em novembro de 1864, no qual encontrava-se o futuro presidente da província brasileira de Mato Grosso.
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Isso levou ao rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Paraguai, e em dezembro forças paraguaias invadiram o sul da província de Mato Grosso. Mitre, o presidente da Argentina, não permitiu que López atravessasse território argentino para atacar o Rio Grande do Sul e o Uruguai, o que acabou levando López a declarar guerra à Argentina em março de 1865.
O Uruguai, governado por Venâncio Flores, instalado pelo Governo Imperial brasileiro durante a intervenção, apoiou o Brasil e a Argentina. Isso levou os três países a assinarem o Tratado da Tríplice Aliança.
Na época, o Paraguai possuía o exército mais poderoso da região. No Brasil, havia legitimidade no recrutamento porque os homens e forças foram convocados por meio de leis e decretos; mas não houve tempo hábil e nem treinamento de qualidade para prepara-los para a guerra.
Dentre os conflitos da Grande Guerra, destacam-se as batalhas do Riachuelo, Tuiuti, Curupaiti, Lomas Valentinas, Avaí, Itororó e a Batalha de Acosta Ñu. Podemos citar como comandantes brasileiros de relevante importância os almirantes Francisco Manuel Barroso (Barão do Amazonas) e Joaquim Marques Lisboa (Marquês de Tamandaré), os marechais Manoel Luiz Osório (Marquês de Herval) e Luís Alves de Lima e Silva (Duque de Caxias) e o Conde D´Eu (Gastão de Orleans, Príncipe Imperial Consorte do Brasil).
A Guerra do Paraguai teve um grande número de baixas – estima-se um total de aproximadamente quatrocentos mil mortos – que se deu por variados fatores, não apenas bélicos. Diante da escassez de recursos era necessário improvisar e isso gerou uma série de equívocos.
A fome instalou-se devido à dificuldade logística, frequentemente prejudicada ou interrompida por ações inimigas. Havia muitas doenças decorrentes das pestes (malária e cólera, por exemplo), agravadas por péssimas condições sanitárias, da insuficiente assistência médica, da falta de vacinação prévia e da impossibilidade de vacinação durante o conflito. Havia baixo nível de treinamento e falta de equipamentos; a criminalidade assolava os campos de batalha, consequência da miséria, e a geografia da região era desconhecida pelos soldados brasileiros. Tudo isso demonstra que o combate em si não era o único inimigo, mas sim lidar com as milhares de dificuldades para sobreviver.
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Dentre essas, a questão geográfica chama atenção por apresentar um forte empecilho ao sucesso da campanha. Alguns entraves enfrentados pelos soldados foram os terrenos pantanosos de Curupaiti, no Paraguai, sobretudo em frente a Humaitá; as baixas dos rios da Bacia Platina (no Mato Grosso) que prejudicavam a navegação e encalhava os navios, criando dificuldades no transporte de pessoal e cargas (alimentação, equipamento, munições, armas etc.); e o clima de extremos frio ou calor. Cada um dos fatores um trouxe uma consequência que contribuiu para todo o saldo negativo, a despeito da vitória da Tríplice Aliança.
A experiência humana de Benjamin Constant antes, durante e depois da guerra
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o “Fundador da República” (título concedido pela Assembleia Nacional Constituinte, em 1891), era oficial do Exército e professor de matemática e estudos universais em escolas civis e militares. Inicialmente capitão, durante sua trajetória militar alcançou a patente de tenente-coronel.
Não houve efetiva participação militar (em combate) por parte dele, mas sim importância como observador. Constant descreveu em suas correspondências com amigos e familiares o que lhe incomodava: a incompetência dos líderes da guerra, a longa duração do conflito, as decisões dos comandantes, a falta de estrutura e manutenção de suprimentos que levava ao esmorecimento e tristeza.
Observar as batalhas de perto foi possível por causa de sua recusa a assumir funções administrativas e pelo desejo de estar no front. Iniciou como fiscal de fornecimento, passou à área de engenharia onde construiu trincheiras, organizou peças militares, realizou balanço de material bélico, desenhou plantas de estradas, travou embates com fornecedores e comerciantes ladrões, denunciou o desperdício de dinheiro e os maus-tratos a doentes e feridos, narrou combates sangrentos, dentre outras várias vivências.
Em sua experiência, Benjamin Constant foi veemente contra certas situações que ocorreram na guerra. Por exemplo, teceu severas críticas a comandantes, sobretudo a Caxias, acusando-o de incompetente e preterido. A personalidade de Caxias, disciplinado e regrador, parecia incomodar a Benjamin.
Seus valores e acepções giravam em torno da figura do soldado-cidadão, que não necessariamente deveria adotar uma postura passiva de obediência aos pilares militares da disciplina e da hierarquia. Ele contestava a palavra “superior” (referente aos chefes e comandantes) e só considerava superiores as qualidades e a inteligência das pessoas.

De tudo aquilo que observou no período em que esteve na guerra, Constant enumerava em suas cartas situações que corroboram com o que a História descreve. Na viagem de ida, seguindo para a missão, elogia com fervor a alimentação e o transporte a vapor, mas critica a precária comunicação e frisa a duvidosa qualidade da água (na medida em que vai viajando, o consumo de água torna-se obrigatoriamente provindo de rios com cadáveres em putrefação).
Dá muita ênfase à saudade da família, pede perdão por querer estar na luta ao invés de assumir postos administrativos, narra acidentes e encalhes dos navios, descreve a angústia diária de saber notícias sobre uma possível vitória dos companheiros que já se encontravam nos campos de batalha. Repudia López, chamando-o de “monstro” e opina que o Brasil não deveria crer numa proposta de paz vinda dele. Cita roubos e assassinatos a estrangeiros, diz que alguns dos envolvidos na Tríplice Aliança não valorizam as mortes e o dinheiro empreendido na guerra, critica a salubridade local. Escreve sobre condições sanitárias terríveis, com a presença de moscas e pestes.
Já em Tuiuti, após passar por Corrientes, descreve a falta de remédios, as doenças (inclusive, a do próprio irmão Marciano) e o clima que vai a extremos de frio e calor, mas assegura à sua esposa de que sua saúde vai bem, apesar desses pesares. É a experiência humana visceral que o faz, no centro do desespero e sofrimento, começar a ter resiliência e gratidão pela vida, porém, é neste panorama que passa a demonstrar muita preocupação com o futuro da família, caso não retornasse vivo ou saudável da guerra.
Fala das estratégias de pressionar o inimigo até que seja derrotado pela fome e pela falta de recursos. Reclama dos parcos e reduzidos salários, mas enaltece as amizades e favores sinceros. Acaba vítima da malária, retorna ao Brasil, por meio de uma licença de três meses que, posteriormente, é prolongada para mais quatro meses. Os sintomas se agravam e impedem o retorno à guerra, em 1867.
A vida após a guerra é difícil para Benjamin Constant, que possui despesas que extrapolam seu orçamento – o pagamento do hospício no qual sua mãe encontra-se internada e o encargo de cuidar de uma irmã, de uma tia com oitenta anos e uma filha de quatro anos, pois acabara de ficar viúvo.
Em 1868, Benjamin consegue recolocar-se profissionalmente no Imperial Observatório Astronômico e no Instituto dos Meninos Cegos. Neste instituto, ele começa a estudar técnicas pedagógicas de ensino e de desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas cegas e surdas-mudas. Após diversas mudanças de sede (passando pela Gamboa e pelo Campo da Aclamação), finalmente se estabelece como Instituto Benjamin Constant, no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, que permanece ativo até os dias de hoje.
Após a guerra, sua vida permeou a sociedade e sua evolução. Dedicou-se ao Instituto dos Cegos e aos negócios, participando de empreendimentos nacionais e estrangeiros, na abolição da escravidão, na defesa de causas das pessoas inválidas e ao positivismo.
Faleceu aos 54 anos, em 22 de janeiro de 1891 no Rio de Janeiro.
Referências
LEMOS, R. Cartas da Guerra Benjamin Constant na Campanha do Paraguai. Rio de Janeiro: IPHAN, Museu Casa Benjamin Constant, 1999.
História: As causas da Guerra do Paraguai – PGM 11. Univesp TV. https://www.youtube.com/watch?v=Q5Yxrh9MX8Q.
Entrevistas com membros da família de Benjamin Constant.
A Guerra do Paraguai – Histórias do Brasil. TV Senado. https://www.youtube.com/watch?v=JIIE69T_1ck.
MARSHALL, T. Prisioneiros da Geografia: 10 mapas que explicam tudo o que você precisa saber sobre política global. 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
*Bianca Carl é advogada, pós-graduanda em Direito Militar e pesquisadora nas áreas de Defesa e Direito Militar. Bianca é Diplomata Civil Humanitária e articulista do Blog Velho General.
*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing. Depois de atuar vários anos em empresas nacionais e multinacionais, tornou-se fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida e proferiu palestras na Academia da Força Aérea. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.
Como aprecio artigos narrativos de fatos, eventos e de história em geral. Grande Benjamin! Parabéns aos autores.
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Obrigado José! Com o tempo, pretendemos publicar maia artigos sobre a Guerra do Paraguai. Um abraço!
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Enfim, não dá para por toda a culpa no Solano. Ninguém guerreia sozinho.
A guerra do Prata, as complicações de território e divisas acabaram gerando este outro conflito.
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Pois é Paulo! Agora, se juntar a fome com a vontade de comer… rssss. Forte abraço!
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Muito obrigada, José!
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Boa noite. Parabéns pelo artigo. Precisamos conhecer mais nossa história.
Tudo de bom,
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Muito obrigado Ronaldo! Com o tempo, iremos postando mais artigos sobre o Brasil. Grato por comentar, forte abraço!
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Obrigada, Ronaldo!
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Sou aqui do Estado de Mato Grosso do Sul e a guerra do Paraguai tem fortes raízes entranhadas em nossa história, mas essa carta do Benjamim é um tesouro. Parabéns pela publicação e aguardamos mais histórias.
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Muito obrigado Clodoaldo! Com o tempo pretendemos postar mais artigos sobre a Guerra do Paraguai. Muito obrigado pelo comentário. Um abraço!
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Obrigada, Clodoaldo!
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Até os dias de hoje, singrar os rios platinos (tanto nas chuvas qto na seca) e os sertões do Centro-Oeste não é tarefa das mais simples e agradável. Graças a el Mariscal Lopes, as principais potências sulamericanas da época precisaram unir forças e entranhar essas fronteiras ocidentais tupiniquinis para derrotá-lo, quase aniquilando-se mutuamente. Pena que até os dias atuais, essas terras ainda são subvalorizadas e desprotegidas e ainda são causa de dores de cabeça para os nativos locais. Quam sabe dias melhores ñ surgirão?
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Tenhamos fé, Roberto. Chegaremos lá! Grato por comentar, forte abraço!
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Muita fé e muito trabalho a realizar. Obrigada por nos prestigiar.
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Boa noite. Perdoe-me escrever aqui. O faço por não encontrar um local “fale conosco”. Por gentileza, podem repassar ao responsável pelo “VG’? O meu pedido é no sentido que os dois artigos publicados hoje, 04/05/2020, A morte do general Rose e mar da China, estão solicitando senha para acessar. Onde cadastro uma senha? Não consegui encontrar. Muito obrigado.
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Olá José, eu enviei uma mensagem a seu e-mail. Você pode falar conosco também pela opção “Contato” no menu principal, logo abaixo do logotipo. Qualquer coisa, estou por aqui. Um abraço!
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Excelente artigo e meus parabéns!
Adorei a narrativa e como foi a abordagem do tema.
Abraços!
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Muito obrigado, Paulo! Um abraço!
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Obrigada, Paulo!
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Obrigado pela oportunidade de ler esse artigo, vocês mudaram a minha opinião sobre esse homem. Parabéns!
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Charly, fico muito felize se o blog ou a autora, Bianca, pudemos contribuir positivamente. Comentários como o seu nos animam a seguir em frente! Eu é que agradeço pela mensagem e por nos acompanhar! Forte abraço!
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Charly, estou muito feliz lendo seu comentário! Obrigada por nos prestigiar. Faço, das palavras do Velho General, as minhas. Abraços!
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Cara essas matérias sobre o Brasil Imperial são muito boas!! Por favor fale mais das batalhas antigas de palmares da resistência indígena ao longo dos séculos. Traga detalhes de como viviam lutavam e leve isso para o canal arte da GUERRA!! Show vlw!
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Muito obrigado pelas sugestões, Filipe. Vamos colocar na pauta. Um abraço!
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