“Gerônimo E.K.I.A.”: a Operação Lança de Netuno

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Albert-VF1 Por Albert Caballé Marimón*

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SEALs invadindo o complexo de Bon Laden (Imagem: El Gran Capitán/Johnny Shumate).

A Operação Lança de Netuno, que culminou com a morte de Osama Bin Laden, foi resultado de um planejamento extenso que sucedeu uma investigação complexa e repleta de incertezas e ambiguidades. Não há muitas informações oficiais sobre a missão e muitos aspectos permanecem desconhecidos. No entanto, com o passar do tempo diversos relatos vêm revelando pequenos detalhes que permitem especulações plausíveis a respeito da operação e dos meios empregados.


“Gerônimo” foi o codinome designado para confirmar a identidade de Bin Laden pelos SEALs; o acrônimo em inglês “E.K.I.A.” significa “Enemy Killed In Action” (inimigo morto em ação).


Os atentados de 11 de setembro consistiram em quatro ataques coordenados pelo grupo terrorista islâmico Al-Qaeda contra os Estados Unidos na terça-feira, 11 de setembro de 2001. Foram destruídas as torres gêmeas do World Trade Center, o edifício do Pentágono foi danificado e houveram cerca de 3 mil mortes e mais de 25 mil feridos. Calcula-se que os prejuízos financeiros decorrentes da destruição de infraestruturas chegaram a US$ 10 bilhões.

Em resposta, os EUA desencadearam a chamada “Guerra ao Terror”, invadiram o Afeganistão e iniciaram uma caçada a Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda e mentor dos atentados. Bin Laden inicialmente negou seu envolvimento, mas em 2004 assumiu a autoria. A caçada humana durou dez anos, ao fim dos quais, durante o governo do presidente Barak Obama, Osama Bin Laden foi morto no Paquistão por operadores do Naval Special Warfare Development Group (Grupo Especial de Desenvolvimento de Guerra Naval), popularmente conhecidos como DEVGRU ou SEAL Team Six, o componente da Marinha dos EUA do JSOC (Joint Special Operations Command, Comando Conjunto de Operações Especiais).

De acordo com Doug Englen, aviador do 160ª SOAR (Special Operations Aviation Regiment, Regimento de Aviação de Operações Especiais), em relato divulgado recentemente (leia aqui), antes da Operação Lança de Netuno houveram três tentativas de capturar ou matar Bin Laden: a primeira, bem conhecida, em Tora Bora[1], em 2001; a segunda no vale Shigal, a nordeste de Jalalabad, em 2006; e a terceira entre o Khost Bowl e o vale de Tirah, no Afeganistão, em 2008. Todas foram infrutíferas.

Após isso, as investigações pelo paradeiro de Bin Laden pareciam dispersas até que, em dezembro de 2009, um homem-bomba matou sete agentes da CIA no Afeganistão. Ele marcara um encontro com os agentes sob a alegação de que tinha informações que dariam acesso ao círculo interno de Bin Laden. Isso renovou a urgência da investigação. Leon Panetta, ao assumir como diretor da CIA, percebeu que havia muita gente trabalhando no caso, mas sem coordenação e foco executivo, as atividades acabavam por não produzir resultados.

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Assim, Panetta designou um analista sênior muito experiente no Oriente Médio como líder da operação, com responsabilidade por montar uma equipe, organizar as investigações e priorizar a caçada. A partir de então, Panetta faria reuniões de briefing semanais com o líder para acompanhar do caso.

Passaram-se vários meses sem resultados. A CIA trabalhava com a hipótese de que Bin Laden estava escondido nas áreas tribais do oeste do Paquistão, provavelmente numa caverna ou área rural, separado da família. As hipóteses consideravam também que ele estaria protegido por guardas bem armados. Suspeitava-se que ele estava com problemas de saúde e que poderia estar ligado a uma máquina de diálise renal improvisada.

No final de agosto de 2010, o líder tinha novidades. Agentes descobriram dois irmãos que haviam trabalhado como mensageiros para Bin Laden dez anos antes. Eles foram localizados e seguidos no Paquistão, no bairro de classe média de Bilal Town, na cidade de Abbottabad. Eles viviam em uma casa que parecia uma verdadeira fortaleza.

Aqui, um parênteses: diferentemente do que vemos nos filmes de ação de Hollywood, o trabalho de inteligência é, em geral, tedioso, enfadonho e requer foco e concentração. Nas palavras de Nada Bakos, ex-analista da CIA que participou da busca a Bin Laden, trabalhar com análise de inteligência é como montar um quebra-cabeças no qual sempre faltam peças. Na maior parte do tempo é uma atividade tediosa, cheia de dúvidas, ambiguidades, informações desencontradas que podem mudar com frequência e que muitas vezes parecem não fazer sentido.

Voltando à operação, os agentes da CIA passaram a vigiar a fortaleza. Através de imagens aéreas e de satélite, descobriram que alguns moradores nunca saíam da casa. Observaram que o lixo não era posto para recolhimento, mas queimado dentro do próprio complexo. Perceberam que a casa não tinha serviço de internet e nem telefone fixo.

Através das imagens aéreas, notaram que um terceiro homem, que passava a maior parte do tempo dentro da casa, saía de vez em quando para caminhar no quintal do complexo, sem nunca sair à rua. Eles o apelidaram de Pacer, e alguns analistas começaram a especular que poderia ser Bin Laden. Pelas imagens que obtinham, ele parecia ter o mesmo tipo físico de Bin Laden, mas não conseguiam obter uma imagem de seu rosto.


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FIGURA 01: pessoal da segurança paquistanesa mede um muro do lado de fora do esconderijo de Osama bin Laden após sua morte (Foto: Aamir Qureshi/AFP/Getty Images).

Houve uma ocasião em que Leon Panetta perdeu a paciência e quis que os agentes instalassem câmeras ocultas numa das árvores altas que havia ao lado da casa, mas os analistas o convenceram a desistir da ideia. Poucos dias depois, as árvores foram derrubadas, indicando que os moradores tinham preocupação com segurança.

Certa vez tentaram que um médico, o Dr. Shakil Afridi[2], que trabalhava para a CIA, conduzisse uma campanha de vacinação na vizinhança, na tentativa de conseguir amostras do DNA das crianças da casa. Se Bin Laden vivia lá, possivelmente uma das crianças seria seu filho. O plano não funcionou porque elas não foram vacinadas.

Os agentes não conseguiam a prova definitiva – uma foto de Bin Laden –, e entrar na casa era impossível. Mas seguiram trabalhando e reunindo inteligência. Há autores que suspeitam que a CIA teria obtido algum tipo de cooperação paquistanesa, seja da inteligência ou das forças armadas; no entanto, embora essa hipótese não possa ser totalmente descartada, não há nenhuma evidência de que isso tenha ocorrido.


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FIGURA 02: complexo de Osama Bin Laden em Abbottabad, pouco depois do ataque (Foto: The Atlantic).

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FIGURA 03: foto aérea do Harvey Point Defense Testing, instalação de treinamento da CIA na Carolina do Norte, tirada em 15 de fevereiro de 2011 (Foto: The Atlantic).

O presidente Barak Obama, que era mantido informado de toda a operação e estava empolgado com o progresso, autorizou que se fizessem planos para um possível ataque à fortaleza. Foram consideradas diversas alternativas, a maioria variações de ataques de operações especiais ou ataques aéreos, com aviões ou com UAV (Unmanned Aerial Vehicle, Veículo Aéreo não Tripulado). Algumas versões incluíam cooperação com militares paquistaneses. Obama decidiu não informar e nem trabalhar com os paquistaneses; ninguém confiava que eles mantivessem segredo.

Paralelamente, os SEALs ensaiavam uma operação de ataque, e construíram uma réplica da fortaleza de Bin Laden. Imagens de satélite de fevereiro de 2011 mostram estas instalações em Harvey Point Defense Testing, uma instalação de treinamento da CIA na Carolina do Norte. Nas Figuras 02 e 03 é possível verificar a semelhança entre a construção de treinamento e a fortaleza real, embora a instalação de treinamento tivesse cercas de arame e não muros de alvenaria como a original.

De acordo com o livro Relentless Strike: The Secret History of Joint Special Operations Command, de Sean Naylor, o treinamento do 160º SOAR com os helicópteros Black Hawk (numa versão hoje conhecida como “Silent Hawk” ou “MH-X”, modificada para acrescentar características de furtividade) ocorreu em três instalações: na Área 51, em Nevada, na Estação de Armas Navais China Lake, na Califórnia e no Campo de Provas Yuma, no Arizona.

No final de abril, Panetta reuniu a equipe de analistas e perguntou a cada um deles quais eram as chances de Pacer ser realmente Bin Laden. As opiniões variavam entre 40% e 95%. Panetta convidou analistas do NCTC (National Counterterrorism Center, Centro Nacional de Contraterrorismo) para criticar a análise da CIA. A confiança deles na inteligência da agência variou de 40% a 60%. O diretor do NCTC, Michael Leiter, disse que seria preferível esperar por uma confirmação positiva da identidade de Bin Laden. No entanto, quanto mais o tempo passava, maior o risco de ocorrer um vazamento.

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Apesar de Panetta levar em conta as dúvidas dos analistas, ele tinha certeza que a inteligência que tinham conseguido era melhor do que qualquer coisa que a CIA tinha reunido sobre Bin Laden desde Tora Bora.

No final da tarde de 28 de abril de 2011, Panetta e o restante da equipe de segurança nacional se reuniram com o presidente. Nas próximas noites, quase não haveria luar sobre Abbottabad, configurando a situação ideal para um ataque. Depois disso, passaria mais um mês até que a lua entrasse novamente na fase mais escura. Depois das 19h00, Obama adiou a reunião e disse que iria dormir pensando na operação.

Quando se reuniram novamente e apresentaram os planos, os conselheiros militares do presidente se dividiram. Alguns apoiavam um ataque de forças de operações especiais, outros um ataque aéreo; outros ainda achavam melhor adiar tudo até que tivessem uma confirmação positiva. Robert Gates, secretário de Defesa, lembrou da “Operação Eagle Claw”, de 1980, que visava resgatar os reféns americanos em Teerã e resultou em desastre. Ele alertou que na ocasião “os militares também disseram que era uma boa ideia”.

Gates e o general James Cartwright, vice-presidente do JCS (Joint Chiefs of Staff, o estado-maior conjunto das forças armadas americanas), eram a favor de um ataque aéreo com os bombardeiros B-2 Spirit. No entanto a USAF calculou que seriam necessárias 32 bombas de duas mil libras cada uma para penetrar dez metros abaixo do solo e garantir que um possível bunker fosse destruído. Isso totalizava cerca de 29 toneladas de explosivo, o que seria equivalente a causar um terremoto no bairro. Obama desistiu dessa opção e instruiu o almirante William McRaven, comandante do JSOC, a prosseguir com a opção de um ataque de operações especiais.

Como se tratava de uma operação em território paquistanês, o presidente temia que, se um dos helicópteros caísse e a equipe tivesse que combater ou pior, se fosse capturada, os EUA teriam um sério problema diplomático. Assim, Obama pediu que fossem acrescentados mais helicópteros por segurança. McRaven orientou seu pessoal a incluir dois Chinook como backup, e essa decisão se acabou por revelar-se providencial.

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De acordo com alguns relatos, dois membros do SBS britânico (Special Boats Service, Serviço Especial de Barcos, equivalente da Royal Navy do SAS, Special Air Service), um capitão e um major, teriam participado da fase final do planejamento, contribuindo nos ajustes e refinamentos finais. Sua participação seria devida à grande experiência das forças especiais britânicas em guerra urbana e operações de vigilância e ataque a prédios fortificados. Até 2011, o SAS e o SBS haviam realizado mais de dois mil ataques à fortalezas da Al Qaeda e do Taliban no Iraque e no Afeganistão, muitos em estreita cooperação com as tropas americanas.

Na madrugada de 2 de maio de 2011, a operação foi desencadeada. Foram empregados dois helicópteros Silent Hawk MH-X (os já mencionados Black Hawk modificados) e dois Chinook MH-47. As equipes que realizariam o ataque eram compostas por 23 SEALs (mais reservas nos Chinook), um tradutor que falava línguas paquistanesas e Cairo, um cão pastor Malinois, que seria empregado no caso de enfrentarem dificuldades para encontrar Bin Laden dentro da casa.

O plano era simples: partindo de Jalalabad, no Afeganistão, os dois Silent Hawks com as equipes principais seguiriam diretamente a Abbottabad, a cerca de 250 km de distância. Seriam seguidos, 45 minutos depois, por dois MH-47 Chinook com equipes e combustível de reserva. Os MH-X não tinham autonomia para ir e voltar, portanto estabeleceram um FARP (Forward Air Refueling Point, Ponto de Reabastecimento Aéreo Avançado) cerca de 48 km ao norte de Abbottabad. Os Chinook permaneceriam no FARP em prontidão para a operação de reabastecimento e para qualquer eventualidade. Ao fim da missão no complexo, os Silent Hawks seguiriam ao FARP, reabasteceriam e de lá todas as aeronaves retornariam a Jalalabad.

De acordo com o plano, o Hawk-1 iria pairar sobre o quintal e os doze SEALs desceriam através de cordas. O Hawk-2 voaria para o canto nordeste do complexo e deixaria o tradutor, o cão Cairo e quatro SEALs, que controlariam o perímetro do edifício. A seguir, iria pairar sobre a casa e o líder da equipe e os seis SEALs restantes desceriam no telhado. A função do tradutor era manter vizinhos curiosos à distância – ele agia como se fosse um policial paquistanês à paisana. Se necessário, os quatro SEALs e o cão podiam ajudar de forma mais incisiva. Se fosse difícil encontrar Bin Laden, o cão seria enviado para dentro da casa em busca de paredes falsas ou portas ocultas.

A operação prosseguiu, e a velha máxima de que o planejamento dura até o início do combate se fez presente[3]: ao chegar, o Hawk-1 teve problemas de sustentação e caiu dentro do complexo. Com isso o Hawk-2, ao invés de deixar os SEALs no telhado da casa, pousou do outro lado da rua.


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FIGURA 04: infográfico do complexo de Bin Laden com o ponto aproximado do acidente com o helicóptero (Fonte: adaptação com imagem da CIA).

Nos EUA, além de Barak Obama, a operação foi monitorada pelo vice-presidente, Joe Biden, pelo Secretário de Defesa, Robert Gates, pela Secretária de Estado, Hillary Clinton e por Leon Panetta, além de diversos funcionários do governo. Eles teriam assistido à operação real-time pelo feed de vídeo transmitido por um UAV. Ao contrário do que é mostrado em alguns filmes e relatos, os SEALs não estariam usando câmeras de capacete.

Em uma linha segura de teleconferência de vídeo, Panetta teria perguntado a McRaven “que diabos está acontecendo?”, ao que o almirante teria respondido friamente que ninguém estava ferido, que a missão seria cumprida e que ele estava enviando um helicóptero de reserva conforme planejado.

De qualquer forma, o restante do planejamento foi mantido. O plano backup funcionou e o Chinook-1 chegou dez minutos depois do acidente. Os SEALs invadiram a casa, e além de Bin Laden, mataram Khalid (seu filho), Abu Ahmed e Abrar al-Kuwaiti (os irmãos mensageiros) e Bushra (esposa de Abrar). Além disso, apreenderam computadores, câmeras, CDs, DVDs e pen-drives.


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FIGURA 05: presidente Obama e sua equipe de segurança nacional na Sala de Situação da Casa Branca. Sentados, da esquerda para a direita: vice-presidente dos EUA Joe Biden, presidente Obama, brigadeiro-general Marshall B. “Brad” Webb (USAF), assistente de comando geral do Comando Conjunto de Operações Especiais; Denis McDonough, conselheiro adjunto de segurança nacional; Hillary Clinton, secretária de estado e Robert Gates, secretário de defesa. Em pé, da esquerda para a direita: almirante Mike Mullen (USN), presidente do Estado-Maior Conjunto; Tom Donilon, conselheiro de segurança nacional; Bill Daley, chefe de gabinete; Tony Blinken, conselheiro de segurança nacional do vice-presidente; Audrey Tomason, diretora de contraterrorismo; John Brennan, assistente do presidente para segurança interna e contraterrorismo; James Clapper, diretor de inteligência nacional. Um documento classificado em frente de Hillary Clinton foi embaçado pela Casa Branca (Foto: Pete Souza, fotógrafo oficial da Casa Branca/Wikimedia Commons).

Finda a atividade na fortaleza, as equipes passaram a embarcar o pessoal e as apreensões. Enquanto isso, os operadores de minigun do Chinook-1 vigiavam a área. Vizinhos curiosos começavam a se aglomerar ao redor do complexo; eram contidos pelo tradutor e pelos SEALs que vigiavam o perímetro, mas mesmo assim a situação era tensa. Não era um ambiente “normal”: não estavam em guerra com o Paquistão, e não havia ali inimigos além de Bin Laden. Se alguém atirasse neles, mesmo devolver o fogo seria complicado. Aqui, as regras de engajamento eram bem diferentes do que no Afeganistão.

A operação no complexo, da chegada à partida, durou cerca de 38 minutos. A viagem de volta a Jalalabad levaria por volta de noventa minutos; um pouco mais para o MH-X que rumou para o FARP.


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FIGURA 06: infográfico da infiltração dos helicópteros em Abbottabad.

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FIGURA 07: infográfico da exfiltração dos helicópteros de Abbottabad, de volta a Jalalabad.

Segundo o relato de Doug Englen, o piloto do Chinook-1, no caminho de volta ele engajado três vezes por um F-16 paquistanês; ele diz que essa possibilidade havia sido prevista e embora ele não seja claro quanto aos detalhes, ficou implícito que ele se evadiu do caça por meio de recursos EW (Electronic Warfare, Guerra Eletrônica).

De volta a Jalalabad, a equipe e o saco contendo o corpo de Bin Laden voaram num Hercules C-130 para a Base Aérea de Bagram, no Afeganistão, onde ele foi pesado, fotografado e um médico coletou material para exames de DNA. De Bagram, um V-22 Osprey dos marines o levou ao USS Carl Vinson. Após receber os ritos muçulmanos, Osama Bin Laden foi sepultado no Mar Arábico.

Hipóteses e meios empregados

Não há detalhes oficiais disponíveis sobre todos os recursos empregados nessa operação, mas considerando sua importância para os EUA, podem ser feitas diversas suposições.

Algumas perguntas nunca foram oficialmente respondidas: como os helicópteros conseguiram evadir a rede de defesa aérea paquistanesa? Como eles enganaram os radares? A furtividade de helicópteros é muito menor do que a de um avião. Portanto, que meios foram empregados para superar isso? Eles provavelmente voaram a uma altitude muito baixa para evitar radares, mas será que confiaram inteiramente nisso?

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Uma hipótese é que os americanos teriam trabalhado com apoio do Paquistão, total ou parcial. Nessa suposição, as equipes teriam tido certo grau de liberdade para operar. É muito possível que a inteligência do Paquistão soubesse da presença de Bin Laden em Abbottabad, e suspeitava-se mesmo que ele contava com algum grau de apoio do governo paquistanês. Conforme alguns relatos, o presidente Barak Obama havia optado por não trabalhar com os paquistaneses e nem sequer informa-los, temendo que Bin Laden fosse alertado e escapasse.

Se os EUA não tiveram apoio paquistanês, é difícil crer que a operação fosse tão simples quanto apenas dois helicópteros carregados de SEALs cruzando o território paquistanês em voo baixo sem nenhum outro tipo de apoio. Portanto, a próxima hipótese necessariamente passa pelo emprego de uma ampla rede de recursos de suporte à operação, desde jameamento de radares até aeronaves de prontidão para apoio às equipes em terra.

Partindo dessa premissa, não é incorreto supor que, além dos helicópteros, várias outras aeronaves podem ter atuado na operação. Com base nos prováveis requisitos para uma missão como essa e sabendo da tecnologia à disposição dos EUA, aeronaves com capacidade SIGINT (Signals Intelligence, atividade de coleta de inteligência através da interceptação de sinais de comunicação) e ELINT (Electronic Intelligence, inteligência eletrônica) podem ter sido empregadas. Possivelmente aeronaves de guerra eletrônica com capacidades de interferência (jamming) devem ter sido utilizadas.

Na época havia dois porta-aviões americanos no Mar Arábico: além do USS Carl Vinson (para onde o corpo de Bin Laden foi levado), que operava os EA-18G Growlers, havia também o USS Enterprise, operando os EA-6B Prowlers. Ambas as aeronaves possuem sistemas capazes de suprimir defesas aéreas. É possível que esses sistemas seriam capazes de provocar interferência mesmo sem necessariamente entrar no espaço aéreo paquistanês.


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Uma aeronave como o RC-135 pode ter atuado coletando dados em tempo real. Essa aeronave é capaz de realizar detecção, localização e identificação de sinais em todo o espectro eletromagnético.

Para todos os efeitos, os americanos lançaram um ataque a um alvo situado num estado soberano. Levando em conta que a força aérea paquistanesa opera em estado de prontidão permanente devido às tensões com a Índia, é de se supor que eles planejaram a possibilidade de ações defensivas paquistanesas contra os helicópteros. Não parece crível que os EUA lançassem uma operação desse porte contra seu “inimigo número um” arriscando perder a missão pela eventualidade de uma ação defensiva paquistanesa contra dois helicóptero isolados. Portanto, é plausível inferir que aeronaves de reconhecimento e alerta antecipado podem ter operado e jatos de combate estariam de prontidão para uma possível eventualidade. Lembremos dos dois porta-aviões operando na região.

Há relatos de que os americanos teriam bloqueado as comunicações na área alvo antes do ataque, derrubando sistemas eletrônicos e telefones celulares. Essa missão poderia ser realizada por um EA-6B Prowler. Na falta de evidências em contrário, essa hipótese é plausível e não pode ser totalmente descartada.

A operação foi transmitida real-time à Casa Branca e à sede da CIA. Assim, um UAV RQ-170 Sentinel com capacidade de transmissão de vídeo deve ter sido empregado. Com todos esses recursos aéreos operando, pode-se supor a necessidade de implementar um sistema de gerenciamento de espaço aéreo, links de dados e comunicação segura entre as forças em terra, navais e aeronaves. O E-2C Hawkeye, que opera a partir dos porta-aviões, poderia ser uma opção. Outra hipótese seria o E-6 Mercury, que atua como um posto de comando aéreo e sistema de retransmissão de comunicações. Essa aeronave, derivada do Boeing 707-320, poderia operar a partir de uma das diversas bases aéreas usadas pelos americanos na região.

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Numa operação dessa magnitude contra seu maior inimigo até então, é plausível esperar que os americanos tivessem à mão um plano “B” ou até mesmo “C”; portanto, uma quantidade significativa de recursos deve ter sido mantida de prontidão para eventuais falhas ou mudanças de planos de última hora.

O “MH-X Silent Hawk”

O acidente com o primeiro helicóptero, cuja destruição pelos SEALs acabou deixando a cauda intacta do lado de fora do complexo, expôs o emprego de uma versão stealth do Black Hawk, chamada por alguns de “Silent Hawk” ou MH-X. De fato, se não fosse por esse acidente, essa aeronave provavelmente não seria conhecida até hoje.

Novamente, não há informações oficiais sobre seu desenvolvimento, mas muito já se escreveu e especulou sobre a mesma. De acordo com o livro Relentless Strike: The Secret History of Joint Special Operations Command, essa aeronave era parte um extinto programa experimental que teria sido revigorado após seu emprego na Operação Lança de Netuno. De acordo o livro, o projeto tinha dois objetivos: remodelar o helicóptero e cobri-lo com material absorvente de radar (RAM) para diminuir sua assinatura de radar e torna-lo mais silencioso. Em meados da década 2000 os Night Stalkers teriam enviando duas equipes para treinar nos protótipos dos helicópteros.


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FIGURA 08: concepção artística do MH-X “Silent Hawk”, versão stealth do helicóptero Black Hawk (Imagem: Aviationgraphic.com).

De acordo com o livro, os Black Hawk furtivos tinham desempenho questionável, com o peso resultante das modificações de furtividade tornando-os difíceis de controlar sob certas situações, especialmente ao pairar. No livro, Naylor afirma que essas aeronaves não eram a escolha dos SEALs e que eles teriam sido “forçados” a utiliza-las. Os SEALs prefeririam usar os Chinook MH-47, que o 160º SOAR conhece tão bem. Ele afirma que eles testaram os Chinook contra radares da Área 51 que emulavam os modelos usados ​​pelo sistema de defesa aérea paquistanês e os resultados mostraram que eles teriam boas chances de sucesso usando técnicas de infiltração, como o voo nap-of-the-earth (técnica de voo a muito baixa altitude para evitar radares inimigos). Mesmo assim, seu pedido foi negado pela CIA e pelo próprio almirante McRaven.

Aparentemente a Casa Branca teria “comprado” a ideia de que o Silent Hawk, invisível ao radar, seria o meio ideal para uma infiltração furtiva no Paquistão. A insistência no uso de um helicóptero stealth pode ser mais um indicativo de que os EUA não tinham apoio do Paquistão. Também poderia explicar a narrativa de que próprio presidente Barak Obama teria feito sugestões durante o planejamento e pedido a inclusão de aeronaves como backup para o caso de um acidente com um dos Silent Hawk. Seria por saber que eram aeronaves instáveis?

Razões para a queda

Como na maior parte dos acidentes aeronáuticos, o mais provável é que a queda do Silent Hawk tenha ocorrido não por um, mas por uma conjunção de fatores.


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FIGURA 09: restos do “Silent Hawk” no lado externo do muro da fortaleza (Foto: The Drive/The War Zone).

Uma hipótese muito considerada é que, no momento do acidente, a aeronave estava ao lado do muro do complexo, o que causaria a recirculação do ar movimentado pelas pás dos rotores, provocando um “vórtice” que reduziu a sua sustentação. O treinamento foi realizado numa instalação que tinha cercas de arame ao invés do muro de alvenaria do complexo real; o ar circula livremente através do arame, o que não ocorre com uma parede. Assim, é possível que por essa razão o fenômeno não tenha sido previsto.

No relato de Doug Englen, o piloto de Chinook que planejou a missão aérea, o helicóptero acidentado estaria transportando uma pessoa adicional e teria mais combustível do que o planejado, portanto com um peso maior do que o previsto. Esse seria outro fator.

Uma terceira condição seria que, conforme foi mencionado, as alterações que visavam furtividade tornaram a aeronave difícil de controlar em determinadas situações, especialmente ao pairar, que era exatamente a situação da aeronave no momento do acidente.

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O fato de os Silent Hawks não terem sido totalmente testados em combate e ainda serem aeronaves quase experimentais parece ter sido encarado como apenas mais um risco a ser considerado no planejamento.

Notas

[1] A Batalha de Tora Bora ocorreu de 6 a 17 de dezembro de 2001 no complexo de cavernas de Tora Bora, nas Montanhas Brancas, perto do Passo Khyber, no leste do Afeganistão. Foi uma operação lançada pelos EUA para capturar ou matar Osama Bin Laden, que nessa ocasião conseguiu escapar.

[2] O Dr. Shakil Afridi foi preso por autoridades paquistanesas 20 dias após a morte de Bin Laden. Ele segue na prisão e trava uma batalha judicial para livrar-se de suas acusações. Muitos no Paquistão o consideram um traidor.

[3] Na opinião deste autor, essa máxima só reforça a necessidade de refinar ao máximo qualquer planejamento e procurar antecipar todas as possibilidades. Nesta situação específica, o backup funcionou conforme previsto e a operação transcorreu sem mais percalços (conhecidos).

Referências

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*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing, é fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra, onde, entre outras atividades, mantém uma resenha semanal de filmes e documentários militares. Entre suas atividades, já proferiu palestras para os cadetes da Academia da Força Aérea. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.


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10 comentários

  1. Dá-lhe história. Bom relato para uma missão envolta em muito mistério e sombras por enquanto. Parabéns ao autor.

    1. Obrigado José. Aos poucos alguns detalhes aparecem, mas creio que ainda vá demorar bastante para que tudo seja esclarecido. Obrigado por comentar, um abraço!

    1. Penso que talvez levasse mais tempo, mas acredito que mais cedo ou mais tarde ele seria encontrado onde quer que fosse. Era ponto de honra para os EUA. Um abraço!

  2. Belo artigo.
    A ilustração inicial, do Johnny Shumate, é do livro Killing Bin Laden: Operation Neptune Spear 2011, o número 45 da série Raid da Osprey Publishing. Não é a única ilustração, e o volume ainda conta com mapas. A qualidade da série é ótima.

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