O Brexit e a segurança da Europa

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Por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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Imagem: Vladimir Gjorgiev/Shutterstock.

A novela do BREXIT finalmente chegou ao seu final. Desde o dia 31 de janeiro, o Reino Unido não faz mais parte da União Europeia. A separação, em princípio, não traria maiores implicações para a segurança do continente. Porém, creio que o BREXIT é mais um fato que se soma ao crescente protagonismo russo, às ameaças terroristas, à crise migratória, à ascensão chinesa e à atual política externa dos EUA, conformando uma nova realidade para a segurança daquela região.

A arquitetura da segurança europeia baseia-se na Organização para o Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O coração do tratado é o seu Art. 5º: “Um ataque armado contra um ou mais países membros será considerado uma agressão contra todos”. Para os países europeus, desde a criação da Aliança, em 1949, a presença dos EUA serve como um seguro valioso. Afinal, é bastante reconfortante saber que uma agressão ao seu território equivale a uma agressão ao território norte-americano e, em razão disto, ensejará uma reação da maior potência militar do planeta.

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Essa situação confortável, aliada ao fim da guerra fria e à sensação de que as ameaças à Europa estavam bastante minimizadas, levou muitos países europeus a diminuírem seus investimentos de defesa. A Alemanha, por exemplo, desde 1998 não gasta 2% do PIB com defesa. O mesmo ocorre com Itália, Espanha e outros dezessete (de um total de 29) países da Aliança.

Entretanto, a realidade atual é bastante diferente daquela do pós-guerra, que motivou a criação da Aliança, ou mesmo do “pós-guerra fria”, até a primeira década do século 21, antes das ações militares russas na Geórgia e na Ucrânia, com a anexação da Criméia, ou do crescimento exponencial da importância da Ásia na geopolítica mundial, ou da postura mais isolacionista do America First, adotada pelo Presidente Donald Trump.

Uma série de acontecimentos alertam os estrategistas e líderes europeus, a ponto de o Presidente francês ter declarado que a Aliança vivia uma “morte cerebral”. Em primeiro lugar, o crescimento de forças centrífugas na Europa, a exemplo do BREXIT, dificultando a definição de objetivos, ações, estratégias e políticas comuns e em proveito de todo o continente. Em segundo lugar, o crescimento do protagonismo russo, demonstrado pela crescente desenvoltura em atuar, inclusive militarmente, de acordo com os seus interesses, no leste europeu, no norte da África e no Oriente Médio.

Acrescente-se em terceiro lugar a desconfiança em relação à postura dos EUA, que age cada vez mais unilateralmente, como quando denunciou o tratado nuclear com o Irã, à revelia de França, Alemanha e Reino Unido, ou quando o país abandonou o tratado firmado com a Rússia, para eliminação de mísseis nucleares de curto e médio alcance, o que levou os russos a também denunciarem o acordo.

Este fato é especialmente desfavorável aos europeus, que se veem repentinamente obrigados a encarar a realidade de que a vizinha Rússia está novamente à vontade para produzir mísseis nucleares que alcancem a Europa ocidental. Uma quarta razão para o desconforto europeu é a pressão exercida pelos EUA para que os demais países da OTAN aumentem seus gastos em defesa, deixando implícita a mensagem de que eles devem caminhar com suas próprias pernas, dependendo menos dos norte-americanos.

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Os EUA, percebendo a desconfiança aliada, agem por intermédio de seu estamento militar procurando reafirmar seu compromisso com os europeus. O país executa, a partir deste mês e até julho, o maior exercício de desdobramento de tropas em continente europeu, partindo dos EUA, dos últimos 25 anos. O terceiro maior em toda a história. É o “Defender Europe”. Cerca de vinte mil homens e equipamentos cruzarão o Atlântico para participar das manobras. Outros dezessete países europeus participarão do exercício, inclusive o Reino Unido, que enviará cerca de 2,5 mil homens. A presença britânica, com um efetivo significativo, também deve ser lida como uma mensagem de manutenção do compromisso do país com a OTAN, apesar da separação da União Europeia.

Governos tendem a se preocupar com defesa somente quando impelidos pela necessidade. Especialmente em sociedades democráticas, que tendem a priorizar necessidades mais prementes do que manter dispendiosas forças armadas. Ocorre que capacidades militares, quando perdidas, levam muito tempo para serem restabelecidas. Os europeus terão que decidir, em breve, se continuarão a basear grande parte de sua segurança nas capacidades militares norte-americanas, ou se partirão para o desenho de um modelo mais genuinamente europeu.

E, se for essa a escolha, caberá ainda mais um enorme desafio. A segurança será baseada em um “exército da comunidade europeia”, de uma Europa politicamente integrada de fato, ou o BREXIT indicará o início de uma tendência centrífuga de retorno à valorização das soberanias nacionais, onde cada Estado volte a gerar suas próprias capacidades de defesa? A resposta virá, inevitavelmente, nos próximos anos.

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*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro. Foi declarado aspirante a oficial pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1990. É especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina;  possui mestrados em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China. Foi instrutor da AMAN, da EsAO e da ECEME. Comandou o 11º RC Mec sediado em Ponta Porã/MS. É autor de diversos artigos sobre defesa e geopolítica e atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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4 comentários

  1. No penúltimo parágrafo, o Cel. expõe um fato que ocorre também conosco no Brasil, pois temos várias necessidades urgentes e a Defesa está ficando cada vez mais de lado. Vejam o projeto do Gripen que foi adiado pelo Governo Lula em detrimento do Programa Fome Zero.

  2. Nações europeias, sejam em seus âmbitos nacionais, seja sob a chancela da UE, terão de tomar as rédeas de suas políticas de defesa. Seja pelo crescimento chinês, seja pelo avanço russo, seja pela mudança de foco norteamericana. Forte abraço!

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