Guerra Química e Biológica

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Icone-Logo-Menelau.png Por Reis Friede*

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Imagem: Wikimedia Commons, Andux, Vardion, e Simon Eugster (CC BY-SA 3.0).

Artigo do desembargador Reis Friede traz esclarecimento a respeito de guerra química e biológica, resgatando aspectos históricos e trazendo alguns conceitos sobre o assunto.


As armas químicas, mais do que propriamente as armas biológicas, foram utilizadas, em larga escala, pela primeira vez, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), mais precisamente em abril de 1915, quando a Alemanha introduziu, no campo de batalha, o gás cloro para atacar tropas francesas em Ypres, na Bélgica.

“Em uma guerra de trincheiras é muito difícil matar pessoas com bombas e balas; o gás entrava e pegava os soldados sem proteção; são armas muito eficazes (…)” (HAMISH DE BRETTON-GORDON, ex-especialista em armas químicas do exército britânico, O Globo, 11/11/2018, p. 45)

Não obstante o número de mortes por armas químicas ter sido relativamente baixo, – algo em torno de 90 mil pessoas, ou cerca de 0,5% do total de aproximadamente 17 milhões de vítimas entre militares e civis –, o quantitativo de vítimas feridas pelo uso de armas químicas (particularmente através da cegueira total ou parcial) chegou ao impressionante número de aproximadamente 1,3 milhão de pessoas, algo que a tornou uma arma de grande efeito psicológico, a exemplo das bombas voadoras V-1 e dos mísseis balísticos V-2 na Segunda Guerra Mundial, as quais vitimaram um número também relativamente muito reduzido de pessoas em Londres, notadamente civis.

“Os principais efeitos das armas químicas são psicológicos; as pessoas sentem que não há nada que possa ser feito para se proteger. É possível se esconder de bombas ou de balas mas não do gás que se espalha em porões ou trincheiras. É um modo horrendo de morrer; você sufoca como se afogasse. Se não estiver de máscara, não há simplesmente o que fazer.” (HAMISH DE BRETTON-GORDON, ex-especialista em armas químicas do exército britânico, O Globo, 11/11/2018, p. 45)

Ainda assim, não há qualquer dúvida de que a devastação e o trauma provocados pelas armas químicas, em seu primeiro uso, em magnitude industrial, durante a Primeira Guerra Mundial, foram de tamanha intensidade que seu emprego no campo de batalha passou a ser universalmente condenado sob as óticas moral, ética e legal.

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Nessa linha de raciocínio, em 17 de junho de 1925 foi assinado o Protocolo de Genebra que, vigente a partir de 8 de fevereiro de 1928, proibiu expressamente o uso de gases asfixiantes e venenosos em conflitos armados, e mesmo, posteriormente, acordos tácitos ou implícitos impediram o seu uso durante a Segunda Guerra Mundial, entre as principais potências beligerantes, não obstante o fato de a Alemanha se constituir na maior potência industrial química à época e ter sido derrotada, em ambas as frentes, com violência destrutiva sem precedentes.

Curiosamente, a liderança alemã descartou (por completo) a utilização de tais armas, especialmente o gás sarin (que possui ação sobre o sistema nervoso, – e, portanto, não se encontrava formalmente proibido pelo Acordo de Genebra, restrito a agentes asfixiantes e venenosos –, e é altamente letal, sendo quinhentas vezes mais potente do que o cianeto), na ofensiva Leste, contra os soviéticos, não obstante todas as barbáries cometidas particularmente nesta frente de batalha, por força de uma concepção germânica (vigente naquela oportunidade) de que se estaria lutando contra “raças inferiores”.

Porém, o mesmo raciocínio não impediu o uso, pelo Reino Unido, contra a população de algumas de suas colônias, habitadas por povos supostamente inferiores.

“Sou a favor do uso de gás tóxico contra tribos incivilizadas.” (WINSTON CHURCHILL apud WARREN DOCKTER; Churchill and the Islamic World: Orientalism, Empire and Diplomacy in the Middle East, Londres, I. B. Tauris & Co Ltd., 2015)

Mais tarde, muitos outros países utilizaram, em guerras localizadas, armas químicas (e também biológicas) em larga escala, sobretudo na repressão de parte da população dissidente no âmbito de suas fronteiras nacionais e regionais (tal como a repressão perpetrada por SADDAM HUSSEIN contra os curdos, em várias ocasiões, dentro de suas fronteiras), ou no contexto do próprio conflito em relação ao Irã durante a década de 1980, sendo certo que a última utilização, amplamente noticiada, ocorreu através do emprego do gás cloro e do gás sarin, no âmbito da guerra civil síria, por parte de BASHAR AL-ASSAD, e pela própria Rússia, ainda que esta, em um sentido mais pontual, o tenha feito contra indivíduos, como no caso da tentativa de assassinato do espião SERGEI SKRIPAL e de sua filha YULIA, por meio da utilização do agente químico novichok, considerado como integrante da classe dos agentes nervosos, desenvolvidos pela antiga União Soviética, e atualmente considerado a mais potente arma química já produzida.

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Algumas medidas simples de proteção empregadas durante a Primeira Guerra Mundial, como, por exemplo, filtrar a respiração através de um tecido embebido em urina, provou, todavia, a baixa eficiência do gás cloro (um gás de fácil produção e extremamente barato que ataca principalmente os pulmões, queimando-os), incentivando os franceses a, no final de 1915, desenvolverem o fosgênio (um gás incolor, inodoro e altamente tóxico que conduz à asfixia e que foi produzido por ambas agremiações em conflito e responsável por 85% das mortes na Primeira Guerra Mundial), e a Alemanha, em 1917, a produzir o gás mostarda, que apesar de sua baixa letalidade, tinha a importante capacidade de cegar as tropas adversárias, retirando-as da frente de combate.

Não obstante a ampla utilização do agente laranja pelos EUA durante a Guerra do Vietnã (1964-75), – por se tratar de um desfolhante, não usado diretamente contra as tropas no teatro de operações –, tal substância não foi considerada propriamente uma arma química pela Convenção de 1993, considerado o texto normativo mais abrangente quanto ao controle sobre a produção e o armazenamento de tais armas (classificando-as em quatro diferentes categorias: agentes asfixiantes, como o gás cloro; agentes vesicantes, que produzem danos na pele e mucosas, como o gás mostarda; agentes nervosos, como o gás sarin; e os agentes sanguíneos, como o cianeto de hidrogênio) e que foi assinada por 193 nações, com exceção da Coreia do Norte, Egito, Israel e Sudão do Sul.

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*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Pode ser contactado através do e-mail: reisfriede@hotmail.com.


 

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2 comentários

  1. Muito interessante o fato do “agente laranja” não ser considerado uma arma química, mesmo tendo sido usado em combate, a fim de reduzir a vantagem dos combatentes locais, protegidos pela densa vegetação. Forte abraço!

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