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Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho *

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“A guerra não é meramente um ato de política, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações realizadas com outros meios.”

Clausewitz


Nós nem bem tínhamos terminado de desejar aos amigos um feliz 2020 quando, no 3º dia do ano, tomamosmos conhecimento da ação militar dos EUA no Iraque, que causou a morte do General Qassem Suleimani, poderoso comandante da Guarda Revolucionária Iraniana. Parecia um mau presságio. O ano mal tinha começado e o mundo já estava por acabar, afinal, a 3ª Guerra Mundial deveria por começar …

O futuro é, por definição, imprevisível. Mas a história das relações internacionais já nos ofereceu um enorme número de crises que, mal ou bem solucionadas, indicam que vamos sobreviver também a essa.

A ação militar norte-americana, na qual uma aeronave remotamente pilotada lançou mísseis sobre o comboio de viaturas onde estava o General Suleimani é o ponto até aqui culminante de uma série de acontecimentos na longa crise que caracteriza as relações entre o Irã e os EUA, desde a revolução islâmica que levou os aiatolás xiitas ao poder, em 1979.

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O capítulo mais recente dessa crise foi iniciado em maio de 2018, quando os EUA se retiraram do acordo nuclear assinado em 2015, entre os dois países, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha. Esse acordo relaxava as sanções econômicas impostas ao Irã em troca do compromisso do país de não desenvolver armamentos nucleares. A saída dos EUA do acordo redundou na imposição de uma nova série de sanções econômicas ao Irã, além da classificação, pelos norte-americanos, da Guarda Revolucionária Islâmica, a força militar que era comandada pelo General Suleimani, como uma “Organização Terrorista Internacional”.

Os embargos afetaram seriamente a economia do Irã e o país resolveu, em 2019, adotar uma estratégia de escalada das tensões. Foi assim que, em maio daquele ano, além de anunciar que retornaria a enriquecer urânio acima dos níveis permitidos pelo tratado de 2015, o Irã implementou – ou patrocinou – uma série de ações ofensivas: navios petroleiros em trânsito pelo estreito de Ormuz foram sabotados, drones foram lançados contra oleodutos e instalações petrolíferas sauditas e, em 20 de junho, uma aeronave remotamente pilotada norte-americana foi abatida. As tensões entre os dois países se elevaram, mas os EUA evitaram uma retaliação militar.

Em julho, o Irã apreendeu um petroleiro do Reino Unido, enquanto passava pelo Estreito de Ormuz. Em setembro, novamente drones atingiram instalações petrolíferas sauditas, dessa vez com grande impacto sobre a produção de petróleo do país. Ao mesmo tempo, ao longo de todo o ano de 2019, os EUA foram impondo ainda mais sanções sobre atividades econômicas específicas e também sobre pessoas físicas, no caso, os principais líderes iranianos e seus familiares.

Finalmente, no mês de dezembro, ocorrem os fatos que seriam o estopim dos últimos acontecimentos. No dia 27, uma ação do grupo terrorista Kataib Hezbollah contra uma base militar iraquiana em Kirkuk, resultou na morte de um cidadão americano, além de ferir militares e civis iraquianos. Os EUA acusaram o Irã de apoiar os terroristas. Em retaliação, os EUA atacaram posições do grupo no próprio Iraque e na Síria. Cerca de 25 terroristas foram mortos e algumas dezenas, feridos.

Em 31 de dezembro a embaixada dos EUA em Bagdá foi atacada e invadida por grupos paramilitares iraquianos pró-Irã. No dia 3, os EUA desencadearam o ataque que matou o General Suleimani.

A descrição da série de acontecimentos acima serve para tentarmos desenhar a manobra de crise visualizada por cada uma das partes em conflito.

De um lado os EUA, ao impor os embargos, tenta, em primeiro lugar dobrar o regime iraniano, obrigando-o a aceitar termos mais duros do que aqueles que eram previstos no acordo assinado em 2015, considerados insuficientes pelo governo Trump para manter a estabilidade regional. Em segundo lugar, pela pressão econômica, busca enfraquecer um governo que é francamente contrário aos seus interesses no Oriente Médio, rival de árabes e israelenses, e que busca se impor como uma potência regional. Ao eliminar o General Suleimani, os EUA demonstram claramente o limite para as ações iranianas: a morte de norte-americanos, ou o ataque a instalações do país, terá como resposta uma ação militar.

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De outro lado, os iranianos mostram que podem, por si próprios ou por intermédio de grupos que agem “por procuração”, causar grandes transtornos econômicos, especialmente por ações no Golfo Pérsico, no Estreito de Ormuz e no Golfo de Omã, por onde transita grande parte do petróleo mundial. Ou mesmo em ataques à Arábia Saudita, aos países do Golfo Pérsico ou a Israel. Assim esperam convencer a comunidade internacional a pressionar os EUA a abrandarem os embargos comerciais, ao mesmo tempo em que ampliam sua influência no Oriente Médio.

Volto à citação de Clausewitz. A guerra só é travada quando um governo se convence de que ela é um meio eficaz para que se alcance algum objetivo político. E, embora a história mostre casos em que guerras se iniciaram quase por acaso, não creio que, nem EUA, nem Irã, tenham algum objetivo político importante a ser conquistado por intermédio de um conflito de alta intensidade, ainda mais levando-se em consideração as graves consequências que, certamente, sofreriam suas populações e governos. Já ações pontuais e restritas, como as que vêm sendo desencadeadas até aqui, atenderiam cada uma das partes na busca de seus objetivos estratégicos.

Assim, não creio que haverá mudança significativa no panorama da crise. O Irã deverá retaliar, vingando a morte de seu general, com alguma ação semelhante às até aqui praticadas. Os EUA também deverão manter sua estratégia, acreditando que as sanções econômicas e a ameaça do emprego da força impedirão o Irã de prejudicar seus interesses na região.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. Mestre em Ciências Militares pela ECEME, foi instrutor da AMAN, EsAO e na própria ECEME. Realizou o Curso de Estudos de Defesa e Estratégia na Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China, entre 2015 e 2016. Comandou o 11º RC Mec. Atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres. Gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA).

E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.


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10 comentários

  1. ??

    O articulista deste blog, o Albert, é fantástico, escreve extremamente bem, está sempre alinhado com uma forma de jornalismo em propagar a informação verdadeira, e apenas tece análises sobre o que ocorre, mantendo uma linha distinta de artigos e informações de factoides. É um trabalho honesto e digno de aplausos.

  2. Mais um grande artigo trazido pelo VG, dando voz a quem realmente entende do assunto. Não há 3ª GM em pauta para os EEUU, nem para os demais países da região, mas interesses nacionais e transnacionais em jogo. Forte abraço!

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