O Afundamento do HMS Sheffield

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Por Albert Caballé Marimón*

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Super Étendard argentinos disparam os mísseis Exocet em 4 de maio de 1982 (Ilustração de Daniel Bechennec)

SGAM-Logo.pngQuando a força-tarefa britânica entrou na Zona de Exclusão em 1º de maio, os três destroieres Type 42 – Sheffield, Coventry e Glasgow – estavam na vanguarda da frota realizando o serviço de piquete de radar. Os Type 42 eram os olhos e ouvidos da força-tarefa, a camada externa da “casca de cebola” da defesa aérea que protegia os porta-aviões. Era uma tarefa importantíssima – além de muito solitária e perigosa.

Os britânicos sabiam que os argentinos dispunham de mísseis Exocet e que poderiam ser lançados dos Super Étendard. Devido ao embargo de armas da Comunidade Europeia, os franceses encerraram o suporte técnico e havia dúvidas se os mísseis estariam integrados aos caças; ainda assim, esperava-se que os argentinos tentariam usá-los. O afundamento do ARA General Belgrano pelo submarino britânico HMS Conqueror, em 2 de maio de 1982, tornou essa suspeita mais aguda.

A perda do Belgrano fez com que o clima entre os militares argentinos fosse considerado “incandescente”; já na força-tarefa britânica, esperava-se uma retaliação com mísseis Exocet ou uma grande onda de ataque empregando um “enxame” de caças A-4 Skyhawk. Dois dias depois, o 4 de maio acabou ficando na memória de ambos os países: uma data memorável para os argentinos, e um dia negro para os britânicos.

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Antes do amanhecer desse dia, como preparação para o envio de três C-130 Hercules da Força Aérea Argentina que levariam suprimentos a Stanley, foi solicitada uma varredura de superfície por uma aeronave de patrulha marítima Lockheed SP-2H Neptune. Pilotado pelo capitán de corbeta Ernesto Proni Leston, o Neptune decolou da Base Aeronaval de Río Grande para procurar por navios britânicos que pudessem ameaçar a missão dos Hercules.

Duas horas depois, o Neptune detectou um contato a aproximadamente 53° 04’S, 58° 01’W, identificado como um “radar de busca de alerta antecipado” emitido por um destroier Type 42. Depois de avaliar as informações e pressentir que aquele poderia ser o prenuncio de um objetivo maior, o Comando de Aviación Naval autorizou a decolagem de dois Super Étendard. O voo dos Hércules foi cancelado.

Leston obteve mais dois contatos às 08h43 e 09h14 (horário local). Pouco tempo depois, ele recebeu ordens de manter-se fora da área até pelo menos 10h00. Suspeitando que seria a preparação de um ataque com mísseis Exocet, o piloto do Neptune seguiu ao ponto de referência do Belgrano, simulando uma busca por sobreviventes.

O capitán de corbeta Augusto Bedacarratz e o teniente de fragata Armando Raul Mayora foram designados para a missão, tripulando, respectivamente, os Super Étendard 3-A-202 e 3-A-203. Enquanto isso, Leston voltava a identificar contatos de superfície e, às 09h14, relatou um contato na posição 52° 47’S, 59° 37’W. Meia hora depois, outros três contatos foram registrados em 52° 47’S, 57° 40’W.

Os pilotos conduziriam a missão em silêncio de rádio. Às 09h15, de posse das informações mais recentes, seguiram para as aeronaves. Sob a asa de estibordo de cada caça havia um Exocet AM-39.

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Decolaram às 09h44; às 10h04, reabasteceram num KC-130 Hercules; às 10h30, o Neptune localizou dois contatos, e às 10h33, outros três pontos apareceram na tela do radar e foram identificados como “dois navios de tamanho médio e um grande” a 52° 48’S, 57° 31’W. Às 10h35 essa informação foi enviada aos pilotos dos Super Étendard. Agora o Neptune desviou-se para realmente iniciar uma busca por sobreviventes. Era fundamental que os britânicos não suspeitassem que o Neptune estava envolvido na execução de um ataque.

À distância de 240 km dos alvos, o Super Étendard desceram abaixo da camada de nuvens. A visibilidade ao nível do mar era de uma milha, mas ao subirem a 520 pés para verificar o curso, não apenas se viram diante de um horizonte nublado como suas telas de radar também estavam vazias. Voltaram ao nível do mar e seguiram por mais 46 km; subiram novamente através das nuvens e os alvos surgiram nos radares. Retornaram então ao nível “ultrabaixo” e inseriram as coordenadas nos sistemas de armas.

Bedacarratz quebrou o silêncio de rádio: “Eu vou para o alvo maior, à direita”.

Quando estavam a aproximadamente 50 km, ambas as aeronaves subiram para 2.000 pés. Exatamente da forma como treinaram tantas vezes, ligaram os radares por três segundos, tempo suficiente para detectar um alvo, mas nada apareceu. Desceram abaixo de 100 pés e seguiram por mais 37 km; subiram novamente a 2.000 pés, e agora o radar do líder mostrou dois contatos, um grande e outro um pouco menor e mais distante. O radar de Mayora mostrava apenas o contato maior.

Nós dois faremos isso”, disse Bedacarratz. “Se for um dos porta-aviões teremos mais chances de nós dois acertarmos”.

Voltaram ao nível do mar e aceleraram a 500 nós até chegarem ao alcance do Exocet, mas ainda fora do alcance dos mísseis britânicos. A uma distância estimada de 37 km do alvo, Bedacarratz comandou o lançamento. Como seu ala estava escondido por uma nuvem, ele repetiu a ordem após lançar seu Exocet. Às 11h04, com intervalo de cinco segundos entre eles, os mísseis voavam paralelos em direção ao HMS Sheffield, roçando a superfície do oceano.


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Percurso dos Super Étendard no ataque ao HMS Sheffield em 4 de maio de 1982 (Adaptado do livro “Exocet Falklands: The Untold Story of Special Forces Operations”)

Os pilotos viraram para estibordo e tomaram o rumo de casa, onde aterrissaram às 12h15 e agradeceram à tripulação do Neptune. Os olhos do Super Étendard eram os Neptune, mas em 15 de maio, por falta de peças e por obsolescência do radar, eles seriam aposentados. A partir de então a Armada Argentina teria que confiar nos radares da Base Aeronaval de Río Grande e do aeroporto de Stanley.

Os caças não precisaram reabastecer-se no KC-130 que esperava, escoltado por dois IAI Dagger. Foi uma operação muito profissional e bem executada, mesmo com um Exocet tendo passado ao largo do Sheffield.

Os Super Étendard não foram detectados pela força-tarefa como seria esperado – supostamente os procedimentos anti-Exocet teriam sido executados assim que a assinatura de radar dos Super Étendard fosse detectada. Os mísseis, no entanto, foram vistos pelo Glasgow; mas o Sheffield estava silencioso e inativo. Segundo alguns relatos, ele estaria operando comunicações via satélite, o que tornaria seu radar Type 965 inoperante por um curto período de tempo. Ele permaneceu em silêncio até que uma mensagem curta e anônima foi ouvida no HMS Coventry: “Sheffield hit” (“Sheffield atingido”).

O HMS Arrow e o HMS Yarmouth foram enviados para investigar; mas quando o Lynx do Sheffield pousou inesperadamente no convés do Hermes, trazendo seu oficial de operações aéreas, ele confirmou que um míssil os atingiu.

Um dos Exocet chegou a ser visto por tripulantes do Sheffield, mas já tarde demais para qualquer reação. Cinco segundos depois, o míssil o atingiu à meia nau, 8 pés acima da linha da água, abrindo um rasgo de 4 por 10 pés. O capitão Sam Salt, seu comandante, deu ordens de abandonar o navio às 17h50.


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O HMS Sheffield arde em chamas depois de ser atingido pelo Exocet (Foto: Royal Navy)

Segundo relatos, quando Salt foi a bordo do HMS Hermes, foi recebido com frieza e praticamente deixado sozinho. Isso sugere que o sentimento geral era que ele fora pego de calças curtas.

O Sheffield foi rebocado pelo Yarmouth, mas poucos dias depois o tempo piorou e a água invadiu seu casco rompido. Tomou-se a decisão de afunda-lo, embora provavelmente o mar agitado o faria de qualquer forma. Ele foi ao fundo às 07h00 de 10 de maio, a aproximadamente mil braças, em 52° 11’S,W.

Foi a primeira perda britânica do conflito e o primeiro navio da Royal Navy perdido em combate desde a Segunda Guerra Mundial. Vinte homens foram mortos e vinte e seis ficaram feridos.

Em 2017, um relatório liberado pelo Ministério da Defesa britânico revelou os resultados de uma investigação conduzida após a guerra, com severas críticas ao equipamento, treinamento e aos procedimentos adotados pela tripulação. Há ainda controvérsias sobre se o míssil teria ou não explodido e se os incêndios teriam sido causados pelo combustível remanescente. Mas estas são histórias para outro artigo. O fato é que a operação argentina foi muito bem executada e a perda do Sheffield causou um choque de realidade a muitos que tinham a ilusão de que as Malvinas seriam uma guerra fácil.

Após a ação, tal foi sua importância que a Armada Argentina instituiu o 4 de maio como o Dia da Aviação Naval.

Referências


*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing, é fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.


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16 comentários

  1. Bom Dia mestre Albert, os pilotos de caça fizeram alguns milagres com o que eles tinham em mãos, por esse artigo muito detalhado que o Sr nós presenteou deu para perceber que foi uma operação executada no fino da arte da guerra, mesmo apenas um Exocet obtendo êxito, ontem andei dando uma olhada em algumas operações dos pilotos argentinos e fiquei impressionado, no mais a Semana da Guerra Aérea está excelente e muito detalhada, Parabéns!
    Abraço mestre Albert até o próximo artigo.

    1. Exatamente Manollo, essa guerra não foi o passeio britânico que muitos pensam, eles venceram mas o custo foi alto. Obrigado por nos acompanhar, forte abraço!

  2. Parabéns pelo trabalho.
    Albert muita coisa foi dita sobre as operações dos Bandeirulhas argentinos e uma delas é que pilotos brasileiros teriam operado essas aeronaves nas Malvinas.Isso é realmente real?

    Forte abraço

    1. Obrigado Vinicius! Sobre os Bandeirulha, sei que dois foram entregues à Argentina durante a guerra, inclusive porque eles aposentaram os Neptune em meados de maio; mas não encontrei nada consistente sobre o envolvimento de pilotos brasileiros. Grato por comentar, forte abraço!

  3. Espetacular! Ainda acho que se a Argentina não tivesse sofrido o embargo, a guerra seria vencida pelos hermanos. Agora, a logística feita pelos ingleses foi algo digno de uma mini Overlord!

    1. O máximo que os hermanos poderiam ter feito é, se não tivessem cometido um equívoco mais tolo que o outro numa situação dessas, seria fazer os ingleses perderem ainda mais coisas e vidas pra vencerem a guerra, mas sem chance, Argentina contra a Inglaterra, nunca que a notória idiotice do Galtieri e sua truppy de fanfarrões venceria os ingleses, já começa que o ditador tomou a decisão de invadir as ilhas, em conjunto com o almirante Jorge Anaya, completamente alcoolizado

    1. Boa noite, Excelente trabalho, como sempre, ao contrário do que muitos pensam, os britânicos tinham deficiências graves e caso os argentinos tivessem mais Exocet, a guerra teria tomado outros rumos, embora eu duvide que a Argentina por questões de política internacional, venceria a guerra.

      1. Sem dúvida um número maior de Exocet representariam uma ameaça maior, mas há todo um conjunto de fatores a avaliar. Muito obrigado pelo comentário. Forte abraço!

      2. Vencer como eles achavam que venceriam sem chance, agora com os tais do Exocet e sem o cometimento de equívocos cruciais na estratégia militar portenha, talvez eles causassem ainda mais estragos nos britânicos

  4. Parabéns pelo artigo Albert. Muito rico em informações. Nota-se a importância do conhecimento dessa guerra para o Brasil, por exemplo, da necessidade de ter uma produção autóctone de mísseis anti-navio.

    1. Muito obrigado. Realmente por ter ocorrido tão próxima e envolvendo um vizinho, desperta a atenção e tem muitas lições a serem estudadas. Grato por comentar!

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