O Combustível de Alta Octanagem na Batalha da Inglaterra

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Por Albert Caballé Marimón* 

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Motor Rolls-Royce Merlin na Base da Força Aérea de Pearce, Austrália (Foto: JAW/Wikipedia/CC BY-SA 3.0).

Muitos fatores contribuíram para a vitória britânica na Batalha da Inglaterra. Os pilotos, o engajamento da população, o desenvolvimento do radar, as aeronaves, o fluxo de suprimentos (logística), as táticas de combate, alguns erros alemães e uma série de outros. Ao final, a Alemanha não conseguiu a superioridade aérea necessária para executar a Operação Leão Marinho – o desembarque anfíbio de tropas alemãs na costa britânica –, e a abandonou. Neste artigo, vamos nos dedicar a um dos vários aspectos, este pouco mencionado, que contribuiu no desempenho dos caças britânicos: o combustível de alta octanagem.

Contexto

Os números variam conforme a fonte, mas, no início da batalha, a Luftwaffe (Força Aérea Alemã) dispunha de mais de 2.500 aeronaves entre caças e bombardeiros; seu principal caça nesse período era o Messerschmitt Bf 109. Para contrapor essa força, a RAF (Royal Air Force, a Força Aérea Britânica) contava com menos de 700 caças, sendo os principais o Spitfire e o Hurricane.

Em altitudes baixas a médias, onde ocorria a maior parte dos combates aéreos no início da guerra, o Bf 109 era considerado superior. O Spitfire era melhor em altas altitudes devido a seu motor Rolls Royce Merlin possuir uma altitude crítica* mais alta do que o Daimler-Benz DB 601 que equipava o Bf 109.

O Spitfire levava vantagem também no ângulo de curva mais apertado e taxa de giro mais alta, superando o Bf 109 no plano horizontal. Mas o Bf 109, devido à maior potência e razão de subida, suportava curvas de subida que o Spitfire não conseguia acompanhar. Isso dava aos pilotos alemães a prerrogativa de se engajar e se retirar dos dogfight com os caças britânicos. Duas menções demonstram essa vantagem:

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Quando se trata de caça vs. caça e a disputa em altitude, devemos esperar que, por enquanto, esteja em desvantagem em comparação com o Me 109 aprimorado (este é o Bf 109F, comparado ao Spitfire V) que estamos encontrando” (memorando de um Senior Staff Air Officer ao Marechal Sholto Douglas, AOC-in-C (Air Officer Commanding-in-Chief) do Comando de Caças, em abril de 1941).

Eu preferia o 109 porque voava bem em qualquer altitude, era rápido como a maioria… tinha uma razão de subida superior e podia mergulhar muito bem. Acima de tudo, incutia confiança no piloto” (Franz Stigler, piloto de caça alemão).

Um trunfo do Bf 109 E em relação aos britânicos Hurricane Mark I e Spitfire Mark I e Mark II, era o potente motor Daimler-Benz-DB-601Aa V-12 de 1.175 hp. Além da maior potência, esse motor tinha uma vantagem decisiva em relação ao Rolls Royce Merlin II V-12, dos Spitfire e Hurricane: a injeção de combustível. O Merlin era um motor de 1.030 hp cujo carburador cortava o combustível quando a aeronave estava sujeita a uma força G negativa, causando falha no motor.

Enquanto um Bf 109 E era capaz de alternar imediatamente de voo nivelado para um mergulho íngreme sem dificuldades, num Spitfire a força centrífuga negativa cortaria o combustível do motor. A opção dos pilotos britânicos era rolar e mergulhar, o que custava segundos preciosos em combate; após a manobra, ele teria que tentar determinar a posição do caça alemão, que normalmente já teria se afastado bastante (Figura 1). Além disso, era preciso um piloto experiente para realizar tal manobra durante um dogfight.


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Figura 1 – Enquanto o Bf 109 podia mergulhar imediatamente, o Spitfire precisava rolar antes do mergulho, perdendo segundos preciosos em combate (Imagem: Luftkrieg / Airwar – Comparison of the Supermarine Spitfire Mk.1A with the Messerschmitt Bf 109 E).

Com o tempo, melhorias no carburador do Merlin – entre outras, um diafragma instalado na câmara de flutuação apelidado de “orifício da Srta. Shilling” e a mudança da saída de combustível da parte inferior do carburador para a lateral, fazendo com que fluísse da mesma forma sob G negativo ou positivo –, ajudaram a solucionar o problema de falta de combustível em mergulho.

Outra melhoria, da qual trataremos, foi a utilização do combustível conhecido por BAM-100 (“British Air Ministry 100 octane”, ou “Ministério do Ar Britânico 100 octanas”), também chamado de “100/130 octane” por gerar um alegado aumento da ordem de 30% na potência dos motores Merlin nas decolagens e subidas.

*Altitude crítica é aquela em que o supercharger (superalimentador) opera com capacidade total, além da qual o motor começa a perder potência.

O Combustível de 100 Octanas

A obtenção de uma classificação de 100 octanas era um processo complicado que exigia uma refinaria de escala industrial grande e cara. Um dos pioneiros nesse processo foi Stanley Francis Birch, do laboratório da Anglo-Persian Oil Company, no início dos anos 1930. No entanto, a iniciativa não avançou na Inglaterra e, em novembro de 1938, na reunião anual do American Petroleum Institute, Arthur E. Pew, vice-presidente e chefe de pesquisa da Sun Oil Company, descreveu o novo processo de refino catalítico da empresa.

Esse processo transformava o que até então era considerado um resíduo em gasolina de alta octanagem que poderia alimentar os aviões mais avançados da época. O método fora patenteado pelo francês Eugène Houdry, químico da Sun Oil Company em 1937. O Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos foi o primeiro a utilizar combustível de aviação com 100 octanas.

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Segundo o especialista em aviação Michael Gething, em 1937 o Comodoro do Ar Francis Rodwell Banks insistiu que os motores da RAF usassem combustível de 100 octanas, mesmo que o suprimento desse combustível fosse limitado, porque, segundo ele, “o uso de equipamento militar de alta performance no ar poderia ser decisivo nos estágios iniciais de uma guerra”. Assim, o motor Rolls Royce Merlin foi desenvolvido para operar com combustível de 100 octanas, então disponível apenas no exterior.

O desenvolvimento do BAM-100

Em 1938 a Alemanha nazista vinha conquistando vários territórios sem conflitos abertos – no Saar, na Áustria e na Checoslováquia. Uma guerra era iminente, e, para muitos países europeus, a questão era saber se teriam tempo suficiente para se preparar para conter uma invasão.

Nesse ano, William J. Sweeney, Diretor de Pesquisa da Standard Oil Development Company, hoje Exxon, viajou à Inglaterra para um evento científico do qual participariam cientistas de toda a Europa. No entanto, após uma reunião com representantes do Ministério do Ar britânico e da Rolls Royce, os objetivos de Sweeney mudaram.

A Rolls-Royce desenvolvera o motor Merlin que equipava os caças Spitfire e Hurricane, mas havia um problema. Embora fosse um excelente motor, ele não conseguia atingir sua potência máxima em decolagens e subidas com a gasolina de 87 octanas então de uso comum na Europa.

Foi dito a Sweeney que um fator de sucesso determinante para abater invasores alemães dependia da rapidez com que os caças britânicos pudessem chegar a grandes altitudes, onde os motores Merlin apresentavam seu desempenho ótimo e de onde podiam mergulhar sobre os aviões alemães. Para isso, o combustível era um elemento crítico.

O motor Daimler-Benz do Me 109E alemão, como vimos, produzia mais potência do que o Merlin, ambos usando a gasolina de 87 octanas. O Merlin trabalhava superalimentado, sob alta pressão, e não foi projetado para funcionar com a gasolina de 87 octanas. Para atingir o pico de potência nas decolagens e subidas, ele precisava de um combustível melhor, que não estava disponível.

Assim, o que os britânicos esperavam de Sweeney – e da Standard Oil – era o desenvolvimento de um combustível de alta octanagem entregue com rapidez e em grandes quantidades.

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Juan Vicente Gómez and the Oil Companies in Venezuela, 1908–1935

  • B. S. McBeth (Autor)
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Testes realizados com o combustível usado pelo Corpo Aéreo do Exército dos EUA nos motores Merlin mostraram que a variação de misturas ricas e pobres necessárias em diferentes momentos, em condições normais de operação, apresentava desempenho irregular. Portanto, Sweeney tinha uma tarefa difícil: melhorar o que na época era, em tese, o melhor combustível disponível.

Aceito o desafio, a equipe de Sweeney trabalhou vários meses tentando diversas misturas de combustível. O principal avanço ocorreu quando conseguiram a hidrogenação de um petróleo vindo da costa Zuliana e do campo de Quiriquire em Monagas, na Venezuela, ambos pertencentes à Creole Petroleum Corporation, então subsidiária da Standard Oil. Nesse processo, o querosene era aquecido, pressurizado e tratado com hidrogênio para obter uma gasolina que chamaram de “caldo base”. A esse caldo eram adicionados alquilato (sintético de octanagem extremamente alta), chumbo tetraetil, aromatizante e outros componentes de alta octanagem (a título de curiosidade, Brian McBeth, autor do livro Juan Vicente Gomez and the Oil Companies in Venezuela (1908-1935), afirma que em 1939 o petróleo venezuelano tinha uma participação de 49% no mercado britânico. Ele também diz que estrategistas britânicos estimaram que o petróleo venezuelano atenderia toda a demanda civil e 44% da demanda militar durante a guerra).

O primeiro navio-tanque carregado de BAM-100 zarpou da refinaria Lago, em Aruba, para a Inglaterra em junho de 1939. Em setembro desse ano, a Alemanha invadiu a Polônia. Em março de 1940, a RAF passou a converter os motores Merlin dos Spitfire e Hurricane de gasolina de 87 octanas para a BAM-100. A Batalha da Grã-Bretanha começou em julho de 1940.

Segundo informações do blog World War 2 Aircraft, citando o War Cabinet Oil Position Monthly Report, uma nota de 7 de agosto de 1940 confirmava que todos os comandos da RAF já estavam autorizados a utilizar o novo combustível de 100 octanas. Segundo essa fonte, o consumo e os estoques de combustível são os mostrados nas Tabelas 1 e 2.


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Tabela 1 – O fluxo logístico garantiu o estoque de combustível da RAF entre setembro de 1939 e novembro de 1940. Note-se que o estoque aumentou ao longo do período (Dados: World War 2 Aircraft).

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Tabela 2 – Consumo de combustível da RAF em 1939/1940. A gasolina de 100 octanas passou a ser consumida a partir de junho de 1940, no início da Batalha da Inglaterra (Dados: World War 2 Aircraft).

Os alemães só descobriram o segredo do combustível britânico algumas semanas antes do fim da batalha. Em setembro de 1940, um Spitfire caiu na Bélgica. Técnicos alemães analisaram a aeronave e, ao testar o combustível dos tanques, descobriram que os britânicos não estavam usando gasolina de 87 octanas.

De acordo com Tim Palucka, autor do artigo The Wizard of Octane, “os pilotos da Luftwaffe não conseguiam acreditar que estavam enfrentando os mesmos aviões com que haviam lutado com sucesso pela França alguns meses antes. Os aviões eram os mesmos, mas o combustível não era”. V. A. Kalichevsky, da empresa Socony-Vacuum Oil Company, autor do livro The Amazing Petroleum Industry lançado em 1943, afirmou que “a diferença de 13 octanas, por menor que pareça, foi suficiente para dar a um avião a vantagem vital em altitude, taxa de subida e manobrabilidade fazendo a diferença entre derrota e vitória”.

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A Batalha de Inglaterra – junho-outubro 1940

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Meses depois da batalha, o marechal-do-ar Arthur Tedder da RAF, ao ser questionado sobre a Batalha da Grã-Bretanha, respondeu: “Três fatores contribuíram para a vitória britânica: a habilidade e a bravura dos pilotos, o motor Rolls-Royce Merlin e a disponibilidade de combustível adequado”.

Poucas pessoas entenderam a observação de Tedder sobre o combustível; a guerra estava em curso e os detalhes da nova gasolina eram secretos. Mas Sweeney e sua equipe sabiam o que o marechal-do-ar quis dizer.

Referências


*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing, é fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.


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4 comentários

  1. Como sempre, excelente artigo. Não imaginava toda esta movimentação técnica por trás da batalha da Inglaterra. Interessante as soluções técnicas para a superação dos problemas.
    Parabéns pelo excelente artigo.

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