FEB: verás que um filho teu não foge à luta

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Por General-de-brigada Luiz Eduardo Rocha Paiva*

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Pracinhas brasileiros na Itália (Foto: Primeiro-Sargento Nahon/Arquivo Histórico do Exército Brasileiro)

Nos últimos tempos o Brasil vem sofrendo uma polarização extremamente perniciosa e, a meu ver, sem sentido. A impressão é que falta patriotismo e amor pelo país, que deveria estar acima de disputas ideológicas. Assim, o texto a seguir, do general-de-brigada Rocha Paiva, me parece muito pertinente por expor seu profundo amor pela Pátria. Publica-lo no Blog Velho General é motivo de orgulho. O Brasil precisa muito de homens assim (Albert Caballé Marimón – editor).


A Segunda Guerra Mundial marcou o início da ascensão do Brasil no cenário global. Desse modo, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) contribuiu para a Nação perceber o quão era importante, para a segurança externa, tornar-se potência mundial, bem como colaborou para visualizar os desafios decorrentes e a importância do planejamento estratégico para a estruturação, a organização e o progresso do País. As potências da época, não sem motivos, viam o Brasil como país periférico e subdesenvolvido, cujo perfil mestiço era considerado, por preconceito, fator de fraqueza do caráter nacional. Assim, esses países tinham um misto de benevolência e de desprezo, calcados no sentimento de superioridade, inclusive racial, o que não era exclusividade do arianismo alemão.

Por tudo isso, a FEB teve de vencer vários desafios e obstáculos, como consequência:

  • Da demora em ser constituída e da indecisão dos EUA em transferir para a tropa estrangeira equipamentos, armamentos e recursos necessários ao próprio Exército e ao de seus aliados, já em operações;
  • Da falta de equipamentos e armamentos modernos para o adestramento da tropa quando ainda estava no Brasil, uma vez que esse material foi disponibilizado somente na Itália e, por vezes, há apenas alguns dias antes de nossas unidades entrarem em operações;
  • Do combate em teatro de operações (TO) montanhoso, cuja topografia favorecia a defesa, conduzida, magistralmente, pelo Exército Alemão, reconhecido pelos próprios aliados como o mais preparado e profissional do mundo;
  • Da entrada em operações sem preparação completa, substituindo dois corpos de exército aliados, que estavam em combate há mais de um ano e que foram transferidos para o TO francês;
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  • De receber uma frente de 15 km, a qual deveria defender e atacar, o que significa combinar dois tipos de atitudes operacionais, na época, uma capacidade apenas de escalões superiores à Divisão de Exército, particularmente, de infantaria a pé;
  • Da entrada em operações contra a poderosa Linha Gótica no início do inverno, quando as operações costumavam tornar-se estabilizadas em regiões de condições climáticas extremas, e após a ofensiva anglo-americana para conquistar Bolonha ter sido detida no restante de toda a frente; e
  • De ser lançada contra o Monte Castelo, em 29 de novembro e em 12 de dezembro de 1944, pelo IV Corpo de Exército dos EUA, sem proteção de flanco e sem apoio aéreo, em função das condições climáticas, e com efetivo inferior ao exigido pelo objetivo, como alertara o Comandante da FEB.

Em síntese, houve precipitação e erro de avaliação do comando aliado sobre o poder do inimigo, o valor defensivo do terreno, o efetivo necessário para os objetivos colimados e o momento para prosseguir com ações ofensivas.

Franceses, ingleses e americanos sofreram reveses quando seus exércitos, sem experiência e preparo, foram batidos em Dunquerque, na França; em Passo Kasserine, na Tunísia; na defesa das Filipinas e no Sudeste da Ásia, entre 1939 e o início de 1943. São derrotas contundentes e não infortúnios controlados como os da FEB em Monte Castelo.

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No Brasil, a falta de conhecimento militar e de bom senso, o revisionismo ideológico da História e a estranha mania de alguns escritores e historiadores de denegrir as glórias da Pátria e de seus verdadeiros heróis resultaram em retratar a FEB de forma injusta e distorcida. Enfatizaram os reveses iniciais, quando ela ainda era uma força inexperiente, mas omitiram ou minimizaram as vitórias obtidas dois meses depois, quando a FEB já adquirira experiência na frente de combate.

Valorizaram, apenas, fontes externas e desprezaram o testemunho dos irmãos brasileiros, inclusive, dos nossos correspondentes de guerra, testemunhas oculares que acompanharam a FEB. Há os que, de forma negativa, maldosa ou por ignorância sobre a doutrina militar, destacaram o fato de a Força Expedicionária Brasileira não ter cumprido um papel decisivo na derrota da Alemanha. Ora, a FEB era apenas uma das 69 divisões aliadas na Europa Ocidental, sendo uma das divisões do IV Corpo de Exército dos EUA. Cumpriu tarefas de acordo com sua natureza de tropa a pé (que não era blindada) e conquistou objetivos importantes para o êxito daquele Corpo de Exército.

Seu papel era eminentemente tático e não estratégico, como não poderia deixar de ser. Superou deficiências em combates diretos com o inimigo na linha de frente, em dezembro de 1944 e janeiro de 1945, e não em campos de adestramento na retaguarda. Após a tomada de Monte Castelo, começou a destacar-se entre as forças aliadas na Itália, quando vieram as sucessivas vitórias de La Serra, Castelnuovo, Montese, Zocca e Fornovo.

Celebrar esses triunfos não é mero ufanismo, como pensam infelizes detratores da FEB, carentes de sentimento nacional. Enaltecer os feitos dos soldados brasileiros na 2ª GM é dever de justiça para com nossos Pracinhas e valorização do civismo, da autoestima, da autoconfiança e do patriotismo, sem os quais uma nação não sobrevive. Houve erros sim, que devem ser estudados, mas nada destoante do que aconteceu com as forças de todos os países aliados do Eixo em diversas operações. A honestidade de propósitos revelar-se-ia ao apontar esses erros, desde que também se destacassem os acertos e as vitórias, que foram incontestáveis momentos de glória do Exército Brasileiro.

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Como força de nível tático, a história da FEB foi escrita, principalmente, pelas pequenas e médias frações. Sargentos, tenentes, capitães e comandantes de unidades mostraram o valor do soldado brasileiro no maior desafio do combatente: a hora da verdade, ao enfrentar o fogo inimigo com equilíbrio emocional, competência e coragem.

Os brasileiros que amam à Pátria, particularmente, os irmãos de armas, jamais se esquecerão dos Pracinhas e os terão sempre como exemplos, conscientes de que pertencer ao Exército de Caxias é uma grande honra e um motivo de orgulho e de felicidade. É ter uma sublime missão e uma nobre razão de viver.


*Luiz Eduardo Rocha Paiva é general-de-brigada, aspirante a oficial pela AMAN em 1973 e promovido a general-de-brigada 2003. Entre seus muitos altos estudos, possui doutorado, mestrado e pós-graduação pela ECEME, ESAO e FGV. Estagiou na 101ª Air Assault Division, do Exército dos EUA, foi Observador Militar da ONU em El Salvador e fez o Curso de Estado-Maior na Escola Superior de Guerra do Exército Argentino. Comandou o 5º Batalhão de Infantaria Leve (Regimento Itororó), em Lorena/SP, quando cumpriu missão de pacificação em conflito entre o MST e fazendeiros no sul do Pará, em 1998. Foi Chefe da Assessoria Especial do Gabinete do Comandante do Exército, comandou a ECEME e foi Secretário-Geral do Exército. É Professor Emérito da ECEME, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e colaborador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército. Recebeu diversas condecorações e medalhas nacionais e estrangeiras e publica artigos sobre temas políticos e estratégicos em jornais e revistas nacionais e estrangeiras.


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12 comentários

  1. Belíssima matéria.
    É de doer o coração o descaso e a forma torpe como essas histórias são covardemente alteradas e mal contadas por péssimos brasileiros que não merecem a pátria que tem.

    1. Benjamin, felizmente ainda temos pessoas que procuram preservar essas memórias com o respeito devido. O Brasil precisa muito de pessoas que efetivamente o amem. Muito obrigado pelo comentário e por acompanhar o Blog. Forte abraço!

  2. O papel da FEB na Itália é algo que dispensa qualquer discussão ingênua, tal foi sua atuação heróica, que perdurará por tempo indefinido na história dos exércitos mundiais. Falar em bravura, heroísmo, força e coragem é pouco para definir o papel desses obstinados brasileiros que só orgulho nos traz. Por outro lado, é bom que não esqueçamos que paralelo a isso, tivemos a decepção do plano MARSHAL, um benefício prometido pelos norte americanos aos seus aliados, o qual não se conheceu. Mas isso é coisa do passado, embora não possamos esquecer.

  3. Um Zé-Ruela alemão, um tal de Erwin Rommel, marechal comandante das forças alemãs na Europa, em suas ‘Memórias de Guerra’, ao fazer referência aos relatórios de seus subordinados sobre a atuação da FEB em combate, escreveu que ‘não sabia dizer se os brasileiros eram muito valentes ou loucos’. É necessário buscar a opinião de quem sobre um soldado, se o mais valoroso dos seus inimigos o elogia? Se Rommel falou, a questão está finita.

    1. Exceto que Rommel nunca mencionou os brasileiros em lugar nenhum, pois nunca atuou contra eles. Em novembro de 1943 ele deixou a Itália para a França, e em outubro de 1944 já estava morto.

  4. Os pracinhas foram grandes Heróis, orgulho do Brasil, e causa-nos profunda tristeza que sejam bem mais reconhecidos pelo povo italiano do que pelo nosso povo brasileiro.
    O criminoso hiato que se formou nos últimos Governo pela desinformação proposital da nossa História, dos valores e dos bons costumes que têm que ser resgatados agora desde a educação básica das novas gerações até os cursos de doutorado e pós doutorado.
    Somos de uma geração consciente pós guerra em que jovens víamos sim Che Guevara com a aura do médico defensor de liberdade pela dificuldade de informação bem diferente da atual era da internet mas não o víamos como um herói e abominávamos extremos; nossos Heróis eram e sempre serão os Verdadeiros Heróis brasileiros desde Bonifácio e Ledo, passando pelo nosso grande estadista D.Pedro II até nosso grande Herói atual o General Vilas Boas.
    Nós. fazemos parte da penúltima geração com pensamento livre no Brasil e assim educada para, eternamente, Amarmos nossa Pátria, defendermos a Liberdade ainda que com a nossas próprias vidas, termos solidariedade para com o Próximo mas com deveres e direitos fraternos e justos. Forte Abraço.
    Nossos pracinhas representam com seus valores e sua coragem os Grandes Heróis brasileiros.

    1. Realmente Lieden, nossos verdadeiros heróis não devem ser esquecidos. Devemos resgatar e preservar a história daqueles que deram suas vidas pela Pátria! As novas gerações precisam conhecer essas histórias. Muito obrigado por comentar. Forte abraço!

  5. A FEB é um ótimo estudo sobre pequenas unidades. Vários livros sobre isso foram escritos, e hoje são encontrados nos sebos, com poucos sendo re-editados.

    Ótimos exemplos são:

    – A FEB por um Soldado, Soldado Joaquim Xavier da Silveira.
    – Memórias de um Soldado, Capitão Ernani Ayrosa da Silva.
    – Irmãos de Armas, Tenente José Gonçalves e César Campiani.
    – Quebra Canela: A Engenharia brasileira na campanha da Itália, General Raul da Cruz Lima Junior.
    – Um Capitão de Infantaria da FEB, Capitão Ruy Leal Campello.
    – Depoimento de oficiais da reserva sôbre a FEB, vários autores.
    – Aliança Brasil-Estados Unidos 1937-1945, Frank McCann.

      1. Aqui Estamos, Velho General.

        A lista de livros sobre a FEB é ainda maior do que essa. A quantidade de memórias da FEB é algo vasto e sem paralelo no Brasil.

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