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Cel-Paulo-Filho Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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Xi Jinping e Vladimir Putin em coletiva de imprensa durante o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, em junho de 2019 (Foto: Russian President’s Official Website)

A cada encontro entre os presidentes Xi Jinping e Putin, a pergunta volta à tona: China e Rússia se tornarão aliados? Como os Estados Unidos reagiriam a essa possibilidade, que certamente traria implicações para o equilíbrio do poder global?

O Fórum Econômico de São Petersburgo, nos primeiros dias de junho, foi mais uma dessas ocasiões. Os dois líderes alinharam os discursos nas críticas aos americanos, acusados de travarem uma guerra comercial para eliminar a concorrência. O exemplo mais claro seria o embargo norte-americano à gigante chinesa das telecomunicações Huawei. Aliás, uma das grandes notícias do evento foi a assinatura do acordo entre a Huawei e a Rússia, para o desenvolvimento da internet de 5ª geração naquele país.

Para além das palavras generosas endereçadas mutuamente – Xi Jinping chamou Putin de seu “melhor amigo” – o fato é que a insatisfação de China e Rússia com a ordem global unipolar inaugurada após o fim da União Soviética é um ponto comum a unir os dois países, que sonham em reaver seus antigos lugares no concerto das nações.

Não é demais lembrar que a China foi uma superpotência até o século 19, quando foi destruída, primeiro pelos imperialismos europeu e japonês, depois pelo desastre do comunismo de Mao. Tudo isto levou o país a mais de um século perdido, até a chegada ao atual momento de vertiginoso progresso econômico que o trouxe ao posto de 2ª maior economia do planeta. Já os russos, dividiam politicamente o mundo com os norte-americanos até o esfacelamento da União Soviética, mas mantiveram grande parte de seu poderio militar e apesar das dificuldades no campo econômico, hoje lutam para retomar um lugar de influência global, especialmente nos campos político e militar.

Assim, é natural que ambos estejam ávidos por diminuir a influência política, diplomática, psicossocial, militar e econômica que os EUA exercem sobre as demais nações, especialmente sobre aquelas situadas em seus entornos geográficos. Refiro-me especialmente ao Mar do Sul da China e ao Sudeste Asiático, no tocante à China, e ao Leste Europeu, em relação à Rússia. Assim, China e Rússia se apoiam mutuamente, de forma a contrabalançar a influência norte-americana sobre as áreas geográficas que são consideradas por ambos os países como suas naturais áreas de influência.

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Para além dos benefícios políticos, uma parceria estratégica confere vantagens econômicas mútuas, especialmente no comércio de energia, de armamentos e de itens de alto valor tecnológico agregado, como o recente acordo para a implantação da internet de 5ª geração exemplifica.

Mas a aproximação pode ser sabotada por uma série de desconfianças no relacionamento entre os vizinhos. A influência cada vez maior da China sobre os países da Ásia Central é um exemplo. Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, todas repúblicas que se separaram da antiga União Soviética, aproximam-se cada vez mais da China. São países que esperam se beneficiar da iniciativa “Belt and Road”, a nova “Rota da Seda”, um ambicioso plano chinês para o desenvolvimento de infraestrutura e investimentos em países da Ásia, África e Europa. Até o momento, a China se atém ao relacionamento econômico com os países da Ásia Central, enquanto os russos focam no relacionamento militar e na influência política. Assim se mantém certo equilíbrio de interesses, mas é praticamente inevitável que a região se torne uma área de fricção geopolítica entre as duas potências no futuro.

A Rússia é uma nação historicamente voltada para o Oeste. Suas raízes histórico-culturais aproximam-se muito mais do ocidente do que do oriente. Assim, apesar da vizinhança, sua influência sobre os países da região da Ásia-Pacífico sempre foi relativa, o que de certa forma facilitou a expansão da influência chinesa na área. Entretanto, a partir do final do século 20, com o vertiginoso progresso econômico da região, a Rússia foi obrigada a voltar-se para o Leste, apenas para notar que era tarde demais para fazer face ao poderio chinês na área. Assim, se a presença dos Estados Unidos naquela região é um desafio à China, por outro lado de certa maneira beneficia a Rússia, pois acaba garantindo um certo equilíbrio de poder, evitando um completo domínio chinês.

Os Estados Unidos perceberam os movimentos e manobram para tentar manter o status quo. A revisão da sua Estratégia de Defesa, no sentido de se preparar não mais para uma guerra contra o terror, como foi o mote na década que se seguiu aos atentados de 11 de setembro de 2001, e sim para uma guerra contra estados nacionais capazes de lhes fazer face militarmente, fala por si mesma. A permanente presença da sua Marinha na costa asiática do pacífico, a assertividade nas negociações com a Coréia do Norte, a reafirmação do suporte militar a Taiwan, tudo isto são indicações de que os norte-americanos não abrirão mão de defender seus interesses.

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Retornando às perguntas feitas no início deste texto, creio que Rússia e China se comportarão como aliados enquanto seus objetivos individuais forem conciliáveis. Não se vislumbra a possibilidade de celebração de qualquer tipo de tratado militar, aos moldes da OTAN ou do antigo Pacto de Varsóvia. Isto porque a Rússia vê a si mesma, no mínimo, como uma igual à China. É impensável para o país colocar-se numa posição de dependência política, militar ou econômica em relação aos chineses. E uma aliança militar feita entre países em situações econômicas tão díspares certamente acabaria por colocar os russos em uma situação de subordinação.

Por outro lado, tal tratado também não seria do interesse da China, uma vez que o país tem nos Estados Unidos o seu maior parceiro comercial e não seria inteligente somar mais um foco de tensão – que certamente tal aliança despertaria – ao já conturbado relacionamento econômico existente entre as duas maiores economias do planeta.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. Foi instrutor da ECEME. Realizou o Curso de Estudos de Defesa e Estratégia na Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China, entre 2015 e 2016. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br


 

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4 comentários

  1. Muito bom o artigo. Algumas dúvidas me vêm à cabeça: li, em variadas fontes, que a China tem se lançado em várias linhas de infraestrutura, óleo, etc, em vários países, inclusive aqui no Brasil. Alguns colocam que os chineses estão comprando vários espaços territoriais (vide nosso PR) aqui no Brasil, Austrália, etc. Me pergunto se existe diferença entre o comprar (terras) e investir (no caso, infraestrutura, etc)? Ambos podem levar a um mesmo grau de dependência, digamos, no caso de rompimento de relações com a China? Qual o risco de abrir o país para investimento em infraestrutura internacional? Por outro lado, ao nacionalizarmos os investimentos, corremos o risco (e está aos nossos olhos atualmente) de ficarmos atrás na corrida tecnológica. Grato

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