Perfil: Abd-Rabbu Mansour Hadi do Iêmen

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Traduzido e adaptado para o português por Albert Caballé Marimón*

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Hadi teve apoio local, regional e internacional, mas foi forçado a sair (Foto: Hasan Jamali)

Do Fanack.com, publicado em 5 de fevereiro de 2018


Em 21 de fevereiro de 2012, os iemenitas foram às urnas. Era uma cena surreal: pessoas orgulhosamente mostrando seu polegar sujo de tinta, felizes por terem votado. Eles não estavam felizes por terem votado em seu candidato, mas estavam felizes apenas por terem votado. Só havia um candidato: Abd-Rabbu Mansour Hadi.

Quando perguntados o que eles sabiam sobre ele, a resposta geralmente era: nada. Ainda assim, acreditavam que, após trinta e três anos do reinado de Ali Abdollah Saleh, que culminou com violentas repressões de manifestantes pacíficos em 2011, qualquer coisa ou alguém seria melhor. Então se voltaram para Hadi, vice-presidente de longa data de Saleh e membro do partido do Congresso Geral do Povo.

Não importava muito. Se os iemenitas não tivessem votado naquele dia, ainda assim Hadi se tornaria presidente. Esse era o acordo de transferência de poder que havia sido mediado pelo Conselho de Cooperação do Golfo. Alguns iemenitas se abstiveram de votar. Eles desconfiavam da capacidade de Hadi de governar seu indisciplinado país por um simples motivo: ele não tinha bigode. Para eles, isso era um sinal de fraqueza, de falta de masculinidade. Outros pensavam: se esse cara não fizer nada, pelo menos eu não lhe dei meu apoio.

E ele não fez nada. Numa reunião de 2013 com o presidente americano Barack Obama, ele resumiu os desafios do Iêmen com precisão, mas não se apresentou como o líder forte e inspirado necessário para enfrentá-los. Um ano depois, sem que nenhum dos problemas fosse resolvido, o Diálogo Nacional, que também fazia parte do acordo de transição, fracassou e uma situação já ruim se tornou ainda pior, levando o país à guerra.

É difícil dizer se é porque ele tinha uma missão impossível ou se não possuía as habilidades necessárias para lidar com o ninho de cobras internacional, regional e nacional da política iemenita. Provavelmente um pouco de ambos. Ainda hoje, após anos no poder, o homem e seus motivos continuam sendo um enigma.

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Nascido em 1945 em Abyan, no sul do Iêmen, ele foi treinado como soldado no Iêmen, no Reino Unido, no Egito e na Rússia. Em 1986, depois de uma luta interna pelo poder na república socialista do Iêmen do Sul, ele fugiu para o Iêmen do Norte, o que o tornou um traidor para muitos sulistas. Após a guerra civil de 1994 entre o Norte e o Sul na República Unida do Iêmen – durante a qual ele lutou pelo norte – ele foi nomeado vice-presidente do Iêmen e ficou aninhado em silêncio por quase vinte anos à sombra de Ali Abdollah Saleh.

Ainda menos se sabe sobre sua vida privada – algo bastante normal na região, onde a privacidade é sacrossanta e respeitada, mesmo para reis ou presidentes. Ele é casado e tem filhos. O paradeiro deles é desconhecido.

Parece improvável que, em 2012, Hadi tinha realmente a ambição de deixar a sombra de Saleh. Parece mais provável que o CGP (o partido do Congresso Geral do Povo) e as Nações Unidas o tenham arrastado, sem encontrar um candidato melhor na época. Também parece provável que o presidente destituído Saleh estivesse feliz o suficiente com a solução, sabendo que não precisaria temer muito de Hadi, que – sendo sulista – carece do apoio tribal que ele, Saleh, tinha (e ainda tem).

E, de fato, desde que Hadi assumiu a presidência, as coisas deram errado. Apesar de algumas mudanças na liderança das forças armadas, ele não conseguiu se livrar dos restos mortais do clã Saleh. Em vez disso, ele passou a nomear seus próprios familiares e amigos íntimos para posições estratégicas. Isso fez os iemenitas duvidarem de sua sinceridade e capacidade de liderança. No entanto, eles lhe deram uma chance, mesmo que por falta de uma alternativa melhor.

Os rebeldes zaydi (xiitas) hutis no norte do Iêmen não o fizeram. Irritados com o papel marginalizado durante o Diálogo Nacional e farejando fraqueza, com o apoio de Saleh e suas forças restantes eles assumiram a capital Sanaa e os ministérios. Forçaram Hadi a deixar o cargo. Ele finalmente renunciou (apenas para ser reinstalado mais tarde), fugiu e procurou refúgio e apoio na Arábia Saudita.

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Para muitos, Hadi não era mais apenas uma decepção, mas também um covarde. Em especial o fato de ele ter se ligado à Arábia Saudita – o vizinho com o qual o Iêmen sempre teve um relacionamento difícil de dependência, mas não de amizade – os deixou com raiva. E depois que os sauditas iniciaram a intervenção militar em março de 2015 para derrotar os hutis e restaurar o governo de Hadi no poder, ele passou de covarde para algo ainda pior: o inimigo.

Isso não parece incomodar os diplomatas e outras partes que discutem acordos de paz após acordos de paz. O retorno de Hadi ao Iêmen e ao poder até agora sempre foi incluído nas propostas de solução para a guerra que continua desde março de 2015. Eles não podem ou não querem se livrar dele. Ninguém sabe o porquê. Talvez eles sintam alguma obrigação de – relutantemente – manter o homem que levaram ao poder. Afinal, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU exige o retorno de seu governo em Sanaa. Ou eles realmente acreditam que ele é o homem que pode trazer estabilidade ao Iêmen.

O próprio Hadi parece ter mudado de líder relutante para teimoso. No final de outubro de 2016, a ONU – finalmente – sugeriu um plano que marginalizou Hadi substancialmente, deixando-o apenas num papel simbólico. Apenas alguns dias depois, Hadi rejeitou o plano, pois seria favorável demais para os rebeldes hutis.

Por que não desistir? Por que não renunciar e dar uma chance à paz? Por que esse apego ao poder que ele realmente nunca teve? Talvez o maior problema de Hadi não seja dar aos hutis posições no governo – como propõe o plano mais recente. Talvez o maior problema seja o sentimento de que tal acordo significaria que ele perderia para seu ex-chefe e aliado dos hutis: Ali Abdollah Saleh.

Ao contrário de Hadi, Saleh está ganhando popularidade a cada dia e as eleições – que também fazem parte do plano – podem muito bem terminar em vitória para Saleh, ou seu filho. Para Hadi, isso não significaria apenas voltar às sombras, mas significaria o fim, se não o exílio.


*Albert Caballé Marimón é fotógrafo profissional e editor do Blog Velho General. Albert trabalha na cobertura de eventos tendo atuado, por exemplo, na Feira LAAD, no Exercício CRUZEX e na Operação Acolhida em Roraima. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. E-mail: caballe@gmail.com.


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