As estratégias divergentes dos Emirados e dos Sauditas no Iêmen

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Traduzido e adaptado para o português por Albert Caballé Marimón*

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Soldados pró-governo em patrulha nos recentes confrontos com separatistas do sul (Foto: Ali Owidha/Reuters)

Por Ali Younes, publicado na Al Jazeera em 31 de agosto de 2019


A recente onda de combates no sul do Iêmen faz parte de uma estratégia abrangente dos Emirados Árabes Unidos (Emirados) para manter o país mais empobrecido do mundo árabe em estado perpetuo de fraqueza, a fim de atender a seus próprios objetivos, segundo analistas.

As batalhas recentes em Aden entre forças do governo leais ao presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi, baseado na Arábia Saudita, e o Conselho de Transição do Sul (STC, Southern Transition Council), separatista apoiado pelos Emirados, adicionaram outra camada de complexidade à já multifacetada guerra do Iêmen.

Os lados em guerra são aliados nominais na coalizão militar Arábia Saudita-Emirados que interveio em 2015 em apoio ao governo internacionalmente reconhecido do Iêmen depois que o movimento rebelde huti tomou a capital, Sanaa, e grande parte do norte do país.

Mas os recentes confrontos não são a primeira vez que os dois lados se envolvem em combates mortais. Três dias de batalhas em janeiro do ano passado mataram dezenas de pessoas e feriram centenas em Aden, sede temporária do governo de Hadi. No início de agosto, a situação escalou novamente quando o STC assumiu o controle efetivo de Aden em 10 de agosto, após quatro dias de batalhas violentas que mataram pelo menos quarenta pessoas, segundo as Nações Unidas.

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Na quarta-feira, as forças do governo conseguiram expulsar as milícias do STC de diversos distritos de Aden, incluindo o palácio presidencial e o aeroporto, antes que os separatistas pudessem recuperar o controle da cidade no dia seguinte com a ajuda de ataques aéreos dos Emirados Árabes Unidos.

A violência expôs rachaduras na coalizão contra os hutis e, aparentemente, a Arábia Saudita e os Emirados caminhavam para um conflito armado no Iêmen através de seus próprios procuradores. “Não é assim”, disse Abdul baqi Shamsan, analista político e acadêmico do Iêmen baseado em Istambul, na Turquia. Ele disse que, apesar do surgimento de uma fenda, existe um entendimento óbvio entre os Emirados e a Arábia Saudita no que se refere ao Iêmen.

Ele argumentou que a Arábia Saudita não desafiaria os Emirados porque os dois países compartilhavam o objetivo estratégico de manter o Iêmen fraco para poder implementar suas próprias diferentes estratégias. “Os Emirados querem que o Iêmen seja fraco e dividido para permitir a separação do Sul”, disse ele, acrescentando que seus interesses incluem ter o porto principal de Aden sob o domínio de seus aliados.

“Além disso, os Emirados manterão a estratégica Ilha Socotra, no Mar Arábico, sob seu controle, onde já estabeleceram uma base militar”, argumentou. Quanto à Arábia Saudita, Shamsan disse que o reino estava ansioso por manter o controle “sobre outras partes do Iêmen próximas às fronteiras do sul, especialmente as províncias de Hadramwt, Shabwah e Mahrah”.

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“Iêmen democrático é uma ameaça”

De 1967 a 1990, o Iêmen do Sul era um estado independente, tendo o porto de Aden como capital. A noroeste ficava a República Árabe do Iêmen, ou Iêmen do Norte. Sua capital, Sanaa, permaneceu quando o sul se fundiu ao norte em 1990. Quatro anos depois, uma campanha armada pela independência do sul foi esmagada, impedindo que a unificação fosse revertida.

Gamal Gasim, professor iemenita-americano de ciência política na Universidade Estadual de Grand Valley, em Michigan, disse que a unificação do Iêmen em 1990 nunca foi bem vista pelos estados do Golfo Árabe. “Um Iêmen unido e democrático é uma séria ameaça às monarquias do Golfo, especialmente à Arábia Saudita, pois serviria de modelo para as populações locais devido aos laços sociais e tribais históricos com o Golfo”, disse ele à Al Jazeera.

Os objetivos dos Emirados

As Nações Unidas descreveram a guerra no Iêmen – agora em seu quinto ano – como a pior crise humanitária do mundo, com dezenas de milhares de mortos e milhões à beira da fome.

Os Emirados têm sido um parceiro dominante na coalizão que a Arábia Saudita reuniu após o pedido oficial do governo internacionalmente reconhecido do Iêmen para ajudar a evitar uma invasão huti, mas também traçaram seu próprio caminho ao estabelecer e apoiar grupos de milícias locais no sul.

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“Os Emirados estão interessados ​​principalmente em controlar o sul do Iêmen, particularmente Aden e seu porto estratégico, a fim de impedir que ele ameace o domínio das rotas de navegação comercial na região”, afirmou Shamsan.

Gasim caracterizou as políticas dos Emirados no Iêmen como exibindo “imaturidade política”, citando suas “tentativas de criar uma identidade separada para o Iêmen do Sul quando alguns de seus funcionários ou aliados locais costumam se referir a ele como o Sul Árabe”.

“Os Emirados parecem alheios ao fato de que o sul não pode ter sua própria identidade política, simplesmente porque os iemenitas, independentemente de qual parte do Iêmen sejam, compartilham uma identidade iemenita coletiva e antiga mesmo antes da fundação do moderno estado do Iêmen”, acrescentou.

Shamsan, enquanto isso, argumentou que o principal interesse dos Emirados era se apresentar aos formuladores de políticas em Washington como uma potência regional e uma alternativa ao poder brando do Catar no mundo árabe, além de “liderar a guerra dos EUA ao terrorismo contra grupos da região”.

Para esse fim, continuou ele, “os Emirados instruirão algumas organizações locais sob seu controle a realizar operações terroristas contra outros grupos ou alvos do governo local para justificar suas operações militares no Iêmen como parte de uma guerra ao terror”.

“A ironia aqui é que mesmo a Arábia Saudita e os Emirados também atuam como representantes dos EUA e países ocidentais na divisão do Iêmen para servir aos objetivos globais dos EUA em sua ‘guerra ao terror’ e sufocar a influência iraniana na região”, disse Shamsan.

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Os objetivos Sauditas

Segundo a ONU, a guerra deixou cerca de 24 milhões de pessoas – 80% da população do Iêmen – precisando de ajuda humanitária e proteção, enquanto mais de três milhões foram expulsas de suas casas.

Acredita-se que o envolvimento da Arábia Saudita no conflito tenha sido idealizado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MBS) em seus esforços para impedir que os hutis assumam completamente o Iêmen – os rebeldes foram acusados ​​de receber apoio político e militar do Irã , arquirrival regional da Arábia Saudita.

Mas o príncipe herdeiro Mohammed, que também atua como ministro da Defesa, se viu preso nas areias movediças do Iêmen: incapaz de alcançar a vitória e incapaz de sair. A guerra está num impasse há anos, mesmo com a coalizão apoiada pelos EUA tendo realizado mais de 18.000 ataques às áreas controladas pelos hutis na tentativa de reverter seus ganhos.

Gasim disse que a Arábia Saudita vê o Iêmen como um quintal estratégico e é inflexível em impedir que qualquer adversário regional consiga se estabelecer numa posição da qual possa ameaçar o reino. Ele disse que, apesar da Arábia Saudita nunca ter sido entusiasmada com um Iêmen unificado, uma divisão agora não serviria a seus interesses. Segundo Gasim, isso se dá porque a secessão do sul deixaria os hutis no controle do norte, possibilitando aos iranianos estabelecer uma base permanente na fronteira sul da Arábia Saudita.

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A opinião dos hutis: “somos pragmáticos”

Os recentes confrontos no sul entre as forças de Hadi e o STC também estão sendo monitorados de perto, mais ao norte, nas áreas controladas pelos hutis. Mohamad al-Bukhait, membro do departamento político dos rebeldes, descreveu o conflito como parte da estratégia dos Emirados para manter o Iêmen dividido.

“Esses eventos provam o erro estratégico que outros grupos iemenitas cometeram quando apelaram à intervenção estrangeira da Arábia Saudita e dos Emirados no Iêmen, em vez de se envolverem num diálogo iemenita para resolver nossas diferenças”, disse ele à Al Jazeera. “Enquanto os procuradores da Arábia Saudita e dos Emirados lutam com unhas e dentes, as vítimas são sempre iemenitas, não cidadãos dos soldados desses países”, acrescentou.

“Os iemenitas deveriam se unir contra os dois países. A única maneira de restaurar nossa soberania é unindo nossas fileiras e nossas armas contra a intervenção estrangeira da Arábia Saudita e dos Emirados no Iêmen”.


*Albert Caballé Marimón é fotógrafo profissional e editor do Blog Velho General. Albert trabalha na cobertura de eventos tendo atuado, por exemplo, na Feira LAAD, no Exercício CRUZEX e na Operação Acolhida em Roraima. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. E-mail: caballe@gmail.com.


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