Taiwan e a Vingança da Geopolítica

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Cel-Paulo-Filho Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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Ilustração de Kyoko Nemoto (Nikkey Asian Review)

“Taiwan é um porta-aviões que não se pode afundar”. Atribui-se esta frase ao General Douglas McArthur, comandante das tropas norte-americanas no Teatro de Operações do Pacífico durante a II Guerra Mundial. Os navios-aeródromo (porta-aviões) capitaneiam as forças navais utilizadas para o controle de áreas marítimas. Assim, a metáfora de McArthur resume a importância geopolítica atribuída àquela ilha: sua posse garante o controle dos mares ao seu redor, os mares da China Oriental, do Sul da China e das Filipinas.

As tensões na região voltaram a se elevar em razão da decisão do Departamento de Estado dos EUA de aprovar uma venda de material de emprego militar para Taiwan, no valor de 2,2 bilhões de dólares. A venda ainda tem que ser aprovada pelo congresso norte-americano, mas parece improvável que venha a ser desautorizada. A transação incluiria 150 carros de combate (tanques) Abrams M1A2T, 250 unidades de tiro do míssil antiaéreo Stinger, além de diferentes tipos de metralhadoras e veículos de manutenção, dentre outros equipamentos. Trata-se de material moderno, capaz de aumentar substancialmente a capacidade militar de Taiwan.

O governo chinês reagiu imediatamente. A agência de notícias oficial Xinhua transcreveu um comunicado do governo informando que as vendas de armas dos EUA para Taiwan são uma “grave violação do direito internacional, de normas básicas das relações internacionais, do princípio de uma única China e de três comunicados conjuntos entre os dois países…”. O comunicado ainda informou que a China considera que sua soberania e sua segurança nacional seriam afetadas pela venda e que o governo chinês imporia sanções às empresas que negociassem material de emprego militar com Taiwan.

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Taiwan and China: Fitful Embrace

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Em 1949, depois de quase vinte anos de combates, Mao Tse Tung tomou o poder na China, saindo vitorioso em sua revolução comunista. O governante derrubado, Chiang Kai-Shek, fugiu com seu governo para a ilha de Taiwan. Desde então estabeleceram-se, de facto, dois governos. A República Popular da China, comunista, e a República da China (Taiwan), capitalista. O reconhecimento internacional de Taiwan foi escasseando na medida em que o tempo passava e o regime comunista chinês se consolidava. Em 1971, a ONU passou a reconhecer a China, ao invés de Taiwan. Em 1974, foi a vez do Brasil. Os EUA reconheceram a China em 1979. Todos esses atos formais de reconhecimento significaram que, para estes países e organismos internacionais, a China é única e Taiwan não constitui um país independente. Atualmente, apenas dezessete países no mundo, além do Vaticano, reconhecem Taiwan como um estado soberano. Na América do Sul, o Paraguai é o único dentre esses países.

Assim, para os chineses, como os EUA não reconhecem e não mantêm relações formais com o governo de Taiwan, o fato de eles fornecerem armamentos para a ilha é inadmissível. Tal apoio é considerado uma grave afronta e a China julga estar amparada pelo direito internacional ao condenar veementemente a atitude norte-americana.

Mas, na disputa de interesses entre as potências, as coisas não são tão simples. No mesmo dia em que as relações entre EUA e China foram normalizadas, em 01 de janeiro de 1979, os EUA promulgaram a Lei de Relações com Taiwan que, dentre outras coisas, estabelece que “para ajudar a manter a paz, a segurança e a estabilidade no Pacífico Ocidental”, mesmo não mantendo relações diplomáticas oficiais ou não reconhecendo Taiwan como um país soberano, é política dos EUA fornecer armamentos para que Taiwan possa prover sua autodefesa. Além disso, a lei estabelece que qualquer tentativa de se determinar o futuro de Taiwan pelo uso da força, incluindo-se aí embargos e boicotes, será considerada pelos EUA uma “séria ameaça à paz e a segurança do Pacífico Ocidental” e, consequentemente, uma “grave preocupação” para os EUA.

“Geopolítica é destino”, alguém poderia dizer, brincando com o título de um dos livros do General Meira Mattos (Brasil: Geopolítica e Destino) para iniciar uma explicação sobre porque a questão de Taiwan permanece tão complexa e sem solução.

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Taiwan: Nation-State or Province?

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  • Em inglês
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Como defende Robert Kaplan na obra A Vingança da Geografia, fatores fisiográficos têm valor primordial nas condicionantes da geopolítica mundial. Assim, o posicionamento geográfico dos Estados, além de seu clima, fisiografia e vegetação ainda seriam fatores primordiais nas análises geopolíticas. O autor defende ainda que a China, com sua imensa demanda por recursos estratégicos, necessariamente tentará expandir sua influência para a Ásia Central – como aliás comprova a criação da Nova Rota da Seda – e em direção aos oceanos Pacífico e Índico. Foi no caminho dessa expansão, dominando os mares da China Oriental, do Sul da China e das Filipinas, que o destino ancorou o “Porta-aviões que não se pode afundar” de Taiwan. E certamente, sempre se observando a questão desde um ponto de vista geopolítico, os EUA não teriam nenhum interesse em ceder este espaço ao seu grande rival econômico e militar.

Neste ponto, convido o leitor a se perguntar, e, respondendo, concordar ou não com a tese defendida por Kaplan: Caso Chiang Kai-Shek tivesse fugido com seu governo para uma outra província qualquer no interior da China (Mongólia Interior ou Tibete por exemplo), e instalado lá o seu governo, você acha que esta província ainda seria de facto independente ou já teria há muito tempo sido reincorporada à China?

De minha parte, acredito que a geopolítica ajuda a entender a situação paradoxal vivida em Taiwan. A ilha, que não é considerada um Estado Soberano pela a ONU e pela imensa maioria dos países do mundo, mantém-se, de facto, um Estado praticamente soberano, a ponto de possuir forças armadas próprias e comerciar armamento. Isso a despeito da forte oposição da China, uma potência nuclear, a segunda maior potência econômica e a terceira maior potência militar do planeta.

 


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. Foi instrutor da ECEME. Realizou o Curso de Estudos de Defesa e Estratégia na Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China, entre 2015 e 2016. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br


 

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