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Cel-Paulo-Filho Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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Manifestantes com cartazes protestando contra a proposta que facilita extradições de Hong Kong para a China (Foto: Dale de la Rey/AFP)

Nos últimos dias, o mundo voltou suas atenções para Hong Kong. Imagens impactantes dos protestos que chegaram a reunir mais de um milhão de pessoas nas ruas daquela “Região Administrativa Especial” chinesa obtiveram destaque nos principais meios de comunicação.

Os protestos foram motivados pela proposta do governo de Hong Kong de modificar as leis locais de modo a facilitar a extradição de suspeitos para que estes sejam julgados na China, de acordo com as leis em vigor naquele país. Para os manifestantes de Hong Kong, a facilitação da extradição representaria um risco enorme, especialmente no que concerne à liberdade de opinião. Dissidentes passariam a ser julgados pelo peculiar sistema de justiça chinês.

A ideia de poderes independentes e harmônicos não faz sentido no sistema político chinês. No país, o judiciário e o executivo são subordinados ao legislativo, representado pelo Partido Comunista Chinês. A Suprema Corte do Povo, mais alta instância judiciária, presta contas ao Congresso Nacional do Povo e ao seu Comitê Permanente. A mesma lógica é valida para os tribunais nos níveis provinciais e locais.

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Os manifestantes se aferram aos direitos ainda garantidos pelo acordo que trouxe a antiga colônia britânica de volta à soberania chinesa, em 1997. A política denominada “um país, dois sistemas” permitiu que tanto Hong Kong quanto Macau (uma ex-colônia portuguesa, reintegrada à China em 1999) mantivessem um alto grau de autonomia administrativa em seus assuntos domésticos, incluindo finanças públicas, sistema judiciário, imigração, moeda, dentre outros aspectos.

Apesar do acordo garantir a existência da política de “um país, dois sistemas” por 50 anos, são cada vez mais claros os sinais de que Pequim tem a intenção de diminuir a autonomia das “Regiões Administrativas Especiais”. Xi Jinping, o Presidente da China, tem concentrado os poderes em suas mãos, eliminado as dissidências no Partido e já é considerado o governante chinês mais poderoso desde Deng Xiaoping. Ele planeja levar a China de volta a uma completa “reunificação nacional” que incluiria o retorno de Taiwan à soberania chinesa e, certamente, uma menor autonomia de Hong Kong e Macau.

Os protestos assustaram os governantes chineses e a chefe de governo de Hong Kong, Carrie Lang, fazendo-os voltar atrás, pelo menos momentaneamente. Certamente pesou na decisão a coincidência de datas. Em 4 de junho completaram-se 30 anos do massacre da Praça da Paz Celestial, ocorrido em 1989, em Pequim. Naquela oportunidade, milhares de estudantes, intelectuais e populares se concentravam na principal praça de Pequim, protestando por maior liberdade de expressão e mudanças políticas e econômicas. Os protestos foram violentamente reprimidos. O número de mortes é até hoje incerto, sendo que as piores estimativas chegam ao número de cerca de 2.500 vítimas.

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É certo que a situação econômica na China se modificou radicalmente de 1989 para os dias atuais. Em 1989 o PIB do país era de 456 bilhões de dólares. Em 2018, esta cifra havia se multiplicado trinta vezes, alcançando o valor de 13,6 trilhões de dólares. Logicamente, um crescimento econômico deste tamanho trouxe inúmeros benefícios para a população chinesa, especialmente para os habitantes das grandes cidades localizadas na porção leste do país, mais próxima da costa do Pacífico. Formou-se uma classe média vigorosa, que vive e pode oferecer uma qualidade de vida a seus filhos que era impensável na empobrecida China da década de 1980.

Mas a mudança dos paradigmas econômicos, que levou à substituição das teorias comunistas pelas práticas francamente capitalistas, essenciais para o desenvolvimento pretendido e alcançado, não foi acompanhada de uma abertura política. Liberdade de expressão, de reunião ou de manifestação, aspectos fundamentais e comezinhos nas democracias, ainda não são realidade na China. Pelo contrário. O que se assiste no atual governo é um acirramento dos controles exercidos pelo Estado. A internet no país é altamente controlada. Google, Facebook, YouTube, Instagram, WhatsApp, nenhum destes aplicativos onipresentes na vida diária dos cidadãos ocidentais está acessível em território chinês. O grande Firewall proíbe o acesso a diversos sites internacionais, especialmente os portais dos mais importantes veículos de comunicação. Mesmo os sites e aplicativos chineses sofrem severa censura do governo.

Foi a manutenção das liberdades individuais garantidas pela política do “Um país, dois sistemas” que levou os manifestantes às ruas em Hong Kong. E isto assusta as autoridades chinesas, que temem o efeito didático que tais protestos possam ter sobre os habitantes da China continental.

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Se atribui a James Carville, estrategista da campanha de Bill Clinton à presidência dos EUA, a expressão: “É a economia, estúpido!”. A frase sintetiza a importância que os cidadãos comuns atribuem à economia no seu cotidiano. Se ela estiver bem, tudo vai bem. Do contrário, a insatisfação com o governo crescerá rapidamente. Este raciocínio é aplicável aos chineses neste momento. A geração dos que têm mais de 50 anos ainda tem muito presente as lembranças da fome e da pobreza dos anos 1970. Mas hoje em dia eles olham ao seu redor e veem seus filhos em bons colégios, boas faculdades e bons empregos. Eles têm acesso a modernos bens de consumo e a bons hospitais. Reconhecem que progrediram e atribuem à condução do governo esse progresso.

O problema é a nova geração, que já nasceu nos anos de boom econômico. Estes não viveram os anos de pobreza e fome e podem não ter a mesma paciência quando vierem anos de dificuldades. Eles podem se perguntar por que deveriam se submeter a um regime de partido único, se este já não estiver levando a bons resultados econômicos. E podem querer começar a protestar…

 


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. Foi instrutor da ECEME. Realizou o Curso de Estudos de Defesa e Estratégia na Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China, entre 2015 e 2016. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br


 

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3 comentários

  1. Bem pensada a situação chinesa atual. Simples e conciso. Há tantos meandros a se saber para poder descrever a china atual, que acabaria por ser um assunto deveras longo e massivo.

    1. A China é complexa, e para ser entendida, é preciso analisar sob a ótica deles. Cultura diferente, milenar, forma de pensar diferente, enfim. Obrigado pelo comentário!

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