A Gênese do Nazismo e do Totalitarismo Comunista

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Por Reis Friede*


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Resumo

O objetivo principal que motivou a elaboração deste artigo, é fruto da possibilidade de se fazer uma análise crítica, no que tange as discussões referentes a concepção, compreensão e desenvolvimento do Nazismo e do totalitarismo enquanto teorias e práticas defendidas por uma política de Estado. Deve ser ressaltado que a ideologia política do Nazismo – ou do Nacional Socialismo como também era conhecida – surgiu dentro de um contexto histórico, cuja Alemanha se encontrava totalmente imersa em uma profunda crise, não só de caráter eminentemente econômico, como também moral, consequências, principalmente, de sua derrota na Primeira Guerra Mundial e da própria assinatura do chamado Tratado de Versalhes que imputava duras sanções a Alemanha, responsabilizando-a como a principal causadora desse conflito. Criada e defendida pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, NSDAP), o Nazismo foi um movimento ideológico, cujas bases se fundamentavam em uma ideia nacionalista e imperialista, acreditando-se, até então, na pretensa superioridade ariana em comparação a outros grupos étnicos. Nesse mesmo sentido, surgiria a ideia de um regime político totalitário. Com características igualmente nacionalistas, autoritárias, antidemocráticas e militaristas, é que na década de 20, o termo Totalitarismo apareceria com a finalidade de delinear conceitualmente o governo fascista italiano de Benito Mussolini. Assim sendo, a escolha de alguns dos principais teóricos atinentes a esta temática, servirão de base para tal explicação, e, concomitantemente compreensão da proposta apresentada neste trabalho.

Palavras-chave: Nazismo; Totalitarismo; Luta de Classes; ideologias; Nacionalismo; Autoritarismo.

Abstract

The main objective that led to the elaboration of this article is the result of the possibility of a critical analysis regarding the discussions concerning the conception, understanding and development of Nazism and of totalitarianism as theories and practices defended by a State policy. It should be emphasized that the political ideology of Nazism – or of National Socialism as it was also known – arose within a historical context, whose Germany was totally immersed in a profound crisis, not only of an eminently economic character, but also of moral consequences, mainly due to its defeat in World War I and to the very signature of the so-called Treaty of Versailles, which imputed harsh sanctions against Germany, blaming it as the main cause of this conflict. Created and defended by the National Socialist Party of German Workers (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, NSDAP), Nazism was an ideological movement, whose foundations were based on a nationalist and imperialist idea, believing until then in the alleged Aryan superiority in comparison to other ethnic groups. In the same vein, the idea of a totalitarian political regime would emerge. With equally nationalist, authoritarian, antidemocratic and militaristic characteristics, is that in the 1920s, the term Totalitarianism would appear with the aim of conceptually delineating the Italian Fascist government of Benito Mussolini. Therefore, the choice of some of the main theoreticians related to this theme will serve as a basis for such an explanation, and, at the same time, an understanding of the proposal presented in this paper.

Keywords: Nazism; Totalitarianism; Class struggle; Ideologies; Nationalism; Authoritarianism.

Introdução

A gênese do nazismo remonta, sobretudo, às ideias do movimento conhecido por polilogismo, cujo maior expoente foi LUDWIG VON MISES (1881-1973), aluno e crítico de KARL MARX (1818-1883)¹.

Não é por outra razão, portanto, que a inspiração do movimento de extrema-direita (curiosamente) possui nítida e reconhecida inspiração nas ideias totalitárias do marxismo e na própria visão funcional-instrumentalista do Estado, ainda que, neste último tópico, orientada de forma um pouco mais distante das propostas por MARX e ENGELS e mais aproximada das ideias (fundamentais) de HOBBES².

É importante assinalar que MARX e ENGELS foram os (mais autênticos) predecessores do totalitarismo, ao escreverem, em 1849 e 1851, após a chamada Primavera dos Povos (1848), suas teses sobre a necessidade de extermínio das sociedades primitivas (bascos, bretões, escoceses, sérvios, etc) que, por encontrarem-se (em seus particulares pontos-de-vista) dois períodos atrasados na luta histórica pela revolução, constituíam-se, na ótica (sobretudo) de MARX, no “lixo racial” europeu.

A propósito, segundo MARX, “as classes e as raças, muito fracas para enfrentar as novas condições sociais, devem (simplesmente) retirar-se” (KARL MARX; Marx People’s Paper, 16 abr. 1851), razão pela qual “elas devem perecer no Holocausto Revolucionário” (cf. Journal of The History of Ideas, vol. 42, nº 1, 1981).

A partir das doutrinas de MARX e ENGELS, LÊNIN estabeleceu as bases ideológicas do primeiro país comunista do mundo, premissas que, pela relativa identidade concepcional, acabaram por inspirar ADOLF HITLER, cuja comparação com LÊNIN foi feita (nada mais, nada menos do que) pelo próprio Ministro da Propaganda do III Reich, JOSEPH GOEBBELS, que, à época, teria expressamente afirmado que LÊNIN seria o mais ilustre dos homens, atrás apenas do próprio HITLER.

KARL POPPER (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Belo Horizonte, Itatiaia, 1987, ps. 69-88) leciona, com mérita propriedade (e de forma bastante incisiva), que STALIN teria sido “gerado” por MARX. Na quadra atual, tal afirmação encontra (reconhecido) eco em PIERRE RIGOULOT, Diretor do Instituto de História Social, Paris, França, o qual, em artigo (O Totalitarismo Estava em Germe na Obra de MARX) publicado no Le Figaro, edição de 14 de janeiro de 2016, textualmente afirma que o pensamento de MARX pode ser entendido como a gênese verdadeira (e ampla) do totalitarismo, independentemente de suas pertinentes variantes. Para tanto, RIGOULOT, analisando o livro de ANDRÉ SENIK, (O Manifesto do Partido Comunista aos Olhos da História), em síntese, anota o elemento primaz e originário do totalitarismo, verbis:

“A obra de MARX, de fato, preconiza conceder o monopólio do poder político ao Partido Comunista, detentor de um conhecimento absoluto sobre a história e conferir ao Estado todos os meios coercitivos necessários para fazer triunfar suas ideias e controlar todas as atividades econômicas, aspectos que SENIK entende como sendo ‘os elementos necessários para o estabelecimento de um Estado totalitário’”.

Dentro desse contexto, resta cediço não somente reconhecer, mas, acima de tudo (interessante), registrar a perfeita sintonia existente entre nazismo e comunismo, formas irrefutáveis de totalitarismo, assim retratadas por JOSÉ JOÃO NEVES BARBOSA VICENTE (Totalitarismo, Educação e Justiça: uma Abordagem Filosófica, Bahia, UFRB Editora, 2012):

“Nazismo e comunismo são classificados em Origens do Totalitarismo como as duas versões de um mesmo fenômeno: o totalitarismo. […].

[…] o Comunismo não foi diferente do Nazismo que, logo de início, fez questão de tirar a máscara. Os dois regimes compartilharam, com efeito, o mesmo modo de funcionamento totalitário: sozinhos, dominaram o Estado, a sociedade civil, as igrejas, o sistema econômico, a vida social, e tomaram o cidadão como indivíduo fundido na massa que comunga coletivamente no culto ao Chefe e na obediência sem reservas ao partido. […].

O Comunismo não escravizava, não deportava e nem executava em nome da força e da raça, mas, escravizava, deportava e executava em nome do conceito e da classe. Portanto, […], não havia diferença entre esse regime e o regime nazista. Repousou sobre uma necessidade: arrancar todas as raízes da ordem existente destruir-lhes os fundamentos.

Para o comunismo era necessário arrasar todos os sustentáculos do mundo antigo, para construir o novo. A morte rondava na revolução marxista a partir do momento em que sua filosofia da vida transferiu toda a energia e toda a astúcia da razão para o lado da destruição a fim de chegar ao seu objetivo supremo: uma humanidade reconciliada abstratamente consigo mesma sobre os cadáveres dos homens reais carregados com indiferença pelo curso da História”.

A identidade acima pode ser corroborada a partir de outros dados, tais como: forte propaganda estatal, implacável perseguição aos opositores do regime, extermínio em massa, detenção em campos de concentração e xenofobia. Além disso, tanto o marxismo quanto o nazismo pretendiam criar o homem perfeito, conforme explica a professora de História Contemporânea da Universidade de Paris-Sorbonne, FRANÇOISE THOM, para quem ambas as ideologias pretenderam conceber um novo homem, travando, para tanto, uma guerra com a própria natureza humana: “os nazistas têm uma ideologia baseada numa falsa biologia, e o comunismo é fundamentado numa falsa sociologia, mas ambos os sistemas têm a ambição de serem científicos, apoiados em bases científicas”.

Desenvolvimento

STALIN, fruto do marxismo e um dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, é sabidamente um dos maiores criminosos da história. Entre tantas atrocidades cometidas por ele, cabe mencionar o evento que ficou conhecido como Holodomor (Fome na Ucrânia), ocorrido, sobretudo, em 1933, quando cerca de 7 milhões de pessoas (correspondentes a 25% da população local) morreram em decorrência de fome, fuzilamento, tortura, imigração forçada, entre outros eficientes e macabros métodos de extermínio (JANE SPRINGER; Genocide: a Groundwork Guides, Toronto, Berkeley, 2006, ps. 120-125), sendo certo que os mais recentes documentos russos, tornados públicos (cf. A Verdadeira História Soviética) contabilizam os seguintes números adicionais de mortes na Ucrânia: 1929 (538.700), 1930 (538.100), 1937 (514.700), 1932 (668.200) e 1934 (483.000) que, adicionadas as 7 milhões em 1933, totalizam a estratosférica quantidade de quase 10 milhões de mortes.

Tal dado nos permite afirmar que o Holodomor foi um dos maiores programas de extermínio em massa da história mundial, embora o elenco de barbáries cometidas por STALIN (e reveladas por NIKITA KHRUSHCHOV, no famoso Discurso Secreto, realizado no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956) seja repleto de outras atrocidades, tais como o Grande Expurgo (1937-1938), extermínio em massa que causou a morte de milhões de vítimas (criminosos, membros de comunidades religiosas, kulaks, opositores do regime, etc). Em A Verdade sobre STALIN (2013), JO PIRES-O’BRIEN traça o seguinte panorama a respeito do totalitarismo stalinista:

“STALIN introduziu um regime de repressão sem precedência, caracterizado pela proibição religiosa, prisões arbitrárias, julgamentos de fachada, execuções em massa e campos de trabalhos forçados. O exílio de TROTSKY, em 1929, foi o primeiro sinal que os ocidentais receberam de que as coisas na União Soviética não estavam indo conforme o esperado. Refugiados russos que chegavam às dezenas na França trouxeram informações frescas sobre as atrocidades de STALIN. Alguns intelectuais resolveram ir à União Soviética para checar por si próprios a situação, como o francês ANDRE GIDE e o americano EDMUND WILSON. Quando retornaram, GIDE informou que STALIN havia violado todas as regras da revolução socialista e WILSON admitiu que, em termos de democracia, a situação na União Soviética era pior do que na época do Czar”.

Nota-se, portanto, que o nacional-socialismo (ou capitalismo nacional intervencionista, segundo alguns autores) e o socialismo soviético (comunismo) possuem muito em comum, mormente quanto à base ideológica (o marxismo), além de terem, ambos, sucumbido (enquanto modelo) e deixado (um inacreditável rastro de) milhões de vítimas nos anais da história mundial.

“A ideologia totalitária do comunismo serviu de base ao nacional-socialismo, como confessou HITLER diversas vezes, unidos pelo retorno ao primitivismo da natureza, ao estado de barbárie e de animalidade, como enfatizaram MARX, ENGELS e HEIDEGGER”. (JOÃO RICARDO MODERNO; Universidade Pública e Barbárie, O Globo, 09/05/2018, p. 15)

Ainda assim, resta incontestável que o fundador primaz do nazismo foi ALFRED ROSENBERG, um dos fundadores do partido alemão dos Trabalhadores em que ADOLF HITLER se infiltrou quando ainda veterano cabo do exército alemão, durante a Primeira Guerra Mundial.

ALFRED ROSENBERG (1893-1946) nasceu na Estônia e foi educado em Moscou, e era alemão apenas por parte de mãe, tendo sido refugiado da Revolução Russa de 1917, compartilhando, desta feita, ao lado de seus novos amigos alemães, o ódio pelos judeus e pelos bolcheviques.

O próprio ADOLF HITLER sempre considerou ROSENBERG como o pai do nacional-socialismo e autor dos conceitos de Lebensraum (O Espaço Vital) e da supremacia da raça ariana, e irradiador do ódio à arte moderna, aos homossexuais e aos judeus, reproduzindo, em grande medida, o próprio antissemitismo que já era (simplesmente) virulento no leste europeu.

O Tribunal de Nuremberg reconheceu (inclusive, a seu tempo) sua importância e ROSENBERG foi executado em 1946. Seu livro, O Mito do Século XX (inclusive, a seu tempo) e Minha Luta, de HITLER, figuram lado a lado como os tomos sagrados do nazismo. Os diários de ROSENBERG, encontrados em 2013, permitiram que dois livros a respeito do pensador nazista fossem lançados, iluminando, ainda mais, as origens e a própria síntese do momento em questão: a biografia O Diário do Diabo, dos americanos ROBERT K. WTTMAN e DAVID KINNEY e Os Diários de Alfred Rosenberg, organizado pelos acadêmicos alemães JÜRGEN MATTHAUS, diretor do Holocaust Memorial Museum, em Washington, e FRANK BAHJOR, diretor do Centro de Estudos do Holocausto do Instituto de História Contemporânea, em Munique.

Curioso observar que um dos principais contrapontos à “obra ideológica” do nazismo (ainda que historicamente anterior na cronologia temporal), ou seja, o Estado liberal (concebendo o ideário do “Estado mínimo” ou, em outros termos, a noção da “mínima ingerência do Estado na vida privada do cidadão”), defendido, sobretudo, por ALEXIS DE TOCQUEVILLE (1805-1859), teórico celebrado em razão de sua clássica obra, Da Democracia na América (1835), – em que preconizava, em linhas gerais, ser esse modelo de Estado o apogeu da democracia: “Democracia é como a maré alta; recua apenas para retornar com mais vigor e logo se torna evidente que, apesar de todas as flutuações, a maré sempre ganha terreno” (ALEXIS DE TOCQUEVILLE apud REIS FRIEDE; Curso de Ciências Políticas e Teoria Geral do Estado: Teoria Constitucional e Relações Internacionais, 5ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos Editora, 2013) –, acabou por forjar uma imagem que nos conduziu a pensar que a democracia, apesar de eventuais percalços autoritários, tocaria os indivíduos organizados em um Estado, na medida em que o ideário da liberdade, (como na analogia aludida na citação em destaque) espalhar-se-ia, sem pedir licença, atraída por uma espécie de ponto gravitacional, alcançando a todos os que estão cingidos ao seu raio. Daí, exatamente, sua conclusão de que a democracia, assim como a maré, apesar das (inerentes) flutuações, conquista (vitoriosamente) sempre terreno.

Nesse sentido, vale lembrar que RAYMOND ARON (Les Étapes de La Pensée Sociologique, Paris, Gallimard, 1967, p. 18), a propósito do pensamento liberal de TOCQUEVILLE, consignou expressamente que o estudioso “não foi cooptado nem pela direita, nem pela esquerda”, permanecendo (sempre e coerentemente) imparcial. A democracia, conforme já mencionado, apresentava-se para ele como algo irreversível, em razão da igualdade, sobretudo, em relação à efetiva possibilidade de se organizar (isonômicas e justas) condições materiais.

Os estudos de TOCQUEVILLE diferem da obra de KARL MARX, fundamentalmente por privilegiar o fator político (democracia) sobre os de natureza econômica e social. Sua grande conclusão, fruto de suas constantes indagações, resumiu-se em afirmar (e tentar explicar) porque é que na América a sociedade democrática é de reconhecido e aplaudido cunho liberal e porque, ao reverso, a França, outro bastião da democracia, tem tanta dificuldade em manter um regime político de liberdade.

Mas o relativo insucesso econômico do Estado liberal em prover, em contraposição, de forma mais imediata, os consideráveis e urgentes anseios das classes menos favorecidas, acabou por tornar sensivelmente sedutoras as esdrúxulas teses político-totalitárias que, no contexto econômico, sinalizavam no sentido de permitir um rápido (e amplamente desejável, ainda que utópico) desenvolvimento social, com vigorosa ampliação das bases econômicas por meio de um rígido controle estatal de cunho participativo (comunismo) ou intervencionista (nazifacismo).

Sob este viés, as mais sedutoras teses políticas foram concebidas (sobretudo em termos práticos e efetivos), permitindo a implantação das mais brutais ditaduras políticas no início do século XX, notadamente ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1918), na Rússia Soviética (1917) e, posteriormente, na Itália e na Alemanha (respectivamente nos inícios das décadas de 20 e 30), ensejando, em grande parte, os acontecimentos históricos que desencadearam a Segunda Grande Guerra (1939-1945).

Embora o segundo grande conflito mundial tenha, ao final (e em grande medida), consagrado a vitória da concepção do Estado liberal, ainda que com uma nova feição Keynesiana (ou Neoliberal), capitaneada pelas forças angloamericanas, a concepção ideológico-totalitária de matiz comunista foi, em grande parte, reafirmada como (artificialmente) legítima, ancorada pelo efetivo poder militar da potência soviética e também pelo próprio desastre econômico ensejado pelo mais importante confronto bélico mundial. Tal conflito, – o mais importante acontecimento global da história da humanidade –, ceifou a vida de aproximadamente 70 milhões de pessoas e atingiu, direta ou indiretamente, mais de 200 milhões de indivíduos, envolvendo (diretamente) mais de 30 países (e indiretamente mais de 60 nações), sendo que os principais contendores colocaram toda sua capacidade científica, econômica e industrial voltada para o esforço de guerra, apagando pela primeira vez, em grande escala, as diferenças entre recursos civis e militares.

Não obstante a relativa monopolaridade estadunidense, nascida das cinzas da Segunda Grande Guerra, – em que os EUA despontaram com 53% do PIB mundial e o monopólio dos arsenais nucleares –, um despreparado presidente, HARRY S. TRUMAN (1945-1953), permitiu, em grande medida, o surgimento de um novo conflito global, de nova natureza, conhecido como Guerra Fria, que representou, no campo político, uma nova confrontação, com feições de diferentes (e inéditos) espectros bipolares, entre o Estado liberal (ou neoliberal) e o Estado totalitário de feição comunista, que muito contribuíram para o ressurgimento de contrapontos (ainda que secundários) autoritários de feição direitista, muitas vezes incentivada e patrocinada pelo Estado liberal democrático norte-americano, como uma forma mais imediata (e viável) de reação à expansão totalitária de feição comunista.

Neste período posterior à Segunda Guerra Mundial, não mais surgiram no mundo Estados totalitários de direita, a exemplo da Alemanha Nazista e da Itália Fascista, mas, sim, Estados autoritários de direita, por questões de inequívoca (e necessária) conveniência e oportunidade histórica, sendo implantados e/ou apoiados pelos interesses liberais norte-americanos, que, paradoxalmente, repudiam (pelo menos, em tese) toda e qualquer concepção político-ideológica de feição totalitária (e mesmo autoritária), ou seja, não liberal.

A contribuição de MAX WEBER (1864-1920), – que, em linhas gerais, defendia uma visão aristocrática da democracia, concebida, neste sentido, apenas e tão somente como um sistema de escolha da classe política dirigente, sem qualquer viés participativo nos rumos do Estado –, também não pode ser esquecida (e muito menos negligenciada) na formação (e, sobretudo, afirmação existencial) do nazismo. Contextualizando o momento em que WEBER desenvolveu tal arcabouço teórico, RICARDO BORGES GAMA NETO (Minimalismo Schumpeteriano, Teoria Econômica da Democracia e Escolha Racional, Revista Sociologia Política, 2011) aduz que:

“A partir da I Guerra Mundial instalou-se um forte ceticismo em relação à política democrática. MAX WEBER foi o pensador social cuja obra melhor identificou esse sentimento, tornando-se o principal referencial das teorias que criticam a ideia da democracia como forma de deliberação da vontade popular”.

Nesse diapasão analítico, segundo a ótica do pensador alemão, a participação popular deveria se restringir (única e exclusivamente) ao sufrágio universal: a eleição do governante. Este, uma vez eleito, não estaria obrigado (necessariamente) a permitir qualquer participação popular na condução da coisa pública.

O processo eleitoral weberiano, nas palavras de PATRÍCIA CASTRO MATTOS (Direito e Política: As Visões de WEBER e HABERMAS, 2000, p. 84), nada mais seria do que uma forma de “aclamação periódica que confirma o carisma do líder escolhido”, ou seja, “a participação das massas é importante na escolha dos líderes enquanto mais um fator de seleção de homens hábeis para conduzir a nação”. Com efeito, do modelo elitista de democracia concebido por WEBER é possível extrair a seguinte característica fundamental que, com grande peso, reforçou as teses totalitárias do nazismo: o conceito de soberania popular encontra-se umbilicalmente limitado ao momento do pleito eleitoral.

Conforme explica RAYMOND ARON (As Etapas do Pensamento Sociológico, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 501), MAX WEBER “foi um nacional-liberal, mas não propriamente um liberal no sentido norte-americano”. Para WEBER, segundo ARON, acima de tudo estavam a grandeza da nação e o poder do Estado, vertentes idearias que também abasteceram o arcabouço ideológico do nazismo.

Consoante anota MANOEL ADAM LACAYO VALENTE (Democracia em Max Weber, 2004, p. 150):

“A perspectiva weberiana de democracia contemplava a valorização do parlamento como o celeiro natural de lideranças políticas e a necessidade da existência de um líder governamental carismático que, contrapondo-se ao poder da burocracia estatal, controlando-a, seria o condutor das (verdadeiras e genéricas) aspirações nacionais”.

É nítida, portanto, a relação existente entre as premissas elitistas/carismáticas de WEBER e a influência por ele exercida sobre HITLER e as bases do nazismo.

Segundo afirma IAN KERSHAW (HITLER, um Perfil do Poder, 1993, p. 18), “uma chave para a compreensão da expansão gradativa do poder de HITLER pode ser encontrada em outro conceito de MAX WEBER: o de dominação carismática”. E prossegue KERSHAW, aduzindo que “embora MAX WEBER tenha escrito antes do aparecimento de HITLER no cenário político”, tal conceito “tem implicações (incontestáveis) relativas às origens e ao exercício do poder de HITLER”.

Finalmente, para uma completa compreensão da gênese do nazismo, também se faz necessário registrar uma síntese do pensamento de ROBERT MICHELS (1876-1936), um brilhante discípulo e amigo pessoal de MAX WEBER. Na obra Sociologia dos Partidos Políticos, editada pela primeira vez em 1911, o sociólogo alemão, a partir do estudo do Partido Social Democrata Alemão, analisa a relação existente entre democracia e organização partidária. MICHELS concebe a denominada Lei de Ferro da Oligarquia, nela defendendo que os partidos políticos, da mesma forma como acontece com outras organizações, possuem uma tendência inevitável para a oligarquia, a burocracia e o autoritarismo.

Com efeito, quanto mais determinada organização se desenvolve e se burocratiza, maior é a concentração de poder nas mãos de um reduzido número de pessoas dotadas de posição de destaque (os dirigentes). Em suma, na concepção de MICHELS, os partidos políticos, mesmo os de feição (originária) democrática, acabam por se transformar em organizações oligárquicas, nas quais se observa o monopólio das decisões por um pequeno grupo de pessoas; ou seja, o poder decisório deixa de estar nas mãos das massas, passando a ficar cada vez mais concentrado nas dos dirigentes.

Tal fenômeno é explicado da seguinte forma por PEDRO FLORIANO RIBEIRO:

“Uma reduzida elite dirigente tende a concentrar os poderes dentro da organização, confiscando a iniciativa e a participação dos militantes e autonomizando-se em relação ao estante do organismo partidário. Essa autonomia será tanto maior quanto mais os chefes consigam desenvolver aquele que é o maior recurso do poder elitista: a centralização burocrática, ou seja, a concentração da estrutura decisória nas mãos de poucos funcionários e dirigentes remunerados pela máquina. A remuneração de dirigentes e funcionários com dedicação exclusiva é a principal estratégia para essa centralização burocrática, e a elite terá mais força e autonomia internas quanto mais a máquina partidária se expanda e se complexifique”. (ROBERT MICHELS e a Oligarquia do Partido dos Trabalhadores, 2009, p. 124)

A partir das características gerais apresentadas por MICHELS quanto à Lei de Ferro da Oligarquia, extrai-se que os partidos políticos, uma vez alcançado o poder, focam-se no crescimento do próprio aparelho partidário, de modo que a organização passa a ser um fim em si mesmo.

Por conseguinte, segundo MARIA DO SOCORRO SOUSA BRAGA, Professora da Universidade de São Paulo:

“De acordo com as reflexões de MICHELS acerca dos partidos políticos iniciais, emergentes na virada do século XX, a ausência de democracia interna nesses organismos teria sérias implicações sobre a própria existência do regime democrático”. (Democracia e Organização nos Partidos Políticos: Revisitando os Microfundamentos de MICHELS, Revista de Sociologia e Política, 2012, p. 94)

PEDRO FLORIANO RIBEIRO (Realismo e Utopia em ROBERT MICHELS, Revista Sociologia Política, 2012, p. 45) explica, desta feita, como o pensador alemão acabou, com suas concepções, legitimando o fascismo e, de certa forma, o próprio nazismo:

“A conclusão central de Sociologia dos Partidos Políticos é bastante pessimista: a democracia, enquanto capacidade de concretização efetiva da vontade popular nas decisões coletivas, é um fenômeno irrealizável. Além de ROUSSEAU, MICHELS …] evoca, nas páginas finais do livro, MOSCA e PARETO para afirmar que, em última instância, continua válido o princípio segundo o qual a maioria é sempre governada por uma minoria reduzida. No entanto, centelhas de otimismo também despontam ali, quando afirma (a partir de ROUSSEAU e CONSIDÉRANT) que a educação política das massas pode aliviar as tendências à oligarquização, ao fornecer instrumentos para um controle mais efetivo sobre os representantes […], e quando sustenta que, ainda que impossível, a democracia deve ser incessantemente buscada: ‘A tarefa de cada indivíduo terá que ser então a do homem que escava à procura de um tesouro que o pai, no leito de morte, lhe indicou. O tesouro, na verdade, não pode ser achado, mas o trabalho que o filho coloca na busca torna o terreno mais fértil. São apenas esses os frutos que dará a busca da democracia. […] Não se podem iludir as desvantagens imanentes da democracia. E, contudo, no plano formal, a democracia é o mal menor’ […]. Em sua busca pessoal pelo tesouro democrático, no entanto, MICHELS escolheria tomar um atalho, que o levaria ao totalitarismo fascista”.

A relação de MICHELS com o fascismo de MUSSOLINI³ é bem resumida por ANTÓNIO DE ARAÚJO (MICHELS revisitado: a Propósito de Dois Livros Recentes, Análise Social, 2003, ps. 1275-1276):

“Ao contrário do que sucede com outros intelectuais (HEIDEGGER, SCHMITT, PARETO), não existe propriamente um «caso MICHELS»: o seu compromisso com o fascismo é de tal forma profundo que ninguém se atreve a negar a sua existência. ROBERT MICHELS aderiu ao Partido Nacional Fascista em 1923 e, cinco anos mais tarde, aceitou o cargo de professor de Ciência Política na Universidade de Perugia, uma das três universidades criadas por MUSSOLINI para combater a falta de estudos políticos em Itália (mas que, na realidade, se destinavam à formação de quadros fascistas). Exaltou o fascismo em diversos escritos e viu no duce a encarnação do modelo weberiano do líder carismático. É indubitável que a sua teoria das elites contribuiu para legitimar o domínio de MUSSOLINI.

Considerações finais

Vale, por fim, registrar que ROBERT MICHELS foi um dos principais expoentes do movimento positivo denominado “Elitistas” que, em relativo contraponto a um certo “pessimismo” de WEBER, – mas, ao mesmo tempo, complementando em determinada medida, as concepções ideológicas weberianas –, consagrou a tese da viabilidade prática de um suposto regime democrático, através da eleição popular de um verdadeiro líder carismático, o que permitiu, – na concepção hitleriana (até mesmo mais do que no regime de MUSSOLINI ao qual efetivamente serviu) – a pretensa ideia de se tratar de uma autêntica forma democrática de regime político.

Por efeito conclusivo, vale, em epílogo, destacar que não se deve em nenhuma hipótese (e sob a égide que qualquer linha afirmativa minimamente válida) subestimar a complexidade da origem do nazismo (e, consequentemente, do necessário aprofundamento do estudo relativo a esta importantíssima variante do totalitarismo), sob pena de se incorrer na sempre condenável preponderância das análises (exclusivamente) históricas que, invariavelmente, conduzem a conclusões não somente inexatas e imprecisas, mas, acima de tudo, a inferências absolutamente incorretas, que, em última análise, permitem equívocos que conduzem, por seu turno, a efetivos prejuízos na construção do futuro da humanidade e da correspondente superioridade dos valores (supremos) da dignidade do gênero humano.

Notas Complementares

1 Karl Marx

Segundo KARL MARX (1818-1883), pensador alemão, o desenvolvimento da sociedade dá-se por meio da denominada luta de classes, marcada por um conflito envolvendo a classe detentora dos chamados meios de produção (classe dominante) e a que fornece a mão de obra indispensável para tal sistema (classe trabalhadora). Assim, para MARX, é justamente através da sociedade que seria possível compreender o aparecimento do Estado. Este, sendo criação daquela, atuaria como uma ferramenta destinada a assegurar as bases nas quais a sociedade civil encontra-se fundada. No Manifesto Comunista (1848), escrita por MARX e FRIEDERICH ENGELS, está dito: “Em sentido próprio, o poder político é poder organizado de uma classe para opressão de outra”.

Com efeito, segundo tal visão, o denominado Estado Burguês teria a função de assegurar o domínio do capital sobre o trabalho. Assim, na concepção marxista, o Estado seria, simultaneamente, parte integrante das relações capitalistas de produção e seu respectivo mecanismo de tutela.

Para MARX, o Estado integra a (por ele) denominada superestrutura destinada a regular a sociedade, sendo ele mesmo (o Estado) fruto da luta de classes, quando, na verdade, deveria estar acima de tal conflito. MARX afirma, ainda, que o Estado, enquanto instrumento da classe dirigente, cumpriria o propósito de garantir a hegemonia desta sobre as demais.

A respeito de tal característica conferida por MARX ao Estado, discorre TERRY EAGLETON:

“MARX nem sempre adotou um ponto de vista tão vigorosamente instrumentalista do Estado em suas análises detalhadas de conflitos de classe; mas estava convencido de que sua verdade, por assim dizer, está fora de si mesma, e além do mais o vê por si só uma forma de alienação. Cada cidadão individual alienou ao Estado parte de seus poderes individuais, que assumem então uma força determinante sobre a existência social e econômica cotidiana, que MARX chama ‘sociedade civil’. A genuína democracia socialista, em contraste, reuniria estas partes gerais e individuais de nós mesmos, permitindo-nos participar de processos políticos gerais como indivíduos concretamente particulares, no local de trabalho, assim como na comunidade local, por exemplo, em vez de cidadãos abstratos da democracia representativa liberal. A visão final de MARX parece assim algo anarquista: a de uma comunidade cooperativa formada pelo que denomina ‘associações livres’ de trabalhadores, que estenderiam a democracia à esfera econômica enquanto fazem dela uma realidade na esfera política”. (TERRY EAGLETON; Marx e a Liberdade, São Paulo, UNESP, 1999, p. 52).

Nota-se que MARX confere ao Estado um viés instrumental, arquitetando-o como uma ferramenta à disposição da classe dominante, da qual esta se serviria para a concretização de seus próprios interesses (e não do interesse público).

Vale destacar que, a título de comparação com o pensamento de HOBBES, o advento do Estado, na concepção de MARX, não pôs fim ao estado de guerra (luta de todos contra todos) característico da sociedade natural daquele pensador inglês, mas, ao reverso, perpetua tal condição, tornando-a permanente.

2 Thomas Hobbes

THOMAS HOBBES (1588-1679), pensador inglês e integrante da corrente contratualista, afirmava que a condição humana seria, por natureza, agressiva e egoísta, asseverando, ainda, que o homem, sem um poder forte o suficiente para lhe impor limites, atuaria como “lobo do próprio homem”, prevalecendo, neste estado de guerra, a insegurança. Os mais fortes, por sua vez, tenderiam a subjugar os mais fracos. Para evitar que isto ocorresse, haveria a necessidade da figura de um soberano, a quem se conferiria um poder ilimitado.

HOBBES, então, concebe o denominado pacto social como a única alternativa que permitiria que os indivíduos saíssem do estado de guerra (de todos contra todos) no qual, segundo a visão hobbesiana, naturalmente se encontram. Através de tal pacto haveria a transferência do direito de agir ao soberano, possibilitando, na visão de HOBBES, a preservação do homem.

Diante desse quadro, a função do soberano seria justamente assegurar o cumprimento do pacto social, garantindo paz e segurança aos indivíduos. Para tanto, HOBBES defende que o mesmo não deve estar subordinado a quem quer que seja, pois só assim seria capaz de conter os interesses particulares em prol do interesse geral.

Conforme assevera REINALDO DIAS (Ciência Política, São Paulo, Atlas, 2010, p. 68), “a submissão absoluta é o preço que devem pagar os súditos ao soberano por lhes haver salvado de seu destrutivo estado em que se encontravam”.

O pensamento político de THOMAS HOBBES, como se observa nitidamente, buscava fundamentar o poder absoluto do rei. Vale dizer, o resultado institucional do aludido pacto social seria o Estado Absolutista.

3 Benito Mussolini

Consoante lições de CARLOS LORCH (Revista da Força Aérea, no 107, Editora Action, Rio de Janeiro, ago 2017, ps. 66/67), “BENITO AMILCARE ANDREA MUSSOLINI nasceu em Dovia di Predappio, um pequeno vilarejo na província de Forli, na região conhecida como Romagna, em 29 de julho de 1883. Seu pai, ALESSANDRO, era um pedreiro com forte convicção socialista, e sua mãe, ROSA, uma professora ardentemente católica. BENITO, o mais velho de três filhos, acabou iniciando a vida como professor, em 1901. Dez anos mais tarde, seguindo os passos do pai, passou a ser um importante membro do Partido Socialista Italiano, onde militou com entusiasmo até a chegada da Primeira Guerra Mundial, quando, desiludido pela postura do partido de não apoiar a entrada da Itália no conflito, foi dele expulso, mudando radicalmente suas convicções políticas, até que, em 1914, fundou o Partido Fascista Italiano, de ideias diametralmente opostas.

Durante a Guerra, serviu no Real Exército Italiano chegando a ser ferido por estilhaços de uma granada, e mais tarde, por um obus que explodiu dentro de sua trincheira. Em março de 1919, reorganizou o partido fascista, que inicialmente contava com apenas 200 membros. Mas, já na noite de 27 de outubro de 1922, mais de 30.000 ‘camisas negras’, como eram chamados por seus uniformes característicos, realizaram uma Marcha Sobre Roma para pedir o fim do governo da ocasião, bem como a ascensão de um novo governo fascista ao poder. Na manhã seguinte à marcha, o rei VITOR EMMANUEL III pediu a MUSSOLINI que formasse um novo governo. Como primeiro-ministro escolhido pelo rei, MUSSOLINI foi aos poucos transformando a Itália num Estado totalitário sobre o qual governava soberano sob a alcunha de IL DUCE (o líder supremo). Diversas aventuras militares contra a Grécia e a Albânia e no norte e no nordeste da África se provaram sucessos militares, nem que para lográ-los a Itália tenha praticamente imposto um genocídio na Líbia em campos de trabalho forçados na Cirenaica/Líbia, entre outras barbáries contra as populações daqueles países. Em casa, MUSSOLINI acabou com praticamente todas as liberdades civis, eliminando um a um os seus rivais políticos e tornando-se o dono absoluto do país.

No final dos anos 1930, e com a situação geopolítica se deteriorando rapidamente na Europa, MUSSOLINI fez tudo o que pôde para retardar uma guerra generalizada até pelo menos o ano de 1942, uma vez que tinha absoluta convicção de que a Itália não se encontrava preparada para enfrentar os outros poderes do continente. Isto não significa que não manteve o país ativo militarmente tanto nas colônias africanas como em apoio ao General FRANCISCO FRANCO na Guerra Civil Espanhola. Mas as coisas se precipitaram quando, em 1º de setembro de 1939, tropas alemãs invadiram a Polônia, o que resultou numa declaração de guerra da França e da Grã-Bretanha a HITLER. Em 10 de junho do ano seguinte, temendo perder a oportunidade de anexar territórios franceses à Itália, uma vez que aquele país estava praticamente aniquilado pela moderna força do Blitzkrieg alemão, MUSSOLINI entrou no conflito ao lado da Alemanha Nazista. Sua estratégia era a de se concentrar no continente africano, onde seu país possuía expressiva superioridade numérica frente aos britânicos seus súditos das colônias de além-mar. Três meses mais tarde, mesmo após reveses no norte da África, tropas italianas cruzaram a fronteira entre a Líbia e o Egito abrindo a Campanha do Deserto Ocidental, um avanço inicialmente produtivo até que as forças de combate tiveram que parar o ataque e esperar a chegada de seus suprimentos no oásis de Sidi Barrani. Em outubro de 1940, um Corpo Expedicionário Aéreo foi enviado para bases na Bélgica, de onde a Regia Aeronautica lançou missões contra a Inglaterra, na campanha que viria a ser chamada de Batalha da Grã-Bretanha. Em outubro de 1941, forças italianas atacaram a Grécia, inicialmente com sucesso, mas em seguida vendo aquela expedição se transformar num enorme desastre, que resultaria na perda de um quarto da Albânia anteriormente conquistada. No verão daquele mesmo ano, tropas italianas apoiaram os alemães na invasão à Rússia, e assim como acabou ocorrendo com aquele país aliado, a campanha foi um enorme fracasso. O ataque japonês a Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, acabaria também por instaurar o estado de beligerância entre a Itália de MUSSOLINI e os Estados Unidos. Uma nova realidade que traria grandes preocupações ao Eixo.

No início do ano seguinte, a situação do ditador italiano já se mostrava insustentável. Depois da derrota em El Alamein, no Egito, em outubro e novembro de 1942, as forças do Eixo no Deserto Ocidental foram paulatinamente empurradas pelos ingleses na direção da Tunísia, onde seriam finalmente derrotadas no início de 1943. O crescente número de baixas italianas na campanha da Rússia tornara-a também enormemente impopular. Finalmente, com os desembarques da Operação Husky, na Sicília, levada a cabo entre julho e agosto de 1943, não restavam mais dúvidas de que a bota italiana em breve seria invadida pelos Aliados.

A superioridade aérea sobre a Itália já há muito fora tomada pelo inimigo, que bombardeava fábricas, concentrações de tropas, usinas de energia e de refino de petróleo, entroncamentos rodoviários e ferroviários e outros alvos estratégicos, causando o desaparecimento de matérias-primas fundamentais como o carvão, o petróleo e os alimentos. Nascia nas ruas um poderoso mercado negro e a máquina de propaganda fascista não conseguia mais convencer os italianos dos benefícios do regime. Greves de trabalhadores se seguiram e logo qualquer apoio popular ao DUCE se esvaía. A forte presença de tropas alemãs na Itália tampouco ajudava, pois à medida que os italianos comuns voltavam suas esperanças para a chegada dos Aliados, aumentavam as represálias contra eles.

Quando as forças anglo-americanas desembarcaram na Sicília, foram recebidas como heróis, e, em 24 de julho de 1943, MUSSOLINI resolveu reunir o Grande Conselho Fascista para tentar estancar a crescente revolta que já imperava entre seus membros. Quando ele anunciou que os alemãs estavam considerando remover as suas tropas do sul do país, o conselho votou por sua renúncia e a retomada do poder pelo rei VITOR EMMANUEL por 19 votos a sete. No dia seguinte, o rei recebeu-o no palácio e logo que terminou o encontro, ordenou sua prisão, que foi levada a cabo por tropas Carabinieri, agora leais ao Marechal PIETRO BADOGLIO, escolhido pelo monarca para ser o novo chefe do governo italiano. Três horas após sua prisão, o soberano anunciou através do rádio que MUSSOLINI não era mais o primeiro-ministro italiano. Assim que foi informado do ocorrido, ADOLF HITLER ficou furioso. E uma semana mais tarde, ordenou que seu amigo fosse resgatado e trazido para a Alemanha”. (CARLOS LORCH; ob. cit., ps. 66/67)

Em uma operação, – batizada de EICHE (CARVALHO), conduzida dia 12 de setembro de 1943 e considerada “como uma das mais icônicas de forças especiais da história” (ibidem) –, MUSSOLINI, “em apenas 11 dias após a exitosa missão, tornou-se líder da nova República Socialista Italiana (um governo apoiado pela Alemanha com sede no norte da Itália)” (ibidem), porém com uma nova imagem, profundamente desgastada, de “marionete” dos alemães, acabou não conseguindo se restabelecer como líder do povo italiano (que acabou se dividindo entre um acordo de paz com os Aliados e a manutenção da aliança com a Alemanha), obrigando, com os gradativos avanços aliados sobre o território italiano e do Eixo, após o desembarque na Sicília, a se refugiar em Gargano, e, posteriormente, com a proximidade do fim da guerra, “resolveu escapar e negociou um acordo com o governo de FRANCISCO FRANCO, que se mostrou disposto a lhe conceder um asilo na Espanha, tendo rumado para a fronteira suíça em 26 de abril de 1945, quando dois dias mais tarde seu comboio foi parado, nas margens do Lago de Como, por partisans comunistas e, identificado, foi imediatamente capturado e levado para GIULINO DI MEZZEGRA” (ibidem), sendo o próprio e sua comitiva executados e seus corpos levados para serem expostos em Milão, pendendo de cabeça para baixo.

Diagrama 1 – Os Maiores Genocidas da História Humana


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1 O grande salto adiante (1958) foi a tentativa de MAO TSÉ-TUNG de tornar a China uma potência maior que o Reino Unido em 15 anos. Para alcançar esta façanha, ele tentaria emular o que STALIN havia feito na década de 30: promover uma massiva coletivização agrícola e desviar mão de obra, por quaisquer meios, para a indústria. Com STALIN, isto resultou no Holodomor, a fome na Ucrânia que ceifou, somente em 1933, cerca de 7 milhões de vidas de um total de quase 10 milhões. Com MAO, o preço ficaria mais perto de 20 a 30 milhões, correspondendo também ao último período em que a economia chinesa teve um crescimento negativo.

Após ter acesso a arquivos recentemente liberados pelo Partido Comunista da China, o historiador holandês FRANK DIKÖTTER produziu um tomo sobre o que ele simplesmente chama de “inferno”: “As pessoas não morriam só de fome, mas – entre 6% e 8% das vítimas – por torturas ou execuções. Nos refeitórios coletivos, a pessoa com a concha tinha um poder de vida e morte sobre as outras, que recebiam a ração segundo seu mérito” (A Grande Fome de MAO: A História da Catástrofe Mais Devastadora da China, 1958-62, Trad. Ana Maria Mandim, Record, 2017).

2 É importante ressaltar, conforme já afirmado, que STALIN foi o responsável pelo Holodomor (fome na Ucrânia), que massacrou, apenas em 1933, 7 milhões de pessoas (o correspondente a 25% da população local), através de fuzilamento, tortura, migração forçada, além de fome e de outros métodos macabros de extermínio humano, alçando o mencionado evento a um dos maiores programas de extermínio em massa da história mundial.

3 É muito difícil mensurar o número exato de mortos por simples perseguição (e não por atos de guerra declarada) por ADOLF HITLER. O massacre de mais de 6 milhões de judeus representou o extermínio de aproximadamente 1/3 da população total de judeus à época. Adicionados a este número, foram também mortos aproximadamente 500.000 ciganos e 200.000 homossexuais, dentre outras minorias.

4 Convém ressaltar que, no específico caso da Alemanha hitleriana (e pós-hitleriana), os horrores da guerra e os horrores da paz (anárquica), que sucederam a destruição, em muito se confundem. Se, em Londres, Nova York e Rio de Janeiro, o fim da Segunda Guerra foi recebido com festa, no Leste Europeu e na Alemanha liberada, mesmo quem quisesse celebrar a queda de HITLER não teria (simplesmente) como fazer. Não havia lojas onde comprar cerveja, não havia dinheiro com que pagar e, mesmo que fosse possível transitar pelos escombros, havia riscos de latrocínio, estupro coletivo e até limpeza étnica. Houve mortes em massa sob a acusação de ser (ou descender de) alemão. E, mesmo com tudo que aconteceu, ainda também (unicamente) por ser judeu. Estes anos terríveis são o tema do historiador inglês KEITH LOWE (cf. Continente Selvagem: O Caos na Europa Depois da Segunda Guerra Mundial, Trad. Rachel Botelho e Paulo Schiller, Zahar, 2017).

5 Aproximadamente 25% da população total do Camboja à época.

Diagrama 2 – Síntese de Referência do Pensamento Político e Filosófico

Fonte: CELSO ANTÔNIO PINHEIRO DE CASTRO, in Sociologia e Direito, São Paulo, Atlas, ps. 154-155.


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*O Desembargador Reis Friede é Presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica. É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. E-mail: reisfriede@hotmail.com


 

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1 comentário

  1. Percebe-se claramente que o autor do artigo desconhece quem foi Ludwig Von Mises, que foi crítico de Karl Marx, mas sequer foi seu aluno. Aliás, o mesmo é fruto da escola de pensamento marginalista austríaca, iniciada por Carl Menger (bem diferente da Karl Marx), tendo sido aluno de um aluno deste: Eugen Bohm-Bawerk.
    As idéias da escola austríaca foram diametralmente opostas às da escola historicista alemã, esta sim geratriz do pensamento nazi-fascista.
    Ademais, se de fato Mises tivesse sido partidário do nazi-fascismo, o mesmo não teria fugido para os EUA, quando da ascensão dos mesmos e o posterior Anschluss.

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