Foreign Policy: Quem vai salvar a Amazônia (e como)?

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Por Albert Caballé Marimón

Dias atrás, a Foreign Policy publicou uma matéria, de autoria de Stephen Walt, professor de Harvard, questionando que ações os países ditos desenvolvidos deveriam tomar para deter o risco representado pelo desmatamento da Amazônia pelo Brasil. A matéria apresenta um caso hipotético em que, num futuro próximo, um presidente americano ameaçaria o Brasil com bloqueio de portos e ataque a infraestruturas críticas do país caso não cesse a destruição da floresta. A contrapartida seria oferecer um pacote de compensações financeiras para ajudar no esforço de preservação.

A matéria, (coincidentemente?), fez coro com outra publicada pela Economist, “Deathwatch for the Amazon” (“Velório pela Amazônia” em tradução livre).

A questão do desmatamento não é nova, é importante e não deve ser ignorada – o problema existe e deve ser resolvido. No entanto, trata-se de um problema nacional brasileiro, e o Brasil deve posicionar-se de forma a não admitir nenhum tipo de interferência em sua soberania.

A Amazônia é uma região riquíssima em recursos minerais e hídricos, entre outros, e o Brasil deve estabelecer políticas de Estado que tornem claro seu uso soberano da região e implementar os meios necessários à proteger seus interesses, não aceitando interferências de quem quer que seja.

As mensagens embutidas na matéria são claras e refletem o pensamento que percorre determinados círculos do chamado Primeiro Mundo. Chama a atenção que o título foi alterado, o original era “Who will invade Brazil to save the Amazon?” (“Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?”); isto pode ser constatado pelo link da matéria. Já é mais que tempo da sociedade brasileira e seus representantes no Congresso darem a devida atenção ao tema de Defesa, independentemente da ideologia do governo em vigor, mas com foco na manutenção inconteste da soberania do país.

O artigo – apesar de não ter recebido o destaque que deveria por parte da chamada grande imprensa –, gerou polêmica especialmente nos meios interessados em Defesa. Visando ampliar o acesso à matéria e à ameaças implícitas no pensamento que a mesma representa, resolvemos traduzi-la para os leitores do Velho General.

Leiam, reflitam, conversem sobre o assunto em seus círculos sociais. E cobrem seus representantes no Congresso quanto à medidas que enfatizem a não negociabilidade da soberania do país, bem como ações concretas que possam garanti-la.

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O artigo da FP


É só uma questão de tempo até que grandes potências tentem impedir a mudança climática por qualquer meio necessário.
STEPHEN M. WALT* | 5 DE AGOSTO DE 2019, 17:31

*Stephen M. Walt é o professor de relações internacionais do Centro Robert e Renée Belfer de Ciências e Assuntos Internacionais na Universidade de Harvard.



5 de agosto de 2025: Em um discurso na televisão para a nação, o presidente dos EUA, Gavin Newsom, anunciou que havia dado ao Brasil um ultimato de uma semana para cessar as atividades destrutivas de desmatamento na floresta amazônica. Se o Brasil não cumprisse, avisou o presidente, ele ordenaria um bloqueio naval aos portos brasileiros e ataques aéreos contra infraestruturas brasileiras críticas. A decisão do presidente veio no rescaldo de um novo relatório das Nações Unidas catalogando os catastróficos efeitos globais da contínua destruição das florestas tropicais, que alertavam para um “ponto crítico” que, se atingido, provocaria uma rápida aceleração do aquecimento global. Embora a China tenha declarado que iria vetar qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU autorizando o uso da força contra o Brasil, o presidente disse que uma grande “coalizão de estados preocupados” estava preparada para apoiar a ação dos EUA. Ao mesmo tempo, Newsom disse que os Estados Unidos e outros países estão dispostos a negociar um pacote de compensação para mitigar os custos para o Brasil para proteger a floresta tropical, mas somente se cessarem seus atuais esforços para acelerar o desenvolvimento.


O cenário acima é obviamente exagerado – pelo menos eu acho que é – mas até onde você iria para evitar danos ambientais irreversíveis? Em particular, os estados têm o direito – ou mesmo a obrigação – de intervir em um país estrangeiro a fim de evitar que cause danos irreversíveis e possivelmente catastróficos ao meio ambiente?


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Levanto essa questão à luz das notícias de que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro está acelerando o desenvolvimento da floresta amazônica (60% das quais estão nas mãos dos brasileiros), pondo assim em perigo um recurso global crítico. Como aqueles de vocês com mais respeito pela ciência do que Bolsonaro sabem, a floresta tropical é tanto um importante sumidouro de carbono quanto um crítico regulador de temperatura, bem como uma fonte importante de água doce. O desmatamento já prejudicou sua capacidade de desempenhar esses papéis cruciais, e cientistas brasileiros estimam que condições cada vez mais quentes e secas poderiam converter boa parte da floresta a uma savana seca, com efeitos potencialmente catastróficos. Na semana passada, a matéria de capa da revista de negócios orientada ao livre mercado Economist, foi “Deathwatch for the Amazon”, que enquadra muito bem a questão. Para reafirmar minha pergunta inicial: o que a comunidade internacional pode (ou deve) fazer para evitar que um presidente brasileiro equivocado (ou líderes políticos em outros países) adote ações que possam prejudicar a todos nós?

É aí que as coisas ficam complicadas. A soberania de Estado é um elemento crítico do atual sistema internacional; com certas exceções, os governos nacionais são livres para fazer o que quiserem dentro de suas próprias fronteiras. Mesmo assim, a casca dura da soberania nunca foi absoluta, e várias forças foram se desdobrando ao longo do tempo. Os Estados podem ser sancionados por violar o direito internacional (por exemplo, desafiando resoluções do Conselho de Segurança da ONU), e o direito internacional autoriza os países a entrar em guerra por autodefesa ou quando o Conselho de Segurança autorizar ações militares. É legal mesmo atacar o território de outro país preventivamente, desde que haja uma base bem fundamentada para acreditar que ele estava prestes a atacá-lo primeiro.

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De forma mais controversa, a doutrina da “responsabilidade de proteger” procurou legitimar a intervenção humanitária em potências estrangeiras quando o governo local foi incapaz ou não estava disposto a proteger seu próprio povo. E, na prática, os Estados aceitam rotineiramente as infrações à sua própria soberania, a fim de facilitar formas benéficas de cooperação internacional.

Quando a pressão chega, no entanto, a maioria dos estados se ressente e resiste aos esforços externos para levá-los a mudar o que estão fazendo dentro de suas próprias fronteiras. E mesmo que a destruição da floresta amazônica represente uma clara e óbvia ameaça para muitos outros países, dizer ao Brasil para parar e ameaçar tomar medidas para deter, punir ou prevenir seria um jogo inteiramente novo. E eu não quero destacar o Brasil: seria um passo igualmente radical ameaçar os Estados Unidos ou a China se eles se recusassem a emitir tantos gases do efeito estufa.

Não é que os líderes mundiais não tenham reconhecido a gravidade do problema. As Nações Unidas consideraram a degradação ambiental como uma “ameaça à paz e segurança internacional”, e o ex-representante de política externa da União Européia, Javier Solana, argumentou em 2008 que a mudança climática “deve estar no centro das políticas externas e de segurança da UE”. Estudiosos já identificaram várias maneiras pelas quais o Conselho de Segurança poderia agir para evitá-lo. Como os pesquisadores Bruce Gilley e David Kinsella escreveram há alguns anos, “é pelo menos legalmente viável que o Conselho de Segurança invoque sua autoridade sob o Artigo 42, e use força militar contra os Estados que considera ameaças à paz e segurança internacionais em virtude de sua falta de vontade ou incapacidade de refrear as atividades destrutivas que emanam de seus territórios”.


Assista ao Vídeo 705 do CANAL ARTE DA GUERRA: O General, a Amazônia e o Futuro do Brasil


A questão, portanto, é até que ponto a comunidade internacional estaria disposta a ir a fim de prevenir, suspender ou reverter ações que possam causar danos imensos e irreparáveis ​​ao meio ambiente de que todos os seres humanos dependem? Pode parecer improvável imaginar estados ameaçando uma ação militar para evitar isso hoje, mas torna-se mais provável que as estimativas mais pessimistas de nosso futuro climático se mostrem corretas.

Mas aqui está um paradoxo cruel: os países que são os maiores responsáveis ​​pela mudança climática também são os menos suscetíveis à coerção, enquanto a maioria dos estados que podem ser pressionados a agir não são fontes significativas do problema subjacente. Os cinco principais emissores de gases do efeito estufa são a China, os Estados Unidos, a Índia, a Rússia e o Japão – quatro deles são estados detentores de armas nucleares e o Japão é uma potência militar formidável por si só. Não é provável que ameaçar qualquer um deles com sanções funcione, e ameaçar uma séria ação militar contra eles é completamente irrealista. Além disso, é improvável que o Conselho de Segurança autorize o uso da força contra estados muito mais fracos, porque os membros permanentes não gostariam de estabelecer esse precedente e quase certamente vetariam a proposta.

É isso que torna o caso brasileiro mais interessante. O Brasil está de posse de um recurso global crítico – por razões puramente históricas – e sua destruição prejudicaria muitos estados, se não o planeta inteiro. Ao contrário de Belize ou Burundi, o que o Brasil faz pode ter um grande impacto. Mas o Brasil não é um verdadeiro grande poder, e ameaçá-lo com sanções econômicas ou mesmo com o uso da força se ele se recusar a proteger a floresta tropical pode ser viável. Para deixar claro: não estou recomendando esse curso de ação agora ou no futuro. Eu estou apenas apontando que o Brasil pode ser um pouco mais vulnerável à pressão do que alguns outros estados.

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Pode-se também imaginar outros remédios para esse problema. Os Estados certamente poderiam ameaçar ou impor sanções comerciais unilaterais contra Estados ambientalmente irresponsáveis, e os cidadãos poderiam sempre tentar organizar boicotes voluntários por razões semelhantes. Alguns estados deram passos nesse sentido, e é fácil imaginar tais medidas se tornando mais difundidas à medida que os problemas ambientais se multiplicam. Alternativamente, os estados que governam o território ambientalmente sensível poderiam ser pagos para preservá-lo, no interesse de toda a humanidade. Com efeito, a comunidade internacional estaria subsidiando a proteção ambiental por parte daqueles que possuem os meios de fazer algo a respeito.

Essa abordagem tem o mérito de não desencadear o tipo de reação nacionalista que uma campanha coercitiva pode provocar, mas também pode incentivar alguns países a adotar políticas ambientalmente irresponsáveis, na esperança de obter benefícios econômicos de uma comunidade internacional preocupada.

Isso tudo é muito especulativo, e eu comecei a pensar em algumas das implicações desses dilemas. No entanto, eu acho que sei o seguinte: em um mundo de estados soberanos, cada um fará o que deve para proteger seus interesses. Se as ações de alguns estados estão pondo em perigo o futuro de todo o resto, a possibilidade de confrontos sérios e possivelmente de conflitos graves vai aumentar. Isso não torna o uso da força inevitável, mas esforços mais sustentados, enérgicos e imaginativos serão necessários para evitá-lo.


*Albert Caballé Marimón é fotógrafo profissional e editor do Blog Velho General. Atua na cobertura de eventos tendo experiência em coberturas tais como Feira LAAD, Exercício CRUZEX e Operação Acolhida. É colaborador do Canal Arte da Guerra. E-mail: caballe@gmail.com


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6 comentários

  1. O Professor de Harvard falou em 2025. Daqui a 6 anos. Nos blocos globalistas como a União Europeia e Nações Unidas sempre possui alguém para falar de Aquecimento Global, Desmatamento e etc. Existem muitas coincidências na questão da Amazônia, não só esta apontada no Artigo do Velho General (Matérias jornalísticas tratando de intervenção em nosso território), mas em Outubro haverá o Sínodo da Amazônia. Alguns importantes leigos católicos já se adiantam e dizem que este encontro irá trazer heresias para a doutrina da Igreja. Você vai ligando os pontos e a impressão que dá é que há uma cortina de fumaça impedindo a nossa conclusão.

    1. Temos que estar atentos. Precisamos cobrar nossos congressistas a olhar menos o próprio umbigo e dar mais atenção a essas questões. Soberania não se negocia.

  2. Parece que para formar um país sério é necessário uma guerra que ponha em risco a sua existência, estamos próximos de presenciar uma em solo brasileiro.

  3. Temos que aumentar a pena para crimes ambientais. Com prisão efetiva, ajudaria a inibir essas práticas criminosas. A impunidade acaba incentivando os criminosos.

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