A Importância do Estreito de Ormuz

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Por Albert Caballé Marimón

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Estreito de Ormuz (Foto: Estação Espacial Internacional/NASA)

Os últimos incidentes e o aumento das tensões entre EUA e Irã, no Oriente Médio, colocaram em evidência o Estreito de Ormuz, uma das artérias marítimas mais importantes do planeta. Mas porque o estreito é tão importante?

O Estreito

Ao longo de toda a história registrada, o Estreito conectou as civilizações árabe e persa com o subcontinente indiano, a Ásia e o Pacífico. Hoje, o Estreito de Ormuz separa o Irã de Omã e dos Emirados Árabes Unidos, que têm fortes conexões de defesa com os EUA e a Arábia Saudita.

O Estreito de Ormuz está entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã. É a única passagem marítima do Golfo Pérsico para o mar aberto e um dos gargalos mais importantes do mundo. Na costa norte do estreito está o Irã, e na costa sul, os Emirados Árabes Unidos e Musandam, um enclave de Omã. O estreito tem cerca de 90 milhas náuticas (167 km) de comprimento, e a largura varia de cerca de 52 milhas náuticas (96 km) a 21 milhas náuticas (39 km).

As rotas de navegação, no entanto, são muito mais estreitas. A profundidade das águas não é suficiente para os grandes petroleiros em toda a largura do estreito. Para minimizar os riscos de colisão, os navios seguem um Esquema de Separação de Tráfego (TSS, Traffic Separation Scheme): navios entrando no estreito usam uma faixa e os navios saindo usam outra, cada uma com duas milhas de largura (3,7 km). As faixas são separadas por uma “mediana” também de duas milhas de largura. Essa característica faz com que o Estreito de Ormuz seja um ponto nevrálgico facilmente controlável.


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Em 1959, o Irã expandiu seu mar territorial para 12 milhas náuticas (22 km) e declarou que reconheceria apenas trânsito de passagem inocente através da área recém-expandida. Em 1972, Omã fez o mesmo. Desta forma, em meados de 1972, o Estreito de Ormuz foi “fechado” pelas águas territoriais combinadas do Irã e Omã. Para atravessar o Estreito, os navios passam pelas águas territoriais de ambos os países sob as disposições da UNCLOS (United Nations Convention on the Law of the Sea, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar).

Ao ratificar a UNCLOS em 1989, Omã confirmou o decreto de 1981 declarando que apenas passagem inocente é permitida por seu mar territorial. Afirmou ainda que a passagem de navios de guerra estrangeiros exigia autorização prévia.

O Irã, ao assinar a convenção em dezembro de 1982, declarou que “somente os Estados partes da Convenção do Direito do Mar têm o direito de se beneficiar dos direitos contratuais nela estabelecidos”, incluindo “o direito de passagem em trânsito por meio de trechos internacionais de navegação”. Em maio de 1993, o Irã promulgou uma lei de áreas marítimas com diversos pontos conflitantes com as disposições da UNCLOS, incluindo uma exigência de que navios de guerra, submarinos e navios nucleares obtenham permissão antes de uma passagem inocente por águas territoriais iranianas.

Os EUA não reconhecem nenhuma das reivindicações do Irã e Omã e contestou todas elas. Omã possui uma estação de radar para monitorar o tráfego TSS no Estreito de Ormuz. Esta estação está localizada no pico de uma ilha no enclave de Musandam.

Importância econômica

De acordo com a consultoria Vortexa, especializada no mercado de petróleo, estima-se que cerca de 17,2 milhões de bpd (barrels per day, barris por dia) de petróleo bruto e condensados ​​tenham passado pelo Estreito em 2017, e cerca de 17,4 milhões de bpd no primeiro semestre de 2018. O consumo global de petróleo é de cerca de 100 milhões de bpd, portanto quase um quinto do consumo mundial passa pelo Estreito.

Grande parte do petróleo bruto exportado pela Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Iraque –membros da OPEP, Organização dos Países Exportadores de Petróleo – é embarcado pelo Estreito. Essa é também a rota de quase todo o gás natural produzido pelo Qatar, o maior exportador mundial desse produto.

Histórico de incidentes

O Estreito de Ormuz é um ponto estratégico de fundamental importância numa região frequentemente instável. Como tal, tem sido palco de conflitos com ameaças periódicas de fechamento. A Quinta Frota dos EUA, sediada na NSA Bahrein (Naval Support Activity Bahrein) em Manama, capital de Bahrein, em pleno Golfo Pérsico, é encarregada de proteger as rotas comerciais na área.

  • Durante a Guerra Irã-Iraque, o Iraque atacou o terminal de petróleo e navios petroleiros na Ilha de Kharg, pertencente ao Irã, no início de 1984. O objetivo de Saddam Hussein foi, entre outras coisas, provocar os iranianos a retaliarem com medidas extremas como o fechamento do Estreito de Ormuz, forçando uma intervenção americana. O Irã limitou os ataques retaliatórios aos navios iraquianos, deixando o estreito aberto.
  • Na Operação Louva-a-Deus (Praying Mantis), em abril de 1988, a Marinha dos EUA travou uma batalha contra as forças iranianas na região do Estreito em retaliação pelos danos sofridos pela fragata classe OHP USS Samuel B. Roberts quando esta atingiu uma mina iraniana. As forças norte-americanas afundaram uma fragata, uma canhoneira, seis lanchas armadas e danificaram seriamente uma segunda fragata.
  • Em 3 de julho de 1988, o cruzador classe Ticonderoga USS Vincennes da Marinha dos EUA abateu um Airbus A300 da Iran Air (voo 655) sobre o Estreito, causando a morte de 290 pessoas. A Marinha dos EUA informou que a aeronave foi erroneamente identificada como um caça.
  • Entre dezembro de 2007 e janeiro de 2008, ocorreram diversos impasses entre lanchas iranianas e navios da Marinha dos EUA no Estreito. Os EUA acusaram o Irã de provocar seus navios; Teerã negou todas as acusações.
  • Em 29 de junho de 2008, o comandante da IRGC (Islamic Revolutionary Guard Corps, a Guarda Revolucionária Islâmica), Mohammad Ali Jafari, disse que, se Israel ou os EUA atacassem o Irã, ele bloquearia o Estreito de Ormuz para causar estragos nos mercados de petróleo. O vice-almirante Kevin Cosgriff, comandante da 5ª Frota dos EUA, alertou que tal ação seria considerada um ato de guerra, e os EUA não permitiriam que o Irã sequestrasse quase um terço do suprimento de petróleo do mundo.
  • Em 8 de julho de 2008, a agência de notícias ISNA noticiou que Ali Shirazi, assessor do aiatolá Ali Khamenei, disse à IRGC que “o regime sionista está pressionando os funcionários da Casa Branca a atacar o Irã. Se eles cometerem tamanha estupidez, Tel Aviv e os navios dos EUA no Golfo Pérsico serão os primeiros alvos do Irã e serão queimados”.
  • Em julho de 2008, na Operação Brimstone, dezenas de navios da Marinha dos EUA e de outros países estrangeiros fizeram exercícios conjuntos para uma possível atividade militar nas águas rasas da costa do Irã.
  • Em agosto de 2008, mais de 40 navios dos EUA e aliados supostamente estariam a caminho do Estreito de Ormuz. Um grupo de batalha dos EUA vindo do Japão complementaria outros dois já no Golfo Pérsico, o que totalizaria cinco grupos de batalha, sem contar os submarinos.
  • Em julho de 2010, o petroleiro japonês M Star sofreu um ataque a bomba na região do Estreito. O grupo militante Brigadas Abdullah Azzam, ligado à Al Qaeda, assumiu a responsabilidade pelo ataque.
  • Em 27 de dezembro de 2011, o vice-presidente iraniano, Mohammad-Reza Rahimi, ameaçou cortar o fornecimento de petróleo através do Estreito de Ormuz, caso as sanções econômicas limitassem ou cortassem as exportações de petróleo iraniano. Uma porta-voz da Quinta Frota dos EUA disse em resposta que a frota estava “sempre pronta para combater ações malévolas”, enquanto o almirante Habibollah Sayyari, da Marinha iraniana, afirmou que cortar as remessas de petróleo seria fácil.
  • Em 3 de janeiro de 2012, Ataollah Salehi, líder militar iraniano, disse que os EUA removeram um porta-aviões do Golfo Pérsico por causa de exercícios navais do Irã, e que o Irã agiria se o navio retornasse. “O Irã não vai repetir a advertência… o porta-aviões do inimigo foi transferido para o Golfo de Omã por causa de nossa simulação. Eu recomendo e enfatizo que ele não retorne ao Golfo Pérsico”, disse ele. O porta-voz da Marinha dos EUA, Bill Speaks, respondeu que “a Marinha dos EUA opera sob as convenções marítimas internacionais mantendo um estado constante de vigilância para garantir o fluxo contínuo e seguro do tráfego marítimo em vias navegáveis ​​essenciais para o comércio global”.
  • Em 9 de janeiro de 2012, Ahmad Vahidi, ministro iraniano da Defesa, negou que o Irã tenha alegado que fecharia o Estreito de Ormuz, dizendo que “a República Islâmica do Irã é o mais importante provedor de segurança no estreito… se alguém ameaçar a segurança no Golfo Pérsico, então todos estarão ameaçados”.
  • Em janeiro de 2012 os EUA alertaram o Irã de que o fechamento do Estreito é uma “linha vermelha” que provocaria uma resposta americana. O general Martin E. Dempsey, chefe do Estado-Maior Conjunto, disse que os EUA “tomariam medidas e reabririam o estreito”, o que só poderia ser feito por meios militares que incluiriam desminagem, navios de escolta e possivelmente ataques aéreos. No entanto, o Irã continuou a discutir o impacto do fechamento do estreito nos mercados mundiais de petróleo, afirmando que qualquer interrupção da oferta causaria um choque que “nenhum país” poderia administrar.
  • Em 23 de janeiro de 2012, foi formada uma frota por países que se opunham às ameaças do Irã de fechar o Estreito. Os navios operavam no Golfo Pérsico e no Mar Arábico, na costa do Irã. A frota incluía três porta-aviões americanos classe Nimitz, USS Carl Vinson, USS Enterprise e USS Abraham Lincoln, três destroieres classe Arleigh Burke, USS Momsen, USS Sterett, USS Halsey, sete navios britânicos, incluindo o destroier HMS Daring e as fragatas Type 23 HMS Westminster, HMS Argyll, HMS Somerset e HMS St. Albans e um navio de guerra francês, a fragata La Motte-Picquet.
  • Em 24 de janeiro, as tensões aumentaram quando a União Europeia impôs sanções ao petróleo iraniano. Mohammad Kossari, Chefe Adjunto do Comitê de Relações Exteriores e Segurança Nacional do Parlamento do Irã, disse à agência de notícias Fars que o Irã fecharia a entrada do Golfo Pérsico se novas sanções bloqueassem suas exportações de petróleo.
  • Em 28 de abril de 2015, um porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA informou que barcos de patrulha da IRGC ordenaram ao navio Maersk Tigris, que estava no lado oeste do estreito, para prosseguir a águas territoriais iranianas. O capitão do navio declinou e uma das embarcações iranianas disparou contra a ponte do Maersk Tigris. O navio então seguiu para perto da ilha Larak, em águas iranianas. A Marinha dos EUA enviou um destroier classe Arleigh Burke, o USS Farragut, para monitorar a situação. A Maersk informou que concordou em pagar a uma empresa do iraniana US$ 163.000 por uma disputa sobre contêineres transportados a Dubai em 2005.
  • Em maio de 2015, navios iranianos dispararam contra um navio-tanque com bandeira de Cingapura que, segundo Teerã, teria danificado uma plataforma de petróleo iraniana, fazendo com que a embarcação fugisse.
  • Em julho de 2018, por conta das sanções americanas aplicadas após a retirada dos EUA do acordo JCPOA no início do ano, o Irã ameaçou fechar o Estreito. A IRGC informou que estava pronta para isso. Em agosto, o Irã testou o míssil antinavio Fateh-110 Mod 3, que voou mais de 100 milhas do Estreito de Ormuz até um campo de testes no deserto iraniano.
  • Em 13 de junho de 2019, os petroleiros Front Altair e Kokuka Courageous foram alvo de explosões. Tripulantes do Kokuka Courageous teriam visto um objeto voador atingir o navio. A tripulação foi resgatada pelo destroier classe Arleigh Burke USS Bainbridge enquanto a tripulação do Front Altair foi resgatada por navios iranianos. O secretário de Estado, Mike Pompeo, divulgou um comunicado acusando o Irã dos ataques; Teerã nega.
  • Na sequencia de acontecimentos, o Irã derrubou um drone RQ-4 Global Hawk em 20 de junho, afirmando que ele estava em uma missão de espionagem em seu território. Os EUA afirmam que a aeronave foi alvejada no espaço aéreo internacional, num claro ataque não provocado.

Alternativas ao Estreito

Independentemente de o Irã fechar ou não o Estreito de Ormuz, alguns países que dependem dele estão trabalhando na busca de alternativas para contornar o problema caso se concretize.

O Qatar e o Kuwait procuraram o Iraque propondo o uso do gasoduto iraquiano em caso de necessidade. O próprio Iraque exporta a maior parte do seu petróleo bruto através do terminal de Basra e do Estreito, e está avaliando transporta-lo do norte de Kirkuk para o sul da Turquia, em Ceyhan. Bagdá também planeja aumentar as exportações via oleoduto para 100.000 bpd, das atuais médias de 80.000 a 90.000 bpd.

Por outro lado, ataques a ativos de petróleo da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos construídos para contornar o Estreito de Ormuz levantaram temores de que rotas alternativas ao Estreito também podem ser vulneráveis. Em maio, rebeldes Huthi do Iêmen realizaram ataques com drones a um importante oleoduto saudita. O especialista em petróleo do Kuwait, Kamel al-Harami, afirmou que as rotas alternativas existentes para não são suficientes e não são práticas. “Essas rotas estão longe dos principais mercados da Ásia”, disse Harami à agência AFP.

A Arábia Saudita construiu o East West Pipeline com 1.200 km, capaz de bombear cinco milhões de barris de petróleo por dia da Província Oriental da Arábia Saudita a um porto no Mar Vermelho. Está trabalhando para aumentar a capacidade para sete milhões de bpd.

Os Emirados Árabes Unidos construíram um duto de 406 km de Abu Dhabi até Fujairah, no Mar da Arábia, com capacidade de 1,6 milhão de bpd. Fujairah possui uma enorme área de armazenamento com capacidade para 70 milhões de barris, com uma segunda instalação para 42 milhões de barris.

Embora os exportadores de petróleo do Golfo sejam os principais perdedores, fechar o Estreito também prejudicaria os importadores de petróleo da Ásia, especialmente China, Japão e Coréia do Sul, para os quais mais da metade das necessidades de energia depende das importações do Oriente Médio.

A real capacidade do Irã de fechar o Estreito

Apesar das ameaças, o Estreito de Ormuz nunca foi fechado de fato e muitos analistas acreditam que não será. A economia do Irã depende do envio de petróleo através do estreito, e, além de um conflito aberto com os EUA, o fechamento geraria tensões entre o Irã e países como a Índia e a China.

Em vez de fechar o Estreito de Ormuz, analistas dizem que é mais provável que o Irã dificulte ou atrase o carregamento na região com atividades como confiscar navios e invadir instalações. O Irã não necessita de uma força militar superior para interromper o fluxo comercial no Estreito. Ele pode danificar navios comerciais com mísseis relativamente baratos, lanchas de patrulha, submarinos e minas.

No entanto, a toda a discussão sobre a capacidade militar do Irã de efetivamente fechar o Estreito de Ormuz e a capacidade dos EUA de responder a essa ação é quase irrelevante – provavelmente nenhuma companhia de seguros cobriria um petroleiro que pretenda transitar por águas em conflito declarado. O impacto econômico de um eventual fechamento seria imediato e incalculável, mesmo para o Irã. Ainda que os EUA prevaleçam num conflito militar no Estreito, seria um enorme abalo à saúde econômica mundial.

Portanto, mesmo ameaças e modestas interrupções no transporte comercial podem causar danos econômicos na forma de taxas de seguro marítimo mais altas, preocupações com o suprimento de petróleo bruto e mercados instáveis.


Referências: Al Jazeera, The Conversation, Deutsche Welle, Global Research, The Medi Telegraph, The National, OilPrice.com, Reuters, ThoughtCo, Wikipedia.


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