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Cel-Paulo-Filho Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

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A Índia executou com sucesso um teste de mísseis Antissatélite (A-SAT) denominado “Mission Shakti” envolvendo um satélite-alvo indiano em órbita (Foto: Assessoria de Imprensa/Ministério da Defesa, Governo da Índia)

Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 6 de maio 2019

No último dia 27 de março, um evento provocou surpresa e chamou atenção para uma corrida silenciosa que está sendo travada pelas maiores potências militares do planeta: a disputa pelo domínio militar na última fronteira da humanidade. O espaço.

A Índia anunciou ao mundo o sucesso no lançamento de um míssil que tinha por alvo um satélite do próprio país. O alvo, que estava a uma altitude aproximada de 300 Km, foi atingido e destruído. Dessa forma, a Potência Hindu se juntou ao seletíssimo grupo de três países, Estados Unidos, Rússia e China, capazes desse extraordinário feito militar.

O Primeiro Ministro Narendra Modi, que enfrentará eleições gerais em abril, comemorou. “A Índia obteve uma conquista inédita hoje. O país gravou seu nome dentre as potências espaciais.”

Os satélites desempenham um papel fundamental na guerra moderna. Por eles transitam os fluxos de comunicações e dados. Guiam as famosas “armas de precisão cirúrgica” e as aeronaves remotamente pilotadas, os “drones”. São responsáveis pelo imageamento do campo de batalha, desempenhando papel decisivo na obtenção e difusão de dados de inteligência. Compõem as constelações responsáveis pelos sistemas GPS e similares, onipresentes em aplicações militares e em diversos e muito populares aplicativos em uso pela moderna sociedade civil.

Mas o sucesso da “Missão Shakti”, como foi batizada, não está somente na constatação de que agora os Indianos podem destruir satélites inimigos. Como os avanços tecnológicos são na maioria das vezes de uso dual, o êxito também significa que o país atingiu um invejável avanço na tecnologia que permite a fabricação de mísseis capazes de interceptar mísseis inimigos.

As reações internacionais foram imediatas. A mais veemente veio do Paquistão, país que está envolvido em uma disputa militar com a Índia, pela posse da Região da Caxemira, há décadas. O Ministro das Relações Exteriores declarou que “o espaço é uma herança comum da humanidade e toda nação tem a responsabilidade de evitar ações que possam levar à sua militarização”.

A China, país que na década de 1960 travou um conflito armado com a Índia pela Região do Tibete do Sul, reagiu cautelosamente. Expressou sua esperança de que “todos os países possam promover a paz e a tranquilidade no espaço”. Interessante notar que a China já tinha efetuado um teste semelhante em 2007.

O Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Patrick Shanahan, alertou para os riscos causados pelos detritos produzidos por este tipo de teste. O General David D. Thompson, Subcomandante do Comando Espacial da Força Aérea dos EUA, expressou-se na mesma direção. Questionado por repórteres, declarou que este tipo de teste preocupa, “não somente em razão do risco para os nossos satélites, mas também pela produção de detritos que podem permanecer no espaço por longo tempo, o que pode causar danos em efeito cascata”.

Apesar da reação internacional, parece ser tarde para se impedir a militarização do ambiente espacial. Embora até hoje nunca tenha acontecido uma ação militar àquela altitude, as potências militares do planeta se preparam em passos largos para esta realidade. A Estratégia de Defesa dos EUA reconhece que a competição entre as grandes potências é o principal desafio à sua segurança e que o espaço é um dos domínios onde essa competição ocorrerá. Reconhece ainda que China e Rússia possuem capacidade de atuar militarmente no espaço, reduzindo gravemente a efetividade militar do país e de seus aliados. Para se contrapor a isto, em 2018, o Presidente Trump declarou a intenção de criar a USSF (United States Space Forces), Força Espacial dos EUA, uma nova Força Armada. Em março deste ano o Ministério da Defesa daquele país encaminhou a proposta de criação da nova Força ao Congresso. Caso o Congresso norte-americano aprove, a nova Força será criada em 2020.

Em 2015, a China promoveu uma grande reestruturação de suas Forças Armadas. Foram criadas duas novas Forças. A Força de Foguetes e a Força Estratégica de Apoio, esta, para atuar nos domínios cibernético e espacial. Apesar da pouca informação disponível, parece claro que essas Forças foram criadas, dentre outras finalidades, com o foco no domínio espacial.

A Rússia, a exemplo da China, também reorganizou recentemente suas forças militares. Em 2015, as capacidades espaciais dispersas pelas Forças Armadas foram reunidas em uma nova Força, batizada como “Força Aeroespacial de Defesa”. A doutrina russa de defesa, de 2010, assim como a norte-americana, atribui ao espaço uma função essencial, afirmando que “assegurar a supremacia na terra, mar, ar e espaço será fator decisivo para que os objetivos sejam atingidos.”

A década de 1940 assistiu ao nascimento das Forças Aéreas. O lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki mostrou a um mundo estarrecido a capacidade destruidora do armamento transportado e lançado por aviões bombardeiros. Foi o auge da teoria geopolítica do Poder Aéreo, cujo maior expoente, Alexsander Seversky, em sua obra “A vitória pela Força Aérea”, já destacava a importância estratégica dos vetores aéreos de combate e do domínio do espaço aéreo. Setenta anos se passaram e agora assistimos ao surgimento das Forças Espaciais. Mas, diferentemente das Forças Aéreas que foram criadas em praticamente todos os países soberanos, a criação das Forças Espaciais exige tecnologias ainda muito restritas, sem falar de uma reserva de capitais indisponível para a grande maioria das nações.

Se é certo que o mundo ainda é castigado pela guerra, que neste momento assola muitos países ceifando as vidas de soldados e civis, também é correto afirmar que o equilíbrio obtido pela ameaça de destruição mútua assegurada dos tempos da Guerra Fria impediu que se deflagrasse uma guerra nuclear entre as superpotências do planeta. Resta saber se este equilíbrio será mantido também no ambiente espacial.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. Foi instrutor da ECEME. Realizou o Curso de Estudos de Defesa e Estratégia na Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China, entre 2015 e 2016. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br


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8 comentários

  1. O Brasil não pode ficar para trás, a longo prazo vai ser complicado manter a unidade da nação se não entrarmos “a serio” em desenvolvimento militar e estratégico.

    1. É preciso mudar a situação economica do país, e em seguida priorizar o que é importante. Quem sabe nos próximos anos esse jogo muda! Grato por comentar.

  2. O que eu vejo é que o Brasil com toda sua riqueza está ficando para trás em muitas e muitas áreas em especial na área Militar se não mudarmos rápido este paradigma já não tenho a certeza que a soberania do Brasil seja afetada.

  3. Forças espaciais: estamos vendo o futuro acontecer bem na frente dos nossos olhos! Sim, a “Guerra nas Estrelas” já é uma realidade, ainda que muito mais no ramo de cibernética do que em armamentos propriamente ditos.

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