EUA e IRÃ: a tensão no Golfo continua

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Por Albert Caballé Marimón

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Convoo do porta-aviões USS Abraham Lincoln em imagem de maio de 2019 (Foto: Mass Comm Specialist 3rd Class Garrett LaBarge/US Navy via AP)

A decisão no última momento do presidente dos EUA, Donald Trump, de suspender os ataques planejadas ao Irã na semana passada foi o ápice de semanas de tensão militar. Trump acusa o Irã de estar por trás de ataques a navios no Golfo. Teerã nega.

Após ameaças de Trump na quarta-feira de destruir partes do Irã se este voltar a atacar “qualquer coisa americana”, acrescentando que “só estou dizendo que se algo acontecer, não duraria muito”, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, disse no Twitter que uma guerra curta com o Irã é uma ilusão e que com sua ameaça de “obliteração” Trump está na verdade ameaçando o Irã com “genocídio”, que é um “crime de guerra”. Hassan Rouhani, presidente iraniano, classificou a política da Casa Branca de “retardada mental”.

Ao mesmo tempo, Mark Esper, o novo secretário de Defesa dos EUA, pediu aos aliados da OTAN que considerem participar de um plano para salvaguardar as vias estratégicas do Estreito de Ormuz. Ele também pediu ajuda para levar as tensões com o Irã à esfera diplomática, evitando a escalada militar.

Aliados europeus manifestaram a importância de uma diminuição das tensões entre os EUA e o Irã, afirmando que apoiam esforços diplomáticos nesse sentido. Esper afirmou que Washington não está à procura de uma guerra e que busca apoio europeu para uma solução diplomática, mas alertou que os EUA estão prontos para defender seus interesses na região, e que não se deve confundir contenção com fraqueza.

Segundo a agência Reuters, citando um diplomata da OTAN, a França expressou preocupações sobre a possibilidade de atuação da OTAN na crise, e a Alemanha salientou a importância do acordo nuclear de 2015 do Irã com os principais parceiros mundiais.

Esper afirmou à imprensa que nenhum aliado da OTAN fez contribuições na reunião da última quinta-feira, mas acrescentou que ainda é cedo, uma vez que os EUA ainda estão definindo opções para impedir novos ataques contra navios comerciais. As opções incluiriam uma vigilância marítima mais ampla, a criação de uma “linha de piquete de navios” para proteger as hidrovias internacionais e escoltas para os navios.

A reunião trimestral da comissão mista do acordo nuclear de 2015, que reúne altos funcionários do países remanescentes – Irã, França, Alemanha, Reino Unido, Rússia, China e União Europeia, ocorreu ontem em Viena com os europeus tentando persuadir o Irã a não violar os limites do estoque de combustível nuclear.

A reunião terminou de forma inconclusiva, com os iranianos dizendo que o Reino Unido, a França e a Alemanha fizeram progressos apenas modestos no sentido de criar mecanismos de contorno das sanções americanas impostas ao comércio com Teerã.

Abbas Araghchi, o vice-ministro das Relações Exteriores do Irã, disse esperar que o Irã siga adiante com o plano de romper o teto de urânio enriquecido. Essa violação pode ocorrer ainda neste fim de semana, e pode potencialmente desencadear outro confronto com o governo dos EUA. Araghchi acrescentou que as iniciativas ainda “não são suficientes, e não atendem às expectativas do Irã”. Ele afirmou ainda que a decisão de extrapolar o limite será tomada em Teerã.

Os europeus, na tentativa de manter intactas as principais disposições do acordo, têm defendido uma negociação que permita o comércio limitado com o Irã, através de um sistema de permutas, chamado de “Instax”, para contornar as sanções americanas. Mas o sistema demorou a sair, e Teerã apostou que, ameaçando renunciar ao acordo nuclear, forçaria a Europa a agir.

O fato de romper o limite do estoque de combustível nuclear não daria, por si só, material suficiente para o Irã produzir uma arma nuclear, mas os europeus têm incentivado os iranianos a não deixarem o acordo por medo de retaliações por parte do governo Trump.

Caso o Irã realmente rompa o limite nos próximos dias, poderá forçar uma decisão dos EUA e dos europeus. A linha dura de Washington, incluindo John Bolton, vem pedindo já há bastante tempo o desmantelamento das instalações nucleares iranianas, se necessário por meio de ação militar.

Se qualquer um dos países europeus no acordo – Reino Unido, França e Alemanha – acreditarem que o Irã o violou, pode desencadear um processo de resolução de disputas que poderia, dentro de 65 dias, terminar no Conselho de Segurança da ONU com o chamado snapback das sanções da ONU ao Irã. No entanto, Rússia e a China são aliadas do Irã e dificilmente aprovariam isso.

Pelo processo de disputa do acordo, o Irã pode argumentar que a retirada dos EUA e a campanha de sanções de Washington “constitui um não desempenho significativo” e “trata a questão não resolvida como motivo para deixar de cumprir seus compromissos”. O Irã também poderia argumentar que uma redução em seu compromisso não é uma violação porque, sob uma disposição separada, o acordo dizia: “O Irã declarou que tratará tal reintrodução ou reimposição das sanções … ou tal imposição de novas sanções nucleares, como motivos para deixar de cumprir seus compromissos em partes ou no todo”.

A seguir, o passo-a-passo do processo de resolução de disputas:

Processo de Resolução de Disputas da Comissão Conjunta

PASSO UM – Se qualquer parte do acordo nuclear acredita que outra parte não está cumprindo seus compromissos, pode encaminhar a questão a uma Comissão Conjunta, cujos membros são Irã, Rússia, China, Alemanha, França, Reino Unido e União Europeia (Os EUA eram membros antes de se retirarem do acordo). A Comissão Conjunta teria então 15 dias para resolver a questão, a menos que concordasse por consenso em prorrogar o prazo.

PASSO DOIS – Se qualquer parte acredita que o problema não foi resolvido após o primeiro passo, pode encaminhá-lo aos Ministros das Relações Exteriores das partes do acordo. Os ministros teriam 15 dias para resolver a questão, a menos que concordem por consenso em estender o período de tempo.

Paralelamente, ou ao invés de consideração por Ministros do das Relações Exteriores, a parte queixosa ou a parte acusada de incumprimento também pode pedir que a questão seja analisada por um conselho consultivo de três membros. Os participantes da disputa nomeariam um membro e o terceiro membro seria independente. O conselho consultivo deve fornecer uma opinião não vinculativa dentro de 15 dias.

PASSO TRÊS – Se a questão não for resolvida durante o processo inicial de 30 dias, a Comissão Mista tem cinco dias para considerar qualquer opinião do conselho consultivo em uma tentativa de resolver a disputa.

PASSO QUATRO – Se a parte reclamante não ficar satisfeita depois disso e considerar que a questão “constitui um não desempenho significativo”, poderia tratar a questão não resolvida como motivo para deixar de cumprir seus compromissos sob o acordo no todo ou em parte. Também pode notificar os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU que a questão constitui “falta de desempenho significativo”. Na notificação, a parte deve descrever os esforços de boa-fé feitos para esgotar o processo de resolução de disputas da Comissão Conjunta.

PASSO CINCO – Uma vez que a parte reclamante notifique o Conselho de Segurança, o órgão deve votar dentro de 30 dias sobre uma resolução para continuar com o alívio das sanções ao Irã. Para ser aprovada, a resolução precisa de 9 votos a favor e nenhum veto dos EUA, Rússia, China, Reino Unido ou França.

PASSO SEIS – Se tal resolução não for adotada dentro de 30 dias, as sanções em todas as resoluções anteriores da ONU seriam reimpostas – referidas como snapback – a menos que o conselho decida o contrário. Se as sanções anteriores forem reimpostas, elas não se aplicariam retroativamente a contratos assinados pelo Irã.

Tensões seguem crescendo

Afora o término inconclusivo da reunião de ontem da comissão mista do acordo nuclear de 2015, algumas outras notícias indicam que parece haver disposição para a continuidade no aumento da tensão na região.

Segundo a Tasmin, agência de notícias iraniana, na sexta-feira o Irã registrou uma queixa formal na ONU contra os EUA pela violação de seu espaço aéreo com a aeronave não-tripulada abatida no início do mês. O vice-ministro das Relações Exteriores, Gholamhossein Dehghani, disse que “a queixa foi apresentada ao Conselho de Segurança da ONU pela agressão ao nosso espaço aéreo pelo drone norte-americano… a queixa afirma que Teerã se reserva o direito de responder com firmeza se os EUA repetirem a violação”.

Já nos EUA, o senado não obteve votos suficientes para aprovar uma medida que forçaria Trump a pedir autorização do Congresso antes de um envolvimento militar com o Irã (exceto no caso de autodefesa). A medida enfrentou forte oposição dos republicanos, que argumentaram que era desnecessário, e potencialmente perigoso, enviar ao Irã uma mensagem de que o Congresso poderia enfraquecer o comandante-chefe da nação em meio a um conflito.

Outro possível indicativo vem dos Emirados Árabes Unidos, membros da coalizão militar liderada pela Arábia Saudita que no Iêmen, reduzindo sua presença militar no país conforme a tensão entre os EUA e o Irã ameaçam aumentar. Segundo a agência Reuters, diplomatas disseram que os Emirados continuam comprometidos com a coalizão, mas Abu Dhabi preferiu manter suas forças e equipamentos à disposição para o caso de uma escalada mais séria.

Barômetro

De acordo com o periódico israelense Haaretz, o CSG 12 (Carrier Strike Group) do porta-aviões USS Abraham Lincoln se tornou um barômetro da tensão na região. O grupo de ataque segue realizando exercícios no Mar Arábico, a mais de mil quilômetros de distância do Estreito de Ormuz. Não há comentários oficiais, mas especula-se que a demora teria por objetivo baixar a tensão antes de passar pelo Estreito.

O Irã normalmente acompanha de perto os navios da US Navy passando pelo local, e a Guarda Revolucionária Islâmica vem aperfeiçoando a técnica de “enxames de ataque” de drones com bombas e mísseis. As pequenas lanchas rápidas da Guarda frequentemente cortam a frente dos porta-aviões americanos, aproximando-se deles perigosamente.

O Irã ameaça fechar o estreito se não puder vender seu petróleo ao mercado global devido às sanções aplicadas pelos EUA após a saída de Washington do acordo nuclear de 2015.


Com informações da Al Jazeera, Defense News, Haaretz, The New York Times, Reuters e The Washington Post


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2 comentários

  1. Excelente artigo,acho que este acordo que foi firmado no governo OBAMA veio cheio de falhas e com certeza foi um dos motivos para esta escala de tenções entre os EUA e Irá espero que tudo se normalize,um grd abraço.

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