As tensões crescentes no Golfo Pérsico

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Cel-Paulo-Filho Por Cel. Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

O Irã é um país governado, desde a Revolução de 1979, por religiosos da corrente islâmica xiita. E, especialmente após a chamada Primavera Árabe de 2011, posiciona-se em defesa dos grupos xiitas em todo o Oriente Médio. Assim, o país apoia os Houthis no Iêmen, país que enfrenta uma guerra civil, considerada pela ONU “a maior crise humana da atualidade”. Também se posiciona em favor de reformas políticas no Bahrein, onde uma maioria xiita é governada por uma monarquia sunita. A Guarda Revolucionária iraniana deu um forte apoio ao regime de Bashar Assad na Síria, contra a oposição armada sunita, além de apoiar grupos xiitas no interior do Iraque, país que está completamente fragmentado desde a queda de Saddam Hussein.


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O presidente da Síria, Bashar al-Assad, se encontra com o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, em Teerã, no Irã, em 25 de fevereiro de 2019 (Foto: SANA/Reuters)

A Arábia Saudita, país governado por uma monarquia wahabista, uma corrente do islamismo sunita, disputa com o Irã a liderança regional. A relação entre os dois países se deteriorou significativamente nos últimos anos, especialmente após a execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr, na Arábia Saudita, e em razão da guerra civil que vem sendo travada no Iêmen, uma verdadeira “guerra por procuração”, com cada um dos países apoiando um dos lados no conflito.

Por sua vez, o governo de Israel considera que o Irã representa uma constante ameaça ao país. O apoio dos iranianos ao grupo Hezbollah é um dos principais focos de tensão. O Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu repetidas vezes afirmou que Israel não aceitará que o Irã se torne uma potência nuclear.

Os interesses geopolíticos que cercam a região do Golfo Pérsico são enormes. Por ali transitam as riquezas do Iraque, Kuwait e Emirados Árabes, além do Bahrein e do Catar. O território do Irã constitui-se em verdadeira ponte a unir o Mar Cáspio ao Oceano Índico, além de proporcionar às repúblicas centro-asiáticas uma saída para o mar.


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Rebeldes houthis em Sana após um ataque aéreo da coalizão liderada pelos sauditas em 5 de dezembro de 2017 (Foto: AFP/Getty Images)

É nesse contexto já altamente conturbado que o mundo assiste as tensões no Golfo Pérsico mais uma vez se elevarem, e o espectro da guerra voltar a rondar a região. No último dia 13 de maio, a Arábia Saudita denunciou a sabotagem de dois de seus navios petroleiros no Estreito de Ormuz, no litoral dos Emirados Árabes Unidos. Apenas dois dias depois, Aeronaves Remotamente Pilotadas, carregadas com explosivos, atingiram poços de petróleo perto de Riad, a capital da Arábia Saudita. Os atos terroristas foram assumidos pelos Houthis, grupo Iemenita apoiado pelo Irã.

Tudo isso em um momento de escalada de tensões entre o Irã e os Estados Unidos. Ano passado, os EUA se retiraram do acordo multilateral, estabelecido em 2015, em Viena, que impunha limites ao programa nuclear iraniano em troca do alívio das sanções econômicas. Desde então, os EUA re-impuseram uma série de sanções unilaterais que afetaram transações financeiras, importações de matérias primas, inclusive petróleo, o setor automotivo e a aviação comercial. Apesar de Reino Unido, França, Alemanha, China e Rússia, os outros países integrantes do acordo, terem se negado a acompanhar as sanções norte-americanas, mantendo o respaldo ao tratado em 2015, o fato é que as medidas acabam por afetar inclusive os negócios feitos por eles, já que as empresas e países podem sofrer retaliações norte-americanas caso comerciem com Teerã.


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O porta-aviões USS Abraham Lincoln realiza operação de reabastecimento com o navio de apoio USNS Arctic no Oceano Atlântico, em 12 de abril de 2019 (Foto: USN/Seaman Zachary Pearson)

Depois de aguardar por um ano por uma solução que contornasse os embargos americanos, no início deste mês o Irã resolveu dar um ultimato aos europeus e chineses. Anunciou que suspenderia imediatamente o trato de limitar os estoques de água pesada e urânio enriquecido e que, se em sessenta dias os demais países signatários do acordo não encontrassem soluções para driblar as sanções norte-americanas, renunciaria a outros compromissos limitantes de suas capacidades nucleares, acordados em 2015.

Como se vê, no espaço de pouco mais de uma semana, vários acontecimentos se encadearam de forma que as tensões escalaram muito rapidamente.

Foi o suficiente para que houvesse uma forte reação norte-americana. O Secretário de Estado Mike Pompeo declarou que milícias xiitas no Iraque, patrocinadas pelo Irã, estariam ameaçando tropas americanas estacionadas naquele país. Disse ainda que, caso os militares fossem atacados, os EUA se sentiriam obrigados a reagir, sem necessidade de coordenar as ações com o governo iraquiano. Ao mesmo tempo, a Força-tarefa liderada pelo porta-aviões USS Abraham Lincoln, reforçada por bombardeiros B-52, foi enviada ao Golfo Pérsico. A Espanha, por não concordar com o deslocamento dos navios de guerra para o Golfo neste momento, deu ordem para que sua Fragata, a F-104 Méndez Núñes, que estava compondo a formação, deixasse a Força-Tarefa. A ação da Espanha foi uma clara demonstração de que o país, assim como as demais potências europeias, não está alinhada com as últimas decisões norte-americanas em relação ao Irã.


Sobre este assunto, assista também ao Vídeo 602 do CANAL ARTE DA GUERRA: Explicando as tensões EUA X Irã no Golfo


O jornal The New York Times noticiou que um plano para deslocar 120 mil militares norte-americanos para a região do Golfo Pérsico estaria pronto e teria sido apresentado para assessores de alto nível do governo Trump. Perguntado sobre o assunto, o Presidente Trump negou. É evidente que há diversos planos dessa natureza nas gavetas do Pentágono, prontos para serem desencadeados nas diversas hipóteses previsíveis de conflito. Assim, a simples existência do planejamento não significaria nenhuma novidade e esta notícia não quer dizer que exista uma decisão de emprego efetivo ou imediato das Forças Armadas.

Os próximos acontecimentos dependerão da habilidade dos envolvidos na condução da crise. O Irã mexeu as peças no tabuleiro e deu um xeque nos países signatários do acordo nuclear. Espera agora a resposta. Aos europeus e chineses caberá responder. Caso encontrem uma saída para manter suas posições, não aderindo às sanções norte-americanas, o Irã talvez se mantenha no acordo. Caso contrário, o Irã o abandonará definitivamente. E a crise escalará ainda mais.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br


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11 comentários

  1. Este artigo é excelente e agora mais do que nunca tem que ser divulgado para que a sociedade tenha a noção do que pode escalar. Por enquanto é aguardar a resposta dos países europeus e chineses.
    Excelente artigo e os meus parabéns.

  2. Excelente a análise do momento vivido ali no Oriente Médio. E aproveitando para externar os parabéns pela seriedade com que esse canal trata de assuntos tão importantes.

  3. Excelente artigo! Como sempre aprendo cada dia mais! Parabéns ao Cel Paulo Roberto da Silva Gomes Filho! CAVALARIA!!! AÇO!!!

  4. …”Os próximos acontecimentos dependerão da habilidade dos envolvidos na condução da crise. O Irã mexeu as peças no tabuleiro e deu um xeque nos países signatários do acordo nuclear. Espera agora a resposta.”
    Quase profetico.
    Parabéns a capacidade de analise do autor e Obrigado ao Velho General por disponibilizar!

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