Controle Marítimo: Submarinos ou Poder Aéreo?

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Publicado originalmente na revista Australian Aviation em julho de 1996 por Carlo Kopp. Traduzido por Albert Caballé Marimón

*Nota do tradutor: os leitores notarão que alguns dos equipamentos mencionados neste artigo não estão mais em operação. No entanto, a importância deste material se dá pelos conceitos apresentados. Trata-se de uma análise de extremo valor conceitual.

O poder aéreo tem sido o fator decisivo em quase todos os grandes engajamentos navais desde o início da Segunda Guerra Mundial. Quer fosse usado pelos Aliados ou pelo Eixo, o poder aéreo, quando aplicado sistematicamente à guerra naval, aniquilava forças de superfície naval e comboios de transporte não defendidos por aeronaves.

Alguns exemplos importantes serão examinados. A batalha do Atlântico inicialmente favoreceu a Alemanha, e os Focke Wulf Condors da Luftwaffe causaram estragos nos comboios aliados navegando em alto mar até serem combatidos por caças de porta-aviões de escolta. A infame história do comboio PQ-17, quase todo afundado pelos Ju-88 e He-111 da Luftwaffe, foi contada muitas vezes.

Quando os Aliados ganharam a ascendência no Atlântico, foi novamente o poder aéreo baseado em terra que desempenhou papel decisivo. Liberators, Catalinas e Sunderlands do Comando Costeiro bloquearam a Alemanha e caçaram a maior parte da frota de submarinos da Kriegsmarine. Mosquitos e Beaufighters cortaram as rotas de navegação no Mar do Norte.

A batalha do Mediterrâneo foi dominada pelo poder aéreo, inicialmente os Stukas e os He-111 da Luftwaffe; mais tarde, a RAF e a USAAF cortaram as linhas de suprimentos de Rommel para o norte da África, levando ao fim do Afrika Korps1.

Mais perto de casa (nota do tradutor: o autor vive na Austrália), na Batalha do Mar de Bismarck, travada pelos EUA, Austrália e Japão, um grande comboio de invasão japonesa foi aniquilado ao largo da costa da Nova Guiné2. Isso ocorreu menos de dois anos depois de torpedeiros e bombardeiros da Marinha Imperial japonesa baseados em terra  afundarem o Repulse e Prince of Wales na costa da Malásia.

Algo pouco pouco conhecido, é que a força B-29 de Curtis LeMay nas Marianas, enquanto bombardeava as cidades do Japão, reduzindo-as a escombros, também conduziu uma grande campanha de minagem nos portos do Japão e nas rotas de navegação costeira. Os B-29, com base em estatísticas publicadas pela Marinha dos EUA, afundaram mais navios por meio de minagem do que o braço submarino da USN3.


Sobre este assunto, assista também ao vídeo 228 do CANAL ARTE DA GUERRA: Aviação Naval ou Submarinos: o que é mais eficiente?


Quer examinando o desempenho da Luftwaffe no Ártico ou o desempenho da USAAF ao largo da costa japonesa, as estatísticas publicadas por muitas fontes indicam claramente que as aeronaves baseadas em terra afundaram mais navios do que os U-Boats ou os submarinos da Marinha dos EUA, a uma fração dos custos e taxas de perda destes últimos. Quer os navios tenham sido afundados por ataque direto ou por minagem, as aeronaves o fizeram de maneira muito mais eficiente.

Mais recentemente, Harriers e Sea Harriers da RAF (Royal Air Force, Real Força Aérea) e da Royal Navy desempenharam um papel decisivo na retomada das Malvinas, e a única oposição útil da Argentina foi fornecida pela FAA (Fuerza Aerea Argentina), que afundou quatro destróieres e fragatas e um importante navio de transporte usando, para os padrões modernos, uma capacidade marginal (um punhado de Exocets e bombas burras vintage da USAAF da Segunda Guerra Mundial). Se as bombas argentinas detonassem adequadamente, as perdas teriam sido pelo menos duas vezes maiores4.

As operações da Marinha dos EUA contra o Irã no final da década de 1980 destruíram a Marinha Iraniana com mísseis Harpoons disparados por bombardeiros A-6, enquanto a maior perda dos EUA no período foi uma FFG-7 (nota do tradutor: uma fragata classe Oliver Hazard Perry) que quase foi afundada por um míssil Exocet lançado por um avião iraquiano.

Durante a Guerra do Golfo, aviões da US Navy e da RAF aniquilaram a capacidade naval do Iraque em questão de dias, usando Harpoons, foguetes, canhões e bombas. A marinha iraquiana sofreu o equivalente marítimo de Khafji (nota do tradutor: Batalha de Khafji, o primeiro grande engajamento terrestre da Guerra do Golfo, que ocorreu de 29 de janeiro a 1 de fevereiro de 1991), e sua maior contribuição para a guerra foi a decoração de aeronaves aliadas com as estampas apropriadas (nota do tradutor: refere-se às marcações de vitórias em combate pintadas na fuselagem das aeronaves). Nada menos que 138 navios foram destruídos ou severamente danificados, quase todos pela força aérea aliada. A frota de superfície dos EUA quase perdeu dois navios para as minas navais iraquianas.

A evidência histórica é irrefutável. Aeronaves são uma ameaça muito maior para navios mercantes e de guerra do que os submarinos e navios de combate de superfície, e além disso, os últimos também são altamente vulneráveis ​​a ataques aéreos.

QUAL É O PRINCIPAL PAPEL DE UMA MARINHA?

O principal papel de uma marinha é controlar os mares5. Isto é conseguido pelo engajamento de navios por ataque direto ou minas, ou ainda pela ameaça de fazê-lo. A ascenção do submarino e do porta-aviões durante a Segunda Guerra Mundial e o papel proeminente desempenhado por esses tipos de navios continua até hoje. O encouraçado, e os navios de combate de superfície convencionais em geral, declinaram em importância desde 1939. O principal papel do navio de combate de superfície hoje é proporcionar certa medida de defesa aérea, defender outros navios de submarinos e apoiar desembarques anfíbios com fogo.


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Bomba planadora Rockwell GBU-15 CWW atinge um alvo durante testes. Bombas guiadas amplamente exportadas, como as KAB-500Kr e KAB-1500Kr/TK russas, produziriam efeitos similares às bombas guiadas equivalentes dos EUA (Foto: USAF)

A evolução do moderno míssil antinavio levou a uma situação em que um navio mercante deve ser defendido de mísseis hostis disparados por aeronaves a distâncias significativas, elevando o tamanho e o peso dos caças baseados em porta-aviões ao ponto em que eles só podem ser efetivamente operados em grandes embarcações tais como aquelas usadas ​​pela US Navy. A composição de um CBG (Carrier Battle Group, Grupo de Batalha de Porta-Aviões) atualmente é amplamente defensiva, com um único porta-aviões necessitando posicionar muitos caças, várias aeronaves AEW (Airborne Electronic Warfare, ou Guerra Eletrônica Aerotransportada) e ser escoltada por até uma dúzia de cruzadores de defesa aérea (AAW, Antiaircraft Warfare), destroieres ASW (Anti Submarine Warfare) e escoltas leves, como fragatas, bem como como um ou dois submarinos de ataque. Tal é o valor de um porta-aviões para o oponente e para o usuário, que a seu desdobramento em águas disputadas requer suporte ASW e AAW significativo. O navio-aeródromo leve simplesmente não é uma proposta viável em águas contestadas6.

No contexto do papel primordial da Marinha de controle do mar, a menos que a Marinha seja capaz de implantar um ou mais CBG plenamente capazes, sua principal ferramenta para o controle do mar será o submarino. O submarino atacará navios com torpedos e lançará mísseis anti-navios e minas. Também pode ser desdobrado defensivamente para engajar submarinos hostis.

As minas são uma arma particularmente valiosa, pois são simples, baratas, confiáveis ​​e persistentes. O uso inteligente de campos minados pode negar a um oponente o uso de portos, canais e rotas de navegação, bem como forçar o desvio para zonas de matança patrulhadas por submarinos e aeronaves. As minas modernas são muito difíceis de encontrar e remover, e podem ser facilmente lançadas por embarcações e aeronaves navais.

Em uma guerra estratégica, o controle do mar geralmente é empregado ofensivamente como meio de bloquear as rotas ou portos de um oponente, ou para permitir que forças anfíbias estabeleçam uma cabeça de praia num litoral contestado. O bloqueio pode muitas vezes privar um oponente de recursos e material de guerra a ponto de ser incapaz de sustentar seu esforço de guerra e entrar em colapso como resultado – o Japão em 1945 é um bom exemplo.


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O submarino da classe Collins representa o estado da arte em capacidades submarinas de ataque convencionais. Devido ao seu tempo de trânsito lento e carga útil limitada, é um ativo de controle do mar inferior em relação aos jatos táticos apoiados por reabastecedores. O submarino pode, no entanto, desempenhar um papel vital no apoio aos ataques aéreos, dirigindo o tráfego marítimo para as zonas de abate, limpando os extraviados, realizando a Avaliação de Danos por Bombardeio e realizando missões de Busca e Resgate de Combate, se necessário. Na imagem, o HMAS Collins SSG-73 (Foto: Kockums AB/Wikimedia Commons)

A capacidade de qualquer marinha contemporânea que não seja a US Navy de alcançar um grau de controle do mar em face de uma força aérea moderna bem equipada é questionável. Embora os submarinos de primeira linha tenham uma chance razoável de escapar das aeronaves ASW, sua capacidade de sustentar operações de forma eficaz sob constante assédio aéreo é questionável. Todo envolvimento com o inimigo denuncia sua posição e aumenta sua vulnerabilidade a um ataque.

Os Grupos de Ação de Superfície (SAG, Surface Action Groups), incluindo cruzadores, destróieres e fragatas, não resistirão a um ataque sustentado de forças aéreas de última geração, que podem saturar suas defesas SAM (Surface to Air Missile, Míssil Superfície-Ar) e AAA com mísseis antinavio e mísseis antirradiação. Uma vez que o SAG perca suas defesas de área – quando os cruzadores AAW forem afundados com ARM (Anti Radiation Missiles, Mísseis Anti-radiação) e ASM (Air to Surface Missile, Míssil Ar-superfície) –, eles serão feitos aos pedaços com bombas guiadas a laser e ASM. O SAG não é passível de sobrevivência sob ataques aéreos contínuos e concentrados, além disso, os jatos atacantes geralmente podem ficar de fora da área de alcance dos SAM e continuar disparando ASM no SAG até que suas defesas aéreas entrem em colapso.

A capacidade de um SAG de proporcionar defesa útil de comboios também está aberta a questionamentos. Repetir o fiasco do PQ-17 ou a batalha do Mar de Bismarck seria o resultado mais provável. Apenas um cruzador classe CG-47 Aegis (Ticonderoga) dos EUA tem alguma chance de ser útil na defesa de um comboio. Se o ataque aéreo for sustentado e concentrado, uma vez que o cruzador tenha esgotado sua munição, a batalha estará perdida.

CONTROLE DO MAR E A ADF (AUSTRALIAN DEFENCE FORCES)

A RAN (Royal Australian Navy, a Real Marinha Australiana) está claramente ciente dessas circunstâncias, e a construção de seis submarinos da classe Collins e o recente lobby pela construção de mais dois refletem o foco no uso do submarino, armado com Harpoons, torpedos e minas, como sua principal ferramenta para o controle do mar (relatórios recentes indicam que a instalação externa de transporte de minas no Collins não será usada, e as minas deverão ser transportadas à custa de torpedos e Harpoons). A frota de superfície da RAN, que compreende no início do próximo século uma mistura de fragatas leves FFG-7 e ANZAC, simplesmente não pode sobreviver sem o apoio de caças da RAAF (Royal Australian Air Force, Real Força Aérea Australiana) e aeronaves AEW&C (Airborne Early Warning and Control, Alerta Aéreo Antecipado e Controle). Uma vez que grandes porta-aviões estão simplesmente além de nossos meios como nação (nota do tradutor: o autor refere-se à Austrália), essa situação não mudará. A questão que devemos nos fazer então é se uma força de seis a oito submarinos pode fazer um trabalho melhor na execução da missão vital de controle do mar, do que poderia ser executada pela RAAF usando suas alas de AP-3C, F-111 e F/A- 18.

Diversas questões devem ser consideradas nestas circunstâncias:

  • Flexibilidade – é uma medida da rapidez com que um ativo pode ser rearmado, recomissionado,  e re-desdobrado para engajar o oponente. A quantidade de tipos de alvos que podem ser engajados também é um problema.
  • Peso de fogo – é uma medida de quantas armas podem ser lançadas num ataque de saturação contra a frota de superfície ou comboio de um oponente.
  • Sobrevivência – é a capacidade de sobreviver a repetidos engajamentos com o adversário.
  • Cobertura – é a medida de que área do oceano pode ser negada ao inimigo por uma única plataforma, ou uma unidade típica de uma plataforma.
  • Raio de operação – é uma medida de quão distante um oponente pode ser bloqueado ou engajado efetivamente.
  • Custos – aquisição, desgaste e custos operacionais devem ser considerados.
  • Persistência – é a capacidade de sustentar o controle de águas contestadas, mantendo presença.

A flexibilidade favorece o poder aéreo, já que a aeronave pode se deslocar a centenas de nós, enquanto os submarinos se deslocam a dezenas de nós. Os submarinos devem retornar à base para reabastecer e rearmar, ou encontrar-se com tênder de submarinos; em qualquer dos casos, deve fazê-lo de fora da cobertura de aeronaves marítimas hostis. As aeronaves podem ser recarregadas muito mais rapidamente que os submarinos e podem engajar navios, submarinos e outras aeronaves. Enquanto um submarino pode dominar apenas o meio submarino e de superfície sob circunstâncias favoráveis, a aeronave pode dominar os meio aéreos, submarinos e de superfície. Um AP-3C pode engajar navios e submarinos, enquanto o F-111 e o F/A-18 podem engajar aeronaves e navios de superfície. Todos eles podem semear minas navais (a mina semeada por meio aéreo padrão é uma ogiva de bomba Mk.80 com pára-quedas com um kit Mk.36/40/41 anexo7, lançado de baixa altitude). O poder aéreo é, portanto, uma ferramenta mais flexível do que os submarinos para o controle do mar.

O peso de fogo favorece o poder aéreo, já que seis ou menos aeronaves podem carregar a mesma carga de Harpoons ou minas que um submarino. Um esquadrão de doze F-111 ou F/A-18 pode entregar o peso do fogo de dois submarinos numa única surtida, e várias vezes o peso do fogo se permitirmos que a aeronave voe para a base, recarregue e engaje novamente, coisa que uma aeronave pode fazer em muito menos tempo do que um submarino leva para interromper o contato, encontrar-se com um tênder, recuperar o contato com o inimigo e reengajar. Como exemplo, no tempo que leva para um submarino transitar 1.000 milhas náuticas a 20 nós para uma zona de combate, um F-111 pode fazer nada menos que seis viagens com 3 horas para recarregar e reabastecer a cada surtida – com efeito, um único F-111 fornece aproximadamente o mesmo peso agregado de fogo de um submarino classe de Collins. O poder aéreo, portanto, oferece um peso de fogo muito maior do que um submarino.

A capacidade de sobrevivência favorece o poder aéreo, já que os modernos jatos táticos podem lidar com caças hostis, aeronaves marítimas e embarcações de superfície de maneira muito eficaz. Enquanto um submarino deve evitar aeronaves e navios ASW hostis e outros submarinos a fim de cumprir sua missão, todas essas ameaças são geralmente alvos fáceis para as aeronaves engajarem com sucesso. A aeronave de patrulha marítima, que é uma ameaça mortal para o submarino, é presa fácil para um F-111 ou F/A-18. O mesmo acontece com os vasos de superfície. Enquanto um submarino pode, em teoria, envolver uma aeronave ASW com um SAM encapsulado, o submarino ainda é a parte perseguida no engajamento. Uma aeronave pode sempre se livrar e recuar muito mais rapidamente de um engajamento desfavorável. As estatísticas da Segunda Guerra Mundial sugerem que os submarinos sofreram taxas de perdas muito maiores do que as aeronaves em operações sustentadas. O poder aéreo tem, portanto, mais capacidade de sobrevivência do que os submarinos.

A cobertura favorece o poder aéreo, já que uma aeronave usando ESM (Electronic Support Measures, Medidas Eletrônicas de Apoio) e radar podem varrer uma área muito maior muito mais rapidamente do que um submarino usando um sonar rebocado. No cenário de controle do mar, onde as embarcações de superfície são o alvo, a aeronave oferece uma cobertura substancialmente maior do que os submarinos, e mais ainda se pudermos desdobrar várias aeronaves para cada submarino.


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A aeronave de ataque F/RF-111C pode atacar os navios com mísseis Harpoon e bombas guiadas a laser, bem como semear minas navais. Esse ativo fornece à RAAF uma tremenda capacidade de realizar a missão de controle do mar, mas requer suporte de reabastecimento para explorar plenamente seu potencial. Na imagem, um F-111G e um RF-111C da RAAF sobrevoando o Monte Mitchell, em Queensland, na Austrália (Foto: RAAF/ADF-Serials.com.au)

Os custos continuam a favorecer o poder aéreo em todas as categorias. Um submarino da classe Collins custa US$ 500 milhões e vale quase o custo de um esquadrão de jatos táticos de última geração novos. Perder um único submarino é uma perda semelhante à de todo um esquadrão de caças táticos, com maior perda de vidas. Em termos de retorno por dólar, as aeronaves tem, portanto, valor agregado muito melhor como ativo de controle marítimo.

A persistência e o raio de operação favorecem o submarino quando não há apoio de reabastecimento em vôo. Quando a força tem apoio de reabastecimento em vôo, ela poderá igualar o raio de operação do submarino sem dificuldades. As operações da RAF com os Nimrod durante a campanha das Malvinas são um bom exemplo.

Este ponto final nos leva às questões centrais para a ADF. É melhor gastar um bilhão de dólares num par de submarinos, ou investir menos dinheiro no fortalecimento dos orçamentos operacionais da RAAF, na capacidade de reabastecimento em voo e na Ala de Reconhecimento e Ataque? Dada a primazia do poder aéreo como ferramenta de controle do mar, a RAN deve manter a sua responsabilidade e orçamentos operacionais como a força prioritariamente encarregada do controle do mar, ou esta atividade deveria ser principalmente uma responsabilidade da RAAF?

Para explorar a primeira questão, vamos nos dedicar a um pouco de aritmética básica. A atual dotação ativa de uma SRW (Strategic Reconaissance Wing, Ala de Reconhecimento Estratégico, a 82º Ala da RAAF) compreende 22 aeronaves F/RF-111C e 6 F-111G, um total de 28 aeronaves, com nove F-111G em reserva. Vamos primeiro assumir que todas as aeronaves tem capacidade para operar com Harpoons, e todas estão disponíveis para uso. Quatro Harpoons cada produzem um carregamento de 4 x 36 = 144 disparos da 82º Ala, o que se compara favoravelmente com a carga total de 6 x 23 = 138 disparos (Harpoons e torpedos) para a força de submarinos Collins. Assumindo que as aeronaves podem fazer seis ou mais surtidas no mesmo tempo que um submarino pode fazer uma surtida, o estoque atual da 82º Ala tem mais de seis vezes a potência da planejada força submarina como um ativo de destruição de navios.

Estes são números interessantes. Se avaliarmos a eficácia de combate apenas pelo peso do fogo, a aquisição de um submarino aumenta nossa eficácia de combate no controle naval por um fator de um em seis (17%), e a aquisição de dois submarinos aumenta para dois em seis (33%). Por outro lado, os atuais 22 F-111 com capacidade para operar com Harpoons já possuem mais de 400% da eficácia de combate da planejada força de 6 submarinos. Se submetermos os 15 F-111G a um AUP (Avionics Upgrade Program, ou Programa de Atualização de Aviônicos) para que adquiram capacidade de operar com Harpoons, de forma que todos os 36 F-111 operacionais tenham esta capacidade, aumenta essa relação em mais de 625%.

Vamos agora fazer algumas comparações. Um submarino classe Collins custa cerca de US$ 500 milhões. O custo de um upgrade AUP incremental nas 15 aeronaves F-111G foi estimado entre US$ 80 milhões e US$ 100 milhões. Isso deixa uma diferença total de US$ 400 milhões. Suponhamos, então, que esse dinheiro seja gasto na compra de 16 reabastecedores KC-135R de segunda mão, mais ou menos US$ 25 milhões por aeronave. Este é um valor generoso por airframe, já que um KC-135R da USAF custa cerca de US$ 10 milhões para atualizar com motores CFM-56 para KC-135A entregues antes de 1966 e zero para os entregues antes de 1980. Permitiria um glass cockpit, uma suíte de guerra eletrônica e infraestrutura de suporte.

Pelo custo de um único submarino, a ADF poderia ter não apenas uma ala forte de 36 F-111 com capacidade de operar Harpoons, mas também um esquadrão de reabastecedores para fornecer a esta Ala um raio operacional igual ou maior do que a força submarina. Um único submarino melhoraria a eficácia de combate e controle marítimo da ADF em 17%, enquanto o mesmo valor gasto gasto numa atualização dos F-111G e em 16 reabastecedores melhoraria a eficácia da ADF em mais de 250% da potência da força submarina inteira.

Vamos agora assumir uma ala ativa de tamanho revisado de 56 aeronaves F-111, assumindo que todos os 37 airframes existentes se tornem disponíveis. Isso exigiria a aquisição de mais 19 células F-111 a cerca de US$ 90 milhões pelo pacote. Assumindo, então, US$ 5 milhões por airframe para um AUP em cada aeronave, temos um total de cerca de US$ 95 milhões. Pela metade do custo de um submarino adicional, a ADF poderia dobrar o tamanho da ala de F-111, fornecendo doze vezes a eficácia de combate da força de seis submarinos.


Flying with Eagles
Pelo custo de um único submarino Collins adicional, a ADF poderia adquirir um esquadrão de reabastecedores KC-135R, que permitiria que a ala de F-111 realizasse operações de controle do mar em raios maiores que os da força submarina, assim como tornaria todos os F-111G capazes de operar os Harpoon. Na imagem, dois F-15C da USAF se abastecem num Boeing KC-135R Stratotanker (Foto: Capt. Timothy Reinhart/USAF)

Se a razão para adquirir mais dois submarinos for aumentar a capacidade da ADF no papel de controle marítimo, poderemos fazer muito melhor gastando três quartos do dinheiro em navios-tanque e em F-111 extras, e obteremos muito mais capacidade pelos dólares investidos. Por que se preocupar com mais submarinos?

A segunda questão também tem algumas considerações. O arranjo existente é para a condução de operações conjuntas entre a RAN e a RAAF. Isso quer dizer que a RAAF é provedora de serviços para a RAN, portanto o comandante da força combinada quase certamente seria da Marinha e a RAN desenvolveria a estratégia de batalha, com consultoria da RAAF sobre as operações, que a RAAF a executaria.

Considerando a análise anterior, podemos ter um argumento muito forte para que o comandante da força conjunta seja da RAAF ao invés da RAN que passaria a ser uma provedora de serviços para a RAAF em operações de controle marítimo. A RAN forneceria suporte de inteligência e usaria seus submarinos para auxiliar a RAAF na condução das operações. Os submarinos da RAN podem levar ao navios hostis para as zonas de matança, fazer o trabalho de rescaldo com eventuais retardatários após os ataques aéreos, fazer uma Avaliação de Danos em Bombardeio pós-ataque, bem como executar Busca e Resgate de Combate, se necessário. Esse arranjo reflete o peso das respectivas capacidades muito melhor do que o modelo de operações com controle da Marinha. Este último é um anacronismo.

O governo deve considerar cuidadosamente como aloca o investimento de capital e os custos da operação de vigilância marítima e nas capacidades de controle marítimo. Uma melhoria substancial do retorno por dólar pode ser alcançada pela transferência de recursos e responsabilidades da RAN para a RAAF.

Essa discussão simplificou muitas questões, por exemplo, negligenciando as importantes capacidades do AP-3C e do F/A-18, mas a essência não seria diferente se a análise fosse muito mais completa. O poder aéreo é a arma dominante nas operações navais estratégicas e a ORBAT da ADF, os orçamentos operacionais e os arranjos de comando e controle devem refletir isso. Fazer menos é colocar a tradição acima das realidades da guerra moderna.


Malvinas
A situação de navios de guerra de superfície levemente armados sob ataque aéreo contínuo é muito bem ilustrada pelas pesadas perdas da RN durante a campanha das Malvinas. A operacionalmente marginal Força Aérea Argentina e o braço aéreo da Armada chegaram perto de derrotar a armada do Reino Unido usando bombas “burras” direcionadas visualmente e um punhado de Exocets disparados por uma coleção heterogênea de Mirages, Daggers, A-4 Skyhawks e Etendards sem capacidades básicas de guerra eletrônica e voando no limite de seu raio de combate (Fotos: Observatório Malvinas/Infobae)

REFERÊNCIAS

  1. Hallion R.P., Air Warfare and Maritime Operations, WP 45, RAAF Air Power Studies Centre, 1996
  2. McAulay L., Battle of the Bismarck Sea, St. Martin’s Press, NY 1991
  3. Chilstrom J.S., Maj, USAF, Mines Away! The Significance of US Army Air Forces Minelaying in WW II, USAF Air University Press, October 1993
  4. Middlebrook M., Operation Corporate, The Falklands War, 1982, Viking, 1985
  5. Wylie J.C., Rear Admiral USN, Military Strategy: A General Theory of Power Control, Australian Naval Institute Press
  6. Jane’s Air-Launched Weapons, Janes Information Group, 1990
  7. Spangenberg G.A., Naval Aviation Planning: A Retrospective View (and some lessons for 1995), in The Gold Book of Naval Aviation, Association of Naval Aviation, Inc, Virginia, 1985

*Imagem de capa: a nau capitânia da Royal Navy, o HMS Queen Elizabeth, deixa o porto de Gibraltar (Foto: Royal Navy)


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The Battle of the Bismarck Sea – 3 March 1943

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Military Strategy: A General Theory of Power Control (Classics of Sea Power)

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Guerra no mar: Batalhas e campanhas navais que mudaram a história: Batalhas e campanhas navais que mudaram a história

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10 comentários

  1. O artigo ainda é muito válido atualmente! Nossa realidade é de país continental, como a Austrália, e levando em consideração nossas particularidades, temos bastante coisa similar ao que o artigo trouxe. Parabéns, continuem nos agraciando com notícias e artigos de real fundamento e importância.

    1. Oi Beto! Exatamente, a importância do artigo está nos conceitos que ele traz, na análise que ele faz. Cabe a cada país fazer sua própria avaliação de acordo com sua realidade, mas as vantagens do poder aéreo são indiscutíveis. Obrigado por comentar!

  2. Interessante a equação submarino x esquadra aérea.
    Por isso é fundamental a análise dos cenários. A Austrália não deixa de ser uma grande ilha, já que não tem vizinhos, mar amplo. Como defender tamanha costa?
    Poder aéreo, com bem observado no artigo faz um trabalho de arrasa quarteirão. Não à toa o Strike Group ser o martelo da diplomacia americana.

  3. Essa Analise tem algumas ressaltas:
    1) O poder aéreo é baseado em Terra;
    2) Avaliam só SSK (AIP era novidade hoje é “moda” logo não foi avaliado)
    3)O F-111 não está mais e operação…
    4)Considerando um cenário defensivo quanto mais longe da costa o embate acontecer melhor até mesmo considerando misses de ataque terrestres em navios
    5)O raio de combate e persistência (sobre a área de combate) aqui se torna um fator importante assim como o tempo de resposta (novamente considerando a capacidade de ataque terrestre da outra força)

    Obs.:
    Como se trata de uma avaliação do poder aéreo terrestre vs submarino na guerra naval, logo, não foi avaliado o impacto dos Sea Harrier+CV nas malvinas, onde fica meio evidente que mesmo sendo inferior em, desempenho e capacidade, o fato de “está” próximo a base “nivelou” os jatos (seja por aumento de capacidade do caça seja por causar uma fadiga menor nos pilotos [creio que o pouso tenha sido bem estressante])…

    1. Temos que considerar que o texto é de 1996. Os F-111 estavam em operação na época em que foi escrito… Ele foca no poder baseado em terra porque na época a Austrália não operava porta-aviões. Ainda assim, o texto menciona as Malvinas e o Harrier: “Mais recentemente, Harriers e Sea Harriers da RAF (Royal Air Force, Real Força Aérea) e da Royal Navy desempenharam um papel decisivo na retomada das Malvinas”. Grato por comentar.

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