A Escandinávia não será o próximo alvo da Rússia

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Jyri-Raitasalo Por Jyri Raitasalo*, publicado no Foreign Policy em 27 de março de 2019 (Traduzido por Albert Caballé Marimón)
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F-18 finlandeses em Rovaniemi durante exercício conjunto das forças aéreas da Finlândia e da Suécia no Círculo Ártico em março de 2019 (Imagem: Jonathan Nackstrand/AFP/Getty Images)

Em um artigo recente da Foreign Policy, o ex-presidente georgiano Mikheil Saakashvili argumentou que “o alvo mais provável da Rússia no futuro próximo é a Finlândia ou a Suécia”. Como diz Saakashvili, “atacando um país não pertencente à OTAN, [o presidente russo Vladimir] Putin não se arrisca a uma resposta proporcional, de acordo com o Artigo 5º. Mas, tendo como alvo um país europeu, ele pode esperar colher os frutos da aprovação pública de eleitores que estão desesperados por uma vitória”.

Felizmente para a Finlândia e a Suécia, o argumento de Saakashvili baseia-se em inflar ameaças, no hype da Rússia e numa análise equivocada do que num entendimento realista das relações entre estados no norte da Europa.

“O argumento de Saakashvili baseia-se mais na inflação de ameaças, no hype da Rússia e numa má análise do que num entendimento realista das relações entre estados no norte da Europa”

Primeiro, começar uma guerra é sempre um caminho potencial para futuras catástrofes. Analisando os custos das incursões da Rússia na península da Crimeia e no leste da Ucrânia desde 2014, eles são muito altos – e crescentes. Hoje, a Rússia enfrenta crescentes sanções econômicas e isolamento político. Se tanto, em sua própria descrição, o sucesso da Rússia na Ucrânia foi uma vitória de Pirro.

Em segundo lugar, apesar das relações entre a Rússia e o Ocidente serem tensas, existe muita cooperação no dia-a-dia. Esse estado de coisas reflete o fato de que os estados ocidentais – ou a Europa como um todo – não podem estar seguros sem algum tipo de entendimento diplomático de longo prazo com a Rússia. Ambos os lados reconhecem isso. Recentemente, a diplomacia tem sido subestimada, mas isso não significa que alguém deva parar de tentar. A Finlândia tem sido um dos poucos países europeus que envolvem a Rússia no mais alto nível político, a fim de reduzir as tensões. Esperar a Rússia capitular diante de mais e mais sanções econômicas ou esperar que ela se desintegre pacificamente através de um processo de turbulência interna seria um erro. Tanto a Rússia quanto o Ocidente têm interesse em resolver a crise atual sem recorrer à força das armas.

Finalmente, a Finlândia e a Suécia levam muito a sério os seus compromissos de defesa territorial. E no caso da Finlândia, a defesa territorial contra a agressão externa tem sido a razão de ser das Forças de Defesa Finlandesas desde que o país conquistou a sua independência há mais de 100 anos.

“A Finlândia e a Suécia levam muito a sério seus compromissos de defesa territorial”

Isso não mudou com o fim da Guerra Fria 30 anos atrás. Nos anos 90, a maioria dos estados europeus redefiniu sua visão sobre a defesa militar. Entre 1989 e 2013, a maioria dos exércitos europeus tornou-se pequenas forças de voluntários, adequadas para operações expedicionárias multinacionais com contribuições de tropas simbólicas. As estruturas de divisão e brigada foram cortadas. Fogo de longo alcance, guerra eletrônica, defesa aérea terrestre, tanques e múltiplos lançadores de foguetes foram descartados. A gestão militar de crises, a cooperação civil-militar e as operações de contra-insurgência substituíram a guerra de manobras mecanizadas nas doutrinas militares. Em suma, as forças armadas ocidentais – particularmente na Europa – encolheram.

Houve uma exceção: a Finlândia. O país nunca deixou a peteca cair na defesa territorial. Hoje, isso está pagando dividendos. Na área de defesa, não há soluções rápidas. Capacidade militar perdida não pode ser substituída rapidamente. Este é o ponto central do mal-estar militar europeu. Não há necessidade das assim chamadas forças externas de dissuasão quando você tem a casa em ordem. Terceirizar custos relacionados à defesa (por exemplo, para os Estados Unidos) não é a maneira de proceder quando se trata de questões de segurança nacional e sobrevivência. Muitos estados europeus tornaram-se dependentes demais dos Estados Unidos para deter uma agressão militar externa – e, se necessário, defender seu território nacional e o território da aliança da OTAN.

“Muitos países europeus tornaram-se dependentes demais dos Estados Unidos para deter a agressão militar externa”

A Suécia teve seu momento de dividendos de paz após o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria. Perdeu uma quantidade significativa de capacidade militar para defesa territorial, particularmente no domínio terrestre. Mas ainda assim, a Suécia manteve significativas capacidades de guerra marítima e aérea ao longo do período. E depois de 2014, voltou a concentrar-se na defesa do seu próprio território e áreas adjacentes. Além disso, as compras militares foram impulsionadas. E as perspectivas para futuros aumentos do orçamento de defesa sueco parecem positivas. Além disso, a Finlândia e a Suécia estão envolvidas em acordos bilaterais e multilaterais de cooperação em matéria de defesa. A manutenção e o desenvolvimento de capacidades de defesa territorial confiáveis não restringem as possibilidades de cooperação internacional.

De fato, a Finlândia e a Suécia expandiram suas respectivas agendas de cooperação em defesa, bilateralmente e com outros. Os Estados Unidos são um ator importante nesse sentido, assim como a OTAN. Mas a cooperação em defesa não pode substituir suficiente capacidade militare nacional. Esta é a lógica subjacente ao Artigo 3º do Tratado do Atlântico Norte. Aplica-se à Finlândia e à Suécia, assim como a qualquer outro país – seja ou não um Estado membro da OTAN.

Afinal, mesmo o maior urso não vai engolir um porco-espinho. A Geórgia perdeu parte de seu território para a Rússia, em 2008, quando Saakashvili era presidente. Há muito o que aprender com essa experiência, mas nada sugere que a Rússia vá iniciar uma guerra contra a Suécia ou a Finlândia, como afirma Saakashvili, para aumentar a popularidade de Putin.


*Jyri Raitasalo é professor de Estudos de Guerra na Universidade de Defesa Nacional da Finlândia.


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5 comentários

  1. “Muitos países europeus tornaram-se dependentes demais dos Estados Unidos para deter a agressão militar externa”. Será assim com a Suécia?! que me parece muito forte na indústria Militar. Albert, seria ótimo ver um levantamento da indústria nacional bélica desses países, inclusive da Noruega.

  2. O povo finlandês é destemido. Já enfrentaram a URSS. Não sei o que significa o termo “hype”.

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