A importância da Justiça Militar da União na preservação da hierarquia e da disciplina das Forças Armadas

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Min. Gen. Ex. Sérgio Conforto


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Gen. Ex. Sérgio Conforto

Embora tenha sido o primeiro tribunal a ser instalado em terras brasileiras, quando da vinda da Família Real, em 1808, é comum, mesmo dentre as pessoas que militam na área jurídica o desconhecimento da legislação específica e, principalmente, da razão de ser da Justiça Militar. Lembro que um jovem magistrado de primeira instância, ao proferir sentença referente ao desligamento de cadetes da AMAN em proveito “da honra e pundonor militares”, disse, textualmente, “sabe Deus o que isto significa”!!!

Nenhum país pode se permitir perder uma guerra. Da mesma maneira, forças armadas não se improvisam, pois como nos magistrais versos de Camões, já no século XVI, “a disciplina militar prestante não se aprende, senhor, na fantasia, sonhando, imaginando. Senão vendo, tratando e pelejando…”

Da sentença latina vis pacem para bellum (se queres a paz, prepara-te para a guerra”) decorre a principal estratégia do Exército Brasileiro, a da dissuasão. Por ela, é fundamental manter um grau de prontidão e operacionalidade tais que façam com que eventuais rivalidades, ambições ou aventuras em relação ao patrimônio brasileiro sejam desencorajadas, mantendo tudo aquilo que possa se configurar como antagonismo como passível de resolução no campo diplomático.

Ficam, pois, evidenciadas duas idéias principais, decorrentes da citação de Camões, e dos antigos romanos: a de que o treinamento tem que ser permanente, e a de que tem de ser realístico, mesmo em tempo de paz.

E o que faz um homem (ou mulher) atuar como soldado, expor a sua vida ou se propor a tirar a de outrem, se necessário? Certamente que uma elevada dose de ideal é imprescindível, mas o é também o treinamento, a coesão e, sobretudo, a disciplina.

Só a disciplina mantém a coesão, possibilita a vitória sobre o medo. Só o respeito à hierarquia impede que alguém armado se transforme em uma besta-fera ou em um covarde ao ver companheiros caindo, explosões se sucedendo, gritos, desespero.

São antigos os códigos legais relativos aos militares. Desde há muito tornou-se imprescindível que houvesse leis especiais que punam com rigor a deslealdade, a covardia, a rebelião, o medo.

Como em qualquer agrupamento humano, encontra-se no meio militar bons (grande maioria) e maus elementos. Tal como na vida em sociedade de civis, é essencial coibir por meio das leis, processos, julgamentos e sentenças pré-codificados a ação do malfeitor no permanente interesse do bem comum.

“Dentro de um quadro democrático, em que a lei impõe a todos o dever de contribuir para a segurança da nação, atenuam-se as penas e as preocupações, mas ainda assim há que zelar permanentemente pela hierarquia e pela disciplina.”

Nos séculos passados eram muitíssimo rigorosas as penas constantes dos códigos legais militares.

Muitos crimes, mesmo em tempo de paz, eram punidos com a morte. Era a forma de coibir a criminalidade, a fuga em combate, a deserção, o medo. A maioria dos exércitos era constituída de mercenários, ou então por indivíduos praticamente seqüestrados para o serviço militar. Combatiam, mas uma de suas principais motivações era o medo de um castigo que poderia ser pior que a ação do inimigo.

Dentro de um quadro democrático, em que a lei impõe a todos o dever de contribuir para a segurança da nação, atenuam-se as penas e as preocupações, mas ainda assim há que zelar permanentemente pela hierarquia e pela disciplina, pilares fundamentais de qualquer força armada, e sem a solidez dos quais deixam de existir como instituição eficaz.

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Imagem: Arquivo do Centro de Comunicação Social do Exército

Tomemos como exemplo a Força Expedicionária Brasileira que, nos anos 40 do século XX, foi à Itália e de lá regressou trazendo o feito de ter ajudado a derrotar o exército mais poderoso e mais adestrado do mundo, em determinado momento.

Foram para lá cerca de 25.000 homens e mulheres, oriundos das mais diversas camadas da sociedade brasileira. Combateram, cumpriram o seu dever, muitos morreram ou foram feridos e mutilados, e a FEB voltou coberta de glórias, vitoriosa, peitos cheios de merecidas medalhas.

Mas poucos sabem que, de julho de 1944 a julho de 1945, as duas auditorias que funcionaram junto à FEB, atuaram em 271 processos, que resultaram em um total de penas de 406 anos, 11 meses e 24 dias, e, ainda, duas condenações à morte. (Do livro “A Justiça Militar na Campanha da Itália”, de Bento Costa Lima Leite de Albuquerque, Imprensa Oficial – Fortaleza – Ceará – Brasil – 1958).

Desconhecer a razão de ser e a importância da Justiça Militar, limitá-la ao ignorar suas peculiaridades e objetivos interpretando crimes militares à luz da legislação civil, é fazer o trabalho do inimigo, seja ele qual for, e sejam quais forem a suas motivações.

Ignorar que alguém, que presta um juramento solene perante a Bandeira do Brasil e por sua honra, está automaticamente aceitando, juntamente com os deveres para com a defesa do Brasil, o seu posicionamento como sujeito à legislação penal militar e assemelhá-lo a um civil de qualquer outra profissão, é ignorar não só as regras da justiça, mas o dever de todos para com a segurança de nosso país.


 

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3 comentários

  1. Breve, porém preciso texto sobre as questões jurídicas no que se refere à vida castrense. Sou estudante de Direito, neste momento em 5º período, almejo me envolver a partir do Direito na vida militar, entretanto me frusto bastante com a, se quer, citação sobre a existência de tal vertente dentro do Ordenamento. Gostaria muito de ver mais matérias aqui sobre assuntos de Direito no tocante ao militarismo.

    1. Vamos procurar publicar mais na medida do possível Adalberto, a idéia é diversificar com articulistas de qualidade. Muito obrigado por acompanhar e por comentar!

    2. Olá, Adalberto! Você poderia sugerir alguns temas de Direito Militar para nós? Fique à vontade. Obrigada por ler e comentar.

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