Defesa Antiaérea – Venezuela

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Capas-Defesas-Aerea

Por Albert Caballé Marimón

Neste artigo usaremos uma abordagem diferente. Devido à extensão do tema, em que serão analisados diversos países da nossa região, publicaremos hoje a introdução e a análise do primeiro país – a Venezuela – e periodicamente complementaremos com as análises dos demais países, até chegarmos à conclusão final.

Introdução

Nos diversos fóruns dedicados ao debate de Defesa no Brasil, é bastante comum a afirmação de que o Brasil sofre de uma grave deficiência na defesa antiaérea. O exemplo recorrente, sempre usado como comparativo é o caso da Venezuela, que, em seu CODAI – Comando de Defensa Aeroespacial Integral, é dotada dos notórios e sempre temidos sistemas russos S300.

Mas defesa aérea é uma questão de doutrina, e utilizar ou não determinados sistemas está associado à doutrina adotada. Esta análise não pretende de forma alguma sugerir o que o Brasil deve ou não fazer, e este autor entende que nossas Forças Armadas fazem o melhor possível dentro das possibilidades do país. A intenção é, assim, meramente contribuir para o debate dos mencionados fóruns, fazendo uma análise objetiva dos riscos reais que enfrentamos.

É claro que, num mundo ideal, seria desejável que o país estivesse equipado com o que há de melhor e mais moderno em termos de tecnologia militar nas três forças. Entretanto, no piso frio da realidade é preciso priorizar recursos. Este é o objetivo desta análise: no mundo real, é mesmo indispensável investir em caros sistemas de defesa antiaérea recursos sempre limitados?

Abordagem

O ponto de partida foi considerar os equipamentos disponíveis nas principais forças aéreas vizinhas e estimar seu alcance e qual o seu potencial de penetrar em nosso território. A partir daí, avaliar que alvos de importância estratégica estariam dentro deste alcance. Esta avaliação nos dá uma medida de nossa necessidade, partindo do ponto de vista de quais alvos de importância um suposto inimigo poderia atingir.

Para este efeito, foram avaliados os seguintes países: Argentina, Colômbia, Chile, Equador, Peru e Venezuela. Estes países foram selecionados pelo entendimento de que possuem capacidade aérea com algum grau de significância.

Parâmetros

O alcance de combate (combat radius) de uma aeronave depende de uma série de fatores, por exemplo o peso do armamento para a missão, utilização ou não de tanques externos, o perfil de vôo, entre outras. Portanto, para efeito desta análise, foi considerado o alcance total, que considera um padrão de vôo em altitude ideal e sem carga de combate.

É claro que este alcance é maior do que o alcance efetivo de combate; portanto, para esta estimativa fica considerado o que poderia ser um “pior cenário”, ou seja, superestimando o alcance de aeronaves atacantes em nosso território.

Como fonte de informação, consideramos prioritariamente os websites da força aérea do país e do fabricante da aeronave; quando não foi possível encontra-la nestes locais, utilizamos uma destas fontes: o doc8643.com do ICAO (International Civil Aviation Organization), o Military Factory (www.militaryfactory.com), Combat Aircraft(combataircraft.com) ou a Wikipedia. Para os mapas e localização das bases aéreas e respectivos esquadrões tomamos como referência o Scramble (www.scramble.nl).

Venezuela

A República Bolivariana da Venezuela está localizada ao norte da América do Sul, formada pela parte continental e uma série de ilhas no Mar do Caribe. Possui área de 916.445 km², população de aproximadamente 32 milhões de habitantes, e sua capital é a cidade de Caracas, localizada no norte do país. A fronteira entre Brasil e Venezuela vai do ponto tríplice com a Colômbia, no Rio Negro, ao ponto tríplice com a Guiana, no alto do Monte Roraima, num total de 2.199km.

As principais aeronaves de combate operadas por sua força aérea, a Aviación Militar Bolivariana, são o russo Sukhoi Su-30MK2V “Flanker”, do qual teriam 23 unidades, e o norte-americano Lockheed Martin F-16A/B “Fighting Falcon”, com reportadas 21 unidades.

01-Su-30-F-16

Estas aeronaves estão distribuídas em cinco bases aéreas, todas elas localizadas próximo ao litoral. A Venezuela possui poucas bases no interior do país, sendo a mais próxima do território brasileiro a Base Aérea Orinoco, na localidade de La Esmeralda. Esta base opera um esquadrão de transporte aéreo.

02-Tabela-Esquadroes

03-Bases-Venezuela

Potenciais alvos em território nacional

No caso da Venezuela, o alvo potencial de um ataque aéreo é a região amazônica. A Amazônia é uma região de extrema importância tanto devido a seus recursos naturais (hídricos, minerais) como pela sua rica biodiversidade. Em termos econômicos, em 2016 o PIB do Amazonas foi de R$ 89 bilhões (1,4% do PIB nacional). A economia amazonense é composta por agropecuária e indústrias de eletroeletrônica, duas rodas, naval, mecânica, metalúrgica, petroquímica, plástica e termoplástica, bem como setores de comércio, serviços e ecoturismo na floresta amazônica. O principal polo industrial da região é a Zona Franca de Manaus.

Para esta análise, tomamos as bases que operam esquadrões de combate mais próximas do território brasileiro: a BA Luis del Valle Garcia (BAVALLE), na cidade de Barcelona, a 250km a leste de Caracas, e a BA Capitán Manuel Rios Guarico (BAEMARI), na localidade de El Sombrero, 120km ao sul de Caracas.

A partir destes pontos, traçamos uma circunferência cujo raio é o alcance das aeronaves conforme definido no item Parâmetros no início desta análise. Considerando os Flanker, com alcance de 3.000km, o raio desta circunferência é de 1.500km (considerando ida e volta).

Partindo da BAVALLE, dentro deste raio, ele alcançaria a cidade de Boa Vista, a 930km de distância. Na região dentro de seu alcance não foram identificadas instalações industriais, logísticas ou infraestrutura de importância significativa a ponto de se tornar alvo de um ataque aéreo. As maiores cidades da região, Manaus e Belém, estão, respectivamente, a 1.560km e a 2.200km de distância e portanto fora de alcance, ou, no caso de Manaus, no limite extremo dos F-16, cujo alcance estimado seria 100km maior.

Considerando um ataque partindo da BAEMARI em El Sombrero, as distâncias são similares. Neste caso, Temos Boa Vista a 1.000km, Manaus a 1.580km e Belém a 2.370km.

04-Alcance-Barcelona

05-Alcance-El Sombrero

Consideramos a hipótese das aeronaves operarem da base mais próxima do território brasileiro, a BA Orinoco (BATAOR), em La Esmeralda. De lá seria possível alcançar um número maior de capitais e cidades de maior importância na região: Boa Vista a 550km, Manaus a 930km, Porto Velho a 1.340km, Santarém a 1.360km, Rio Branco a 1.490km e Macapá a 1.500km.

Vale salientar que La Esmeralda é um povoado às margens do Rio Orinoco com cerca de cem residências, um porto fluvial e um posto militar. Opera aeronaves de transporte de pequeno porte do Grupo Aéreo de Transporte 9 que abastecem povoados e unidades da região.

06-Alcance-La Esmeralda

Adendo – colaboração do jornalista Alexandre Fontoura

Depois de postar o artigo, recebi do jornalista Alexandre Fontoura* informações sobre os alcances do Su-35 em missões de ataque e interceptação, considerando diferentes perfis de vôo. Neste caso, o maior alcance em missão de ataque se dá no perfil Hi-Hi-Hi, no qual ele atingiria 820Km. O gráfico mostra que, para levar o máximo de combustível interno, de 10t, a carga bélica é reduzida a 4t, ou o peso máximo de decolagem seria ultrapassado.

SU-35-Ataque

O Su-30 tem alcance menor do que o Su-35, mas consideremos este perfil (pior cenário) para efeito de análise. Ele poderia atingir Boa Vista/RR e não atingiria Manaus, que está a 110km além de seu alcance máximo.

Agradeço ao Fontoura por esta informação, que contribuiu para enriquecer este estudo.

07-Alcance-Su-35-La Esmeralda

*Alexandre Fontoura é jornalista especializado em Defesa e seu trabalho pode ser acompanhado na revista Segurança & Defesa.

Considerações

A Amazônia é uma região extremamente estratégica, principalmente devido a seus recursos naturais, com enorme potencial econômico. Suas características de região de selva e pouca infra-estrutura logística tornam bastante complexa e difícil a invasão por terra. A destruição dos polos econômicos da região através de um ataque aéreo não chegariam a causar impacto significativo na capacidade industrial do país, e dadas as enormes distâncias e características da região, não necessariamente facilitaria sua ocupação por tropas terrestres.

A região é constantemente monitorada pelos R-99/E-99 e aeronaves incursoras seriam detectadas com antecipação, possivelmente ainda em território venezuelano, e passíveis de interceptação por caças da FAB antes de se aproximarem de seus alvos. Além disso, na aproximação final para o ataque estariam ao alcance de defesas antiaéreas de curta distância. Considerando os benefícios, os custos e os riscos envolvidos para o atacante numa operação dessa natureza, a efetividade militar de tal ataque seria bastante questionável.


 

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4 comentários

  1. Um comentário rápido.
    Este “alcance de 800 km” se refere a um SU-30 com 16 bombas de 250 Kg. Num ataque estratégico provavelmente seriam usadas bombas inteligentes de 500 kg (KAB-500), lançadas de grande altitude, provavelmente acima dos 5 mil metros; e duas delas bastam para a maioria dos alvos. Então, a carga de 16×250=4000 kg, poderia ser reduzida para 2×500=1000 kg, diminuindo portanto a carga em 75%, assim como o arrasto gerado pela carga maior. Dessa forma, os tais 110 Km que faltariam para atingir Manaus seriam ultrapassados com facilidade com tamanha redução de carga.

    Espero ter colaborado de alguma forma.

    1. Bom dia CM, obrigado pelo comentário! Na verdade, o texto especifica que esse alcance se refere ao Su-35, que tem alcance maior que o Su-30, e foi usado apenas para referencia pois não encontrei a mesma informação para o Su-30. Desta forma, pode ser que com a carga que você menciona talvez os Su-30 chegassem a Manaus; mas lembrando novamente que a referencia é dos Su-35 com alcance maior, a questão permanece em aberto para os Su-30.

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