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Por Valter Andrade

No dia 6 de Setembro de 1976 as agências de notícias informaram um fato sensacional: um piloto do mais novo avião de caça russo, o Mig-25P “Foxbat”, pousou na ilha japonesa Hokkaido e pediu asilo político aos EUA.

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Os americanos aproveitaram a oportunidade para examinar a construção do caça russo. Depois disto a Rússia teve que substituir o sistema eletrônico de identificação em todos os seus aviões militares. Vários anos depois os jornais russos informaram que o seqüestrador do Mig (assim Belenko foi tratado por seus compatriotas) morreu num acidente de carro, e muitas pessoas na Rússia ficaram satisfeitas pensando que o homem que cometeu traição recebeu seu castigo. Mas de fato o “seqüestrador” continuou bem vivo…

Victor Ivanovich Belenko, nascido na cidade de Naltchik e oriundo de uma família de trabalhadores, concluiu os estudos com a distinção. Estudou numa escola médica por dois anos, mas mudou de ideia e entrou para a Academia Militar da Força Aérea em Armavir. Depois de vários anos de serviço como piloto e instrutor, foi destacado para uma unidade de defesa aérea próxima de Vladivostok. O primeiro-tenente Belenko teve uma carreira próspera, e posteriormente foi indicado para outra esquadrilha, onde iria a voar o mais novo e secreto caça interceptador russo, o Mig-25P. O avião pilotado por Belenko possuía o número 31 vermelho pintado abaixo da cabine, e foi recebido em fevereiro de 1976.

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Segunda-feira, 6 de Setembro de 1976 vai ser sempre o pior dia dos pilotos do seu grupo aéreo. Neste dia uma esquadrilha de Mig’s decolou do aeroporto Chuguevka e praticou manobras aéreas de interceptação. Repentinamente um dos aviões iniciou uma queda em direção ao oceano. Logo desapareceu das telas de radar e os colegas pensaram que o piloto perdeu o controle e caiu. Naquela tarde Belenko foi declarado como morto, e os pilotos do esquadrão começaram a levantar dinheiro para sua esposa e o pequeno filho.

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No momento em que desapareceu das telas de radar, o avião voava a apenas 50 metros acima do oceano em direção ao Japão. Depois de avistar a ilha de Hokkaido deixou de ocultar-se dos radares, sendo localizado então pela defesa nipônica, que acionou dois caças para interceptar o estranho avião. Rapidamente o Mig-25P curvou na parte sul da ilha e começou a aproximação para o aeroporto civil de Hakodate. Um Boeing de uma linha aérea japonesa estava decolando, e Belenko evitou uma colisão. Devido a isto, ele correu 250 metros para fora da área de pista. O Mig parou muito perto de uma antena de rádio maciça; ele morreria e o avião estaria destruído caso se chocasse com ela. Quando pousou, Belenko tinha combustível para apenas mais 30 segundos de vôo, o que significa dizer que ele não teve tempo para uma aterrissagem mais cuidadosa.

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Depois que as autoridades da URSS entenderam que a fuga de Belenko não podia ser ocultada do público, o Ministério Estrangeiro Russo informou que o primeiro-tenente se perdeu e aterrissou no Japão, onde foi drogado à força. Foi arranjado um encontro com um funcionário da Embaixada Soviética no Japão, chamado Sadovnikov. Ao chegar, ele teria dito: “… o governo soviético sabe que você se perdeu, foi forçado a aterrisar e lhe injetaram drogas. Eu vim para ajudá-lo a voltar para casa, para sua esposa querida e seu filho!… “. Belenko interrompeu-o: “Deixe de fazer propaganda. Eu cheguei ao Japão voluntariamente”. Em seguida o “diplomata”, que era oficial da KGB, o ameaçou publicamente: “Sequestrador, traidor! O encontraremos de qualquer maneira onde quer que você esteja!”.

A URSS não conseguiu reaver o piloto fugitivo, mas seu Mig-25P “Foxbat” foi devolvido ao país, não sem antes o caça interceptador soviético ter sido levado a uma base militar da Força Aérea dos Estados Unidos a 80 quilômetros de Tóquio. Nesta unidade o avião foi cuidadosamente examinado, o que ajudou os americanos a entenderem muitos segredos do avião. Posteriormente o Mig foi desmontado e levado a um navio soviético num porto próximo, localizado em Hitachi. E na noite do dia 12 de Outubro, o “Foxbat” foi devolvido pelo Japão, seguindo depois para a cidade de Daugavpils na Letônia, onde existe uma academia da Força Aérea Soviética. Os estudantes usaram o avião para o treinamento em terra. No final dos anos 80 a aeronave foi levada a outro lugar e desmontada, e as crianças e estudantes locais levaram partes do avião como lembrança!

Após obter o asilo político nos EUA com a ajuda do Presidente Gerald Ford, Victor Belenko conseguiu um bom emprego e foi instrutor de combate aéreo em Nellis durante muitos anos.

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Belenko casou-se com uma americana e formou uma família com três crianças. Posteriormente divorciou-se, e concedeu a casa à ex-esposa, conforme o acordo de matrimônio entre eles. Em 1980 ganhou um bom dinheiro após a publicação do livro “MIG Pilot” (Piloto de MIG) em parceria com o escritor John Barron. Viajou muito como cidadão americano, visitando 68 países. Atualmente vive na Califórnia, onde trabalha no ramo de exportação para diversos países, inclusive a Rússia. Contudo, em contatos com os russos ele sempre se apresenta com nomes fictícios.

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O antigo primeiro-tenente não concorda com as críticas dirigidas a ele, e explica sua ação de sequestro como um protesto contra a ideologia soviética. Numa entrevista a uma revista americana, Belenko confessou que o que mais lhe impressionou quando chegou aos EUA foram os supermercados. Ele disse que na sua primeira visita a um supermercado foi observado por agentes de CIA, e que naquele momento ele pensava que a loja poderia ser organizada para impressiona-lo como um visitante especial. A loja era um enorme edifício muito bonito, com muitas mercadorias e nenhuma fila de clientes como na URSS.

Depois o piloto entendeu que o supermercado era real, e gostou de comprar comidas variadas. “Na Rússia era sempre era uma tarefa difícil encontrar mercadorias enlatadas e saborosas. Mas nos EUA sempre comprei comida enlatada diferente todo dia. Certa vez comprei uma lata para fazer o jantar, fritei seu conteúdo com batatas, cebolas e alho, foi delicioso. Na manhã seguinte os meus amigos disseram-me que o que eu tinha comido, era um frango enlatado para gatos. Mas estava delicioso! Eles eram até melhores do que a comida enlatada que é produzida na Rússia atualmente.”

Tal confissão manifesta com que tipo de liberdade o jovem soviético Victor Belenko sonhava secretamente. Ele aceitou tolerar um regime totalitário e voluntariamente juntou-se ao exército do regime que odiou. Filiou-se ao partido e pretendia ser comunista, e mesmo assim enfrentava filas. Mesmo sendo um oficial e membro do partido, era comum encontrar na fila um major que poderia passar à frente dos demais devido a sua patente. Isto não é compatível com a imagem de um homem com ideais da liberdade, que era diferente de outros cidadãos soviéticos que podiam aceitar a humilhação em filas e uma comida enlatada de má qualidade.

A inteligência militar e o KGB trabalharam muitos anos investigando a versão de que Victor Belenko fora recrutado pela CIA durante o período em que estudou na academia ou nas férias numa casa de verão em 1976. A prova de tal recrutamento nunca foi encontrada. Entretanto Belenko teve uma possibilidade de não revelar os segredos do novo Mig. Ele poderia ter espatifado o avião nas colinas, numa área abandonada de Hokkaido e ejetar-se. Para tal ação ele encontra uma explicação razoável: ficara sem tempo para encontrar um aeroporto devido à falta de combustível.

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A aspiração do caráter da história de “ideais democráticos” pode ser considerada apenas como parte da razão verdadeira do sequestro do avião. Este pode ser compreendido depois de revogada a promessa de pagar 100 mil dólares a quem sequestrasse o novo Mig soviético. A promessa foi feita pelos americanos em folhetos lançados sobre as bases aéreas no Vietnã do Norte. Milhares de pilotos soviéticos participaram na guerra no Vietnã, que durou 10 anos. Os americanos não tinham nenhuma possibilidade de obter este avião a não ser sequestrando um exemplar, e Belenko recebeu a informação da recompensa prometida pelos americanos. Até porque os pilotos russos foram estritamente proibidos de cruzar a linha de fronteira durante os vôos.

PS.: Victor Belenko foi condenado à execução por militares do Supremo Tribunal da URSS por traição (Artigo 64 do Código Criminal da URSS).


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Adendo do Blog: Entre suas diversas atividades, Valter Andrade é especialista em plastimodelismo, inclusive ministrando cursos sobre o tema. Atualmente está terminando a montagem do Mig-25 de Victor Belenko em escala 1/72. Este modelo, e outros, podem ser adquiridos sob encomenda.


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1 comentário

  1. Conheço a história do Victor Belenko, vi nos jornais da época e ainda tenho recortes desses jornais.
    Também tenho o plastimodelismo como hobby, e no momento estou trabalhando em um mig 25 da Revell, na 1/48 além de possuir muito da Força Aérea Soviética.

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